Acórdão Nº 2018.900041-9 do Conselho da Magistratura, 09-10-2018

Número do processo2018.900041-9
Data09 Outubro 2018
Tribunal de OrigemCorregedoria-Geral da Justiça
Classe processualProcesso Administrativo (extrajudicial)
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA


TRIBUNAL DE JUSTIÇA




Processo Administrativo Disciplinar (extrajudicial) n. 2018.900041-9, Corregedoria-Geral da Justiça


Relator: Des. Roberto Lucas Pacheco


PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA N. 35/17. TITULAR DE ESCRIVANIA DE PAZ DE ITAIÓ, COMARCA DE ITAIÓPOLIS. INFRAÇÕES PREVISTAS NO ART. 31, I, III E V, DA LEI N. 8.935/94.


LAVRATURA DE ESCRITURAS PÚBLICAS SEM OBSERVÂNCIA DAS PRESCRIÇÕES LEGAIS E NORMATIVAS. INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO PÚBLICA QUE NÃO OBSERVOU OS DITAMES DOS ARTS. 117, 122, 489 E 657 DO CÓDIGO CIVIL. PROCURAÇÃO AD NEGOTIA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO À JUNTA COMERCIAL. DESRESPEITO AO PROVIMENTO N. 42 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.


NÃO OBSERVÂNCIA DAS NORMAS GERAIS DE ORGANIZAÇÃO DOS LIVROS DA SERVENTIA. AUSÊNCIA DE ÍNDICES. DESCONFORMIDADE COM O ART. 795 DO CÓDIGO DE NORMAS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA.


COBRANÇA DE EMOLUMENTOS EM DESCONFORMIDADE COM O REGIMENTO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS (RCE). INVENTÁRIO. CÁLCULO DOS EMOLUMENTOS QUE NÃO DESCONSIDEROU A MEAÇÃO. VIOLAÇÃO À TABELA 1, ITEM 11, II, E NOTA 1ª, DO RCE.


INSTALAÇÃO DE SUCURSAL. PRÁTICA DE ATOS E COLHEITA DE ASSINATURAS FORA DA CIRCUNSCRIÇÃO GEOGRÁFICA DA SERVENTIA. VEDAÇÃO LEGAL EXPRESSA (LEI 8.935/94, ART. 43). CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A ATIVIDADE NOTARIAL. FALTA GRAVE.


APLICAÇÃO DE SANÇÃO DISCIPLINAR DIVERSA DA SUGERIDA NA PORTARIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. GRAVIDADE DAS INFRAÇÕES E CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO A INVIABILIZAR A MANUTENÇÃO DA DELEGAÇÃO. PERDA DA DELEGAÇÃO QUE SE IMPÕE.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de processo administrativo disciplinar n. 2018.900041-9, em que é indiciado Olizandro Sebastião Kühl:


O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, acolher as imputações constantes da Portaria n. 63/2017-CGJ e aplicar ao representado a pena de perda da delegação.


O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Rodrigo Collaço e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Altamiro de Oliveira, Luiz Zanelato, Gerson Cherem II, Denise de Souza Luiz Francoski, Artur Jenichen Filho, Luiz Neri Oliveira de Souza, Hélio david Vieira Figueira dos Santos, Moacyr de Moraes Lima Filho e Henry Petry Junior.


Florianópolis, 8 de outubro de 2018.


Roberto Lucas Pacheco


Relator





RELATÓRIO


Trata-se de procedimento administrativo disciplinar, instaurado pela Portaria n. 354/17 - CGJ, contra Olizandro Sebastião Kühl, titular da Escrivania de Paz do distrito de Itaió, comarca de Itaiópolis, em razão da prática, em tese, das infrações administrativas previstas no art. 31, I, II, III e V, da Lei n. 8.935/94, sujeitando-o às penalidades previstas no art. 32 da mesma lei.


O procedimento investigatório prévio teve por base o relatório da inspeção correicional realizada entre os dias 4 e 6 de setembro de 2017, na qual foram constatadas 10 irregularidades (fls. 3 a 12).


Em consequência, o então juiz-corregedor opinou pela abertura de processo adminstrativo disciplinar, com a condenação do representado à pena de suspensão por 90 (noventa) dias, nos moldes do art. 32, III, da Lei n. 8.935/94 (fls. 28 a 36).


Acolhendo integralmente os fundamentos e a conclusão do parecer, o Vice-Corregedor-Geral da Justiça à época (Des. Salim Schead dos Santos), determinou a abertura do processo administrativo, expedindo a Portaria n. 35, de 13.12.2017, delegando ao juiz diretor do Foro da comarca de Itaiópolis a realização dos atos instrutórios (fls. 38 a 41).


Citado, o delegatário apresentou defesa prévia sem indicar testemunhas a serem inquiridas. Afirmou, em síntese, que os elementos constante dos autos não são suficientes para demonstrar a prática de qualquer infração administrativa. Argumentou, ainda, que a penalidade prevista é exacerbada frente aos atos que lhe são imputados, requerendo, em caso de procedência da acusação, a aplicação da pena de multa (fls. 46 a 51).


Designada audiência de instrução, antes de sua realização, sobreveio manifestação do indiciado, ratificando as informações apresentadas na peça defensiva, afirmando não haver outros elementos a serem apresentados, pugnando, assim, pelo cancelamento da audiência (fl. 64).


Encerrada a instrução, foram os autos encaminhados ao Conselho da Magistratura, sendo distribuídos a este relator em 23.4.2018.


O representado apresentou alegações finais às fls. 74 e 75, vindo os autos conclusos.


É o relatório.




VOTO


1 Das condutas relacionadas na Portaria n. 35/17


1.1 Lavratura de escritura pública sem observâncias das prescrições legais e normativas


A equipe correicional constatou a lavratura de escrituras públicas de procuração sem a observância dos requisitos legais.


No primeiro caso (item 5154), a infração está materializada no documento de págs. 70-71 dos autos n. 0000691-24.2017.8.24.0600, do qual se extrai a outorga de poderes ao procurador para "vender a quem se propuser comprar, pelo preço e condições que ajustar, inclusive escriturar em seu próprio nome", o terreno rural individualizado na escritura.


Em sua defesa, o delegatário reportou-se à resposta apresentada ao relatório de correição, na qual disse que sempre tratou as procurações como "mandato" e não como um "contrato", razão pela qual julgou não ser necessária a estipulação de um preço mínimo. De qualquer forma, após a correição, passou a observar para tais atos os ditames do art. 489 do Código Civil (fl. 81 dos autos n. 0000691-24.2017.8.24.0600).


Em que pese a justificativa apresentada pelo representado, não se pode negar que as procurações ad negotia, ainda que permitam ao outorgado realizar negócio jurídico no seu próprio interesse, devem sujeitar-se às regras gerais dos negócios jurídicos.


O art. 117 do Código Civil estabelece que, "salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo".


No caso em tela, na procuração lavrada, os outorgantes conferiram ao outorgado poderes para "vender a quem se propuser comprar, pelo preço e condições que ajustar, inclusive escriturar em seu próprio nome" o imóvel rural descrito naquele documento.


Ora, ao prever tais prerrogativas, os representados anuíram que o outorgante celebrasse negócio consigo mesmo, atendendo ao permissivo do art. 117, supra.


Todavia, isso não desobrigava as partes e o delegatário de observar as demais regras atinentes aos negócios jurídicos, notadamente o art. 122 do Código Civil, verbis: "São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes" (grifou-se).


Disso resulta que a procuração contemplava cláusula contra legem, já que deixou ao alvedrio do outorgado o ajuste do preço e as condições para venda a terceiro ou aquisição por si próprio, situação que gera um desequilíbrio de forças entre os envolvidos no negócio jurídico, e, bem, por isso, não poderia ter sido lavrada pelo delegatário.


Irregularidade similar foi encontrada no documento juntado às págs. 72 e 73 dos autos de correição, em que se constatou a ausência de declaração da outorgante quanto a eventual união estável, ou outorga de poderes específicos à outorgada para fazer tal declaração em seu nome (item 5240), situação que malfere o art. 657 do Código Civil.


Sobre a falta apontada, o delegatário limitou-se à dizer em sua defesa que a omissão da formalidade essencial foi "mero descuido" e que não voltará a acontecer.


Não nega a ocorrência da infração e nem poderia, já que, do simples exame do documento juntado às fls. 72-73 dos autos n. 0000691-24.2017.8.24.0600, fica evidente a inexistência de declaração da outorgante quanto à ausência de vínculo de união estável, a exemplo do que constou em relação à outorgada.


Diante desses fatos, e não havendo justificativa plausível para a prática dos atos notariais em desacordo com a lei, fica evidente que o representado incorreu na infração prevista no art. 31, I, da Lei n. 8.935/94.


1.2 Não observância das normas gerais de organização dos livros da serventia


A manutenção da ordem dos livros da serventia é dever do delegatário, tal como previsto no art. 30, I, da Lei n. 8.395/94, dever este que foi descumprido pelo ora representado.


Conforme se extrai do relatório de correição, durante a inspeção constatou-se que o Livro de Notas n. 59 não continha índice alfabético organizado por nome de partes, tampouco indicação da data de realização do ato, o número do respectivo protocolo ou da folha correspondente, em flagrante afronta aos preceitos do art. 795 do CNCGJ, verbis:


Art. 795. Cada livro conterá índice alfabético, pelo nome das partes integrantes do ato, em que deverão ser indicados a data de sua realização e os números do protocolo e da folha.


Em sua defesa, o delegatário limitou-se a afirmar que já providenciou a adequação do livro, com impressão do índice faltante; não negou, no entanto, a ocorrência da irregularidade constatada pela equipe correicional.


Logo é inequívoco que o delegatário incorreu na infração prevista no art. 31, V, da Lei n. 8.935/94, sujeitando-se às penas legais.


1.3 Inobservância do prazo legal para comunicação à Junta Comercial acerca da lavratura de procuração que outorga poderes de administração


O art. 1.° do Provimento n. 42 do Conselho Nacional de Justiça estabelece:


Os Tabelionatos de Notas deverão, no prazo máximo de três dias contados da data da expedição do documento, encaminhar à respectiva Junta Comercial, para averbação junto aos atos constitutivos da empresa, cópia do instrumento de procuração outorgando poderes de administração, de gerência dos negócios, ou de movimentação de conta corrente vinculada de empresário individual, sociedade empresária ou...

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