Acórdão Nº 2016.700524-0 do Sétima Turma de Recursos - Itajaí, 09-07-2018

Número do processo2016.700524-0
Data09 Julho 2018
Tribunal de OrigemBalneário Camboriú
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA


PODER JUDICIÁRIO


SÉTIMA TURMA DE RECURSOS


GABINETE DA JUÍZA SÔNIA MARIA MAZZETTO MOROSO TERRES



Recurso Inominado n.º 2016.700524-0


Sétima Turma de Recursos de Itajaí


Origem: 1º Juizado Especial Cível - Balneário Camboriú


Relatora: Juíza Sônia Maria Mazzetto Moroso Terres


Recorrente: Barigui Veículos Ltda.


Recorrida: Eunice Orlandini Zulian


Juiz Prolator da Sentença na Origem: Patrícia Nolli


RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DE AUTOMÓVEL. PROVIDÊNCIA NÃO EFETIVADA PELA REVENDEDORA DE VEÍCULOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ.


1) ALEGADA A PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO À OBRIGAÇÃO DE FAZER SUBMETIDA AO PRAZO GENÉRICO DE DEZ ANOS (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL). PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA NESSE PONTO. PRETENSÃO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, POR SUA VEZ, SUBMETIDA AO PRAZO TRIENAL, POR SE TRATAR DE REPARAÇÃO CIVIL. EXEGESE DO ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO VERIFICADA NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO INDENIZATÓRIA AFASTADA.


2) MÉRITO. DEVER DO ADQUIRENTE DE PROCEDER À TRANSFERÊNCIA, PREVISTO NO ART. 123, § 1º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. SUSTENTADA IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, PORQUANTO O AUTOMÓVEL SE ENCONTRA SOB O PODER DE TERCEIRO, DADA NOVA ALIENAÇÃO. INVIABILIDADE DE ATENDER ÀS EXIGÊNCIAS DO ÓRGÃO DE TRÂNSITO, QUAIS SEJAM, APRESENTAÇÃO DE VISTORIA E DOCUMENTAÇÃO. OBRIGAÇÃO INEXEQUÍVEL PELA RÉ, NÃO POSSUIDORA DO VEÍCULO. SOLUÇÃO ADEQUADA À LIDE QUE CONSISTE NA EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO DETRAN/SC COM ORDEM DE TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DO VÉICULO E DOS DÉBITOS RELACIONADOS.


RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.


"Quando a regularização do registro do automóvel no Departamento de Trânsito se torna impossível à revenda de veículos, por sua alienação e entrega a terceiro, inviabilizando os procedimentos administrativos exigidos pelo órgão estadual responsável, notadamente quando o automóvel está alienado fiduciariamente em favor de instituição financeira, a multa cominatória se torna inócua e inexigível, remanescendo a obrigação pelas perdas e danos. Presentes nos autos os documentos comprobatórios da alienação do veículo para terceiro, excepcionalmente, possível a expedição de ordem judicial direta ao órgão de trânsito para a regularização da propriedade, liberando-se o proprietário original dos encargos e responsabilidades sobre bem móvel que há muito não mais lhe pertence." (TJSC, Apelação Cível n. 0001645-50.2012.8.24.0049, de Pinhalzinho, rel. Des. Luiz Felipe Schuch, Câmara Especial Regional de Chapecó, j. 26-03-2018).


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n.º 2016.700524-0, interposto em desfavor da sentença proferida nos autos de n.º 0011619-78.2014.8.24.0005, do 1º Juizado Especial Cível da Comarca de Balneário Camboriú, em que é Recorrente/Ré Barigui Veículos Ltda. e Recorrida/Autora Eunice Orlandini Zulian.


ACORDAM, os Juízes integrantes da Sétima Turma de Recursos, por unanimidade de votos, conhecer do presente recurso inominado e dar-lhe parcial provimento, para o fim de: a) reconhecer a prescrição da pretensão da Autora em relação à indenização por danos morais, afastando a condenação de primeiro grau; b) determinar a expedição de ofício ao Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina - DENTRAN/SC, com ordem para que proceda à transferência da titularidade do automóvel Ford KA 1.0, ano/modelo 99/99, cor branca, placa MAL2523, Renavam n. 718110447, bem como, das multas por infrações de trânsitos e tributos acumulados, para o nome de Ewerton Luiz de Freitas, a contar da data de 04/05/2005.


I - RELATÓRIO


Dispensado o relatório, de acordo com o art. 46 da Lei n.º 9.099/95, artigo 63, § 1º, do Regimento Interno das Turmas de Recursos Cíveis e Criminais dos Juizados Especiais do Estado de Santa Catarina e do Enunciado nº 92 do Fórum Nacional de Juizados Especiais - FONAJE.


II - VOTO


Trata-se de recurso inominado interposto por Barigui Veículos Ltda., objetivando reformar a sentença proferida nos autos da ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, proposta em seu desfavor por Eunice Orlandini Zulian, que julgou procedentes os pedidos formulados na exordial.


O recurso é tempestivo e a parte Recorrente acostou aos autos a guia de preparo devidamente paga, estando, por conseguinte, preenchidos os requisitos recursais.


Em apertada síntese, a parte Recorrente levantou como prejudicial de mérito a prescrição e, como preliminares, a ilegitimidade passiva e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, sustentou que não há como compeli-la a realizar a transferência do veículo que não está mais na sua posse, pois tal providência cabe ao atual proprietário e possuidor do bem, a quem cabe também à responsabilização pelo pagamento dos débitos do veículo.


Requereu, assim, o acolhimento do pedido alternativo da Recorrida para que seja expedido ofício ao órgão de trânsito, determinando a transferência da titularidade do veículo para o atual proprietário, em substituição à condenação imposta. No mais, insurgiu-se contra a indenização fixada a título de danos morais.


Sabe-se que a expressão 'reparação civil' está ligada "ao dever jurídico sucessivo de indenizar o lesado - seja pela restauração em natura, seja pela indenização em dinheiro - derivado da violação de um outro dever jurídico, mas originário, que pode tanto estar situado na esfera negocial como na extranegocial"1.


Em relação ao prazo prescricional aplicado à pretensão relativa aos danos morais, tem-se que este é de 3 (três) anos, conforme art. 206, § 3º, V, do Código Civil, in verbis: "Art. 206. Prescreve: [...] § 3o Em três anos: [...] V - a pretensão de reparação civil".


Isso porque, o Código Civil de 2002 não mais distingue direitos pessoais e reais para fins de aplicação de prazo prescricional, apesar de boa parte da jurisprudência ainda considerar tal distinção para incidência do prazo genérico de 10 (dez) anos, previsto no art. 205 do Codex2, de modo que tanto as pretensões de reparação de danos decorrentes de responsabilidade contratual, como os derivados de responsabilidade extracontratual, sujeitam-se ao prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC.


Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça exarado no julgamento do REsp. 1281594, de Relatoria do Min. Marco Aurélio Bellize:


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO FUNDADA EM RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. PRAZO TRIENAL. UNIFICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA A REPARAÇÃO CIVIL ADVINDA DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL. TERMO INICIAL. PRETENSÕES INDENIZATÓRIAS DECORRENTES DO MESMO FATO GERADOR: RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. DATA CONSIDERADA PARA FINS DE CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL TRIENAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Decidida integralmente a lide posta em juízo, com expressa e coerente indicação dos fundamentos em que se firmou a formação do livre convencimento motivado, não se cogita violação do art. 535 do CPC/1973, ainda que rejeitados os embargos de declaração opostos. 2. O termo "reparação civil", constante do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final), e o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais. 3. Na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, foi editado o Enunciado n. 419, segundo o qual "o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual". 4. Decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na petição inicial da rescisão unilateral do contrato celebrado entre as partes, é da data desta rescisão que deve ser iniciada a contagem do prazo prescricional trienal. 5. Recurso especial improvido.


Deste modo, acompanhando o mesmo entendimento mencionado, considera-se como fato gerador da pretensão da Recorrida, quanto aos danos morais, a data em que expirou o prazo para que a Recorrente procedesse à transferência da titularidade do veículo, qual seja, 15/05/2005 (trinta dias após a compra e venda) (art. 189 do CC3). Nesse passo, tem-se que a pretensão da Recorrida quanto aos eventuais danos morais já havia prescrevido em 15/05/2008, considerando a demanda foi protocolada em 06/10/2014.


Frisa-se que é inaplicável ao caso em exame o prazo prescricional previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor4, vez que a causa de pedir não diz respeito a danos causados por fato do produto ou do serviço, bem conceituados nos artigos 12 e 14 do CDC.


Não obstante a pretensão aos danos morais se encontre prescrita, o mesmo não ocorre com a pretensa obrigação de fazer, que compreende a transferência da titularidade do veículo, bem como a regularização de todos seus débitos. Isto, pois, não havendo disposição legal expressa fixando prazo menor para a hipótese, a prescrição ocorre em 10 (dez) anos, nos termos do art. 205 do CC.


Assim, tendo em consideração o mesmo marco inicial estabelecido alhures (15/05/2005), a pretensão à obrigação de fazer estaria prescrita em 15/05/2015, o que não ocorreu, porquanto a ação foi ajuizada anteriormente.


Portanto, reconhece-se a prescrição tão somente em relação ao pleito indenizatório, ficando afastada a condenação de primeira instância.


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