Acórdão nº 2410121 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 04-11-2019

Data de Julgamento04 Novembro 2019
Número do processo0002480-35.2017.8.14.0051
Data de publicação18 Novembro 2019
Acordao Number2410121
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
Órgão1ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) - 0002480-35.2017.8.14.0051

PROCURADOR: ARILSON MIRANDA BATISTA, LAUDELINO HORACIO DA SILVA FILHO
APELANTE: MUNICÍPIO DE SANTARÉM

APELADO: VALDIR MATIAS AZEVEDO MARQUES JUNIOR

RELATOR(A): Desembargadora MARIA ELVINA GEMAQUE TAVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE NÃO CABIMENTO POR NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. REJEITADA. MÉRITO. PRETENSÃO DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. VEREADOR E AUDITOR FISCAL. AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL PRÉ-CONSTITUÍDA APTA A PROVAR DE MODO INCONTESTE A COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. SENTENÇA REFORMADA PARA DENEGAR A SEGURANÇA. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDOS E PROVIDOS. À UNANIMIDADE.

1-Preliminar de não cabimento por necessidade de exaurimento da via administrativa. Observa-se que a alegação do Apelante de não cabimento de mandado de segurança ante a possibilidade de recurso administrativo, não se sustenta, uma vez que se trata de mandado de segurança com nítida feição preventiva, sendo cediço que o mandado de segurança pode ser manejado para atacar ato ilegal ou abusivo, com prazo decadencial de 120 dias além de poder ser impetrado preventivamente, onde ainda não se instaura o termo a quo para a contagem do lapso, sendo apto a tutelar direito líquido e certo ante a ameaça concreta de que o ato ilegal ou abusivo será realizado, ambos com fundamento no art. 5º, XXXV, da CF/88 como bem observado pelo magistrado de primeira instância. Preliminar rejeitada.

2-Mérito. A questão em análise reside em verificar a existência de direito líquido e certo do Apelado ao exercício dos cargos de Vereador e de auditor-fiscal perante a Secretaria Municipal de Finanças de Santarém.

3-Depreende-se do art. 38, III, da Constituição Federal, que o servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, investido no mandato de vereador, somente poderá cumular o mandato eletivo com o cargo exercido se houver compatibilidade de horários entre ambos.

4-Em que pese o entendimento acima, observa-se que se trata de mandado de segurança, que se constitui em ação de natureza excepcional e constitucional posta à disposição de qualquer pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade pública ou investida de função pública. Disciplinado pela Lei 12.016/2009, afigura-se como instrumento cabível diante de ação ou omissão ilegal ou ilegítima dos prepostos da Administração Pública no exercício desta função, sendo considerado ação de rito sumário especial, que se traduz em espécie jurisdicional de controle dos atos administrativos.

5-Segundo o entendimento consolidado pelo STJ, para a demonstração do direito líquido e certo, é necessário que, no momento da impetração do mandamus, seja facilmente aferível a extensão do direito alegado e que este possa ser prontamente exercido.

6-Com efeito, a certeza e a liquidez são requisitos que dizem respeito ao fato jurídico de que decorre o direito, o qual deverá estar demonstrado por prova pré-constituída. Resulta dizer, que não se pode afirmar como certo a existência do direito se não há certeza quanto ao fato que lhe dá suporte. Precedente.

7-No presente caso, observa-se que a liquidez e a certeza não se encontram demonstrados de plano, diante da coincidência entre os horários de funcionamentos de ambas as funções que se pretende acumular, uma vez que o art. 91-A do Regimento Interno da Câmara Municipal de Santarém, estabelece que as sessões ordinárias da Câmara Municipal, realizar-se-ão no horário de 09 às 12 horas de segunda à quarta-feira, além de estabelecer que as quintas e sextas-feiras são destinadas à reuniões das Comissões Permanentes e Temporárias.

8-Por sua vez, consoante a Portaria nº 345/2015 SEMAD, de 03 de novembro de 2015 (Id nº 838580 Pág. 5 a 7), o horário de funcionamento dos Órgãos Municipais no âmbito do Município de Santarém é de segunda a sexta-feira, de 08:00 às 14:00, de forma que em uma primeira análise, não resta presente o direito líquido e certo defendido pelo Apelado, em que pese a presença de pareceres da lavra da chefia da Auditora Chefe da Divisão de Fiscalização do Município de Santarém (Id 838575 - Pág. 15), parecer este que claramente não fora acolhido, ante a notificação do Apelado para que exerça o direito de opção (Id 838575 - Pág. 7).

9-A própria folha de frequência (Id 838575 - Pág. 22), referente ao período de 01 a 31.01.2017, demonstra que em muitos dias o expediente do Apelado no serviço público do executivo municipal ocorre do período das 13 horas as 18 horas, demonstrando com isso jornada inferior às 06 horas diárias, e em outros dias das 08 horas as 14 horas, período este em que deveria haver o desempenho típico da atividade de vereador, não se mostrando a existência de compatibilidade de horário líquida e certa.

10-Com efeito, ante a não constatação do direito líquido e certo violado, por não restar evidenciado de modo inconteste a pretensa compatibilidade de horário entre o exercício do mandato eletivo de vereador, com o exercício do cargo de auditor-fiscal perante a Secretaria Municipal de Finanças de Santarém, impõe-se a reforma da sentença.

11- Apelo e Reexame Necessário conhecidos e providos, para indeferir a inicial e extinguir o feito sem resolução do mérito, ante a necessidade de dilação probatória. À unanimidade.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público, à unanimidade, em CONHECER E DAR PROVIMENTO à Apelação e ao Reexame Necessário, nos termos do voto da eminente Desembargadora Relatora.

39ª Sessão Ordinária – 1ª Turma de Direito Público, Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos 04 de novembro de 2019. Julgamento presidido pelo Exmo. Des. Roberto Gonçalves de Moura.

ELVINA GEMAQUE TAVEIRA

Desembargadora Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL e REEXAME NECESSÁRIO (processo nº 0002480-35.2017.8.14.0051-PJE) interposta pelo MUNICÍPIO DE SANTARÉM contra VALDIR MATIAS AZEVEDO MARQUES JUNIOR, diante da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Santarém-PA, nos autos do Mandado de Segurança impetrado pelo Apelado.


A sentença recorrida teve a seguinte conclusão (Id. 838582):

(...) Diante do exposto, considerando o que dos autos constam, MANTENHO A LIMINAR DEFERIDA E CONCEDO a segurança pleiteada, pelas razões acima expostas, declarando a nulidade da exigibilidade da opção para o impetrante entre os cargos de Vereador e Auditor- Fiscal da Receita Municipal de Santarém. Sem custas. Sem honorários advocatícios (artigo 25 da Lei 12.016/2009). Publique-se. Registre-se. Intime-se. Remessa ex officio. Expedientes necessários. (...)

Em razões recursais (Id. 838583), aduzindo em síntese, que a sentença abrirá precedentes desfavoráveis à ordem pública. Sustenta o não cabimento de mandado de segurança ante o cabimento de recurso administrativo, além da impossibilidade de dilação probatória em sede mandamental e não demonstração de plano do direito líquido e certo.

Sustenta impedimento legal para o exercício concomitante a dos cargos ante a incompatibilidade de horários, asseverando que o cargo de vereador, por força do art. 91-A do Regimento Interno da Câmara Municipal de Santarém, exige a participação obrigatória nas sessões ordinárias na Câmara Municipal, no horário regimental de 09:00 às 12:00 horas, que poderá se estender de acordo com a necessidade da pauta, além de outros compromissos mandamentais. Aduz que o horário previsto para o exercício do cargo de Auditor Fiscal é de 08:00 às 14:00 horas, o que, indubitavelmente, configura a aludida incompatibilidade de horários e causará prejuízos aos cofres públicos.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença.

Em contrarrazões (Id. 838585), o Apelado refuta as teses do Apelante e requer o não provimento do apelo.

Coube-me a relatoria do feito por distribuição.

Encaminhado os autos ao Órgão Ministerial (Id. 1244445), na qualidade de fiscal da ordem jurídica, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relato do essencial.

VOTO

Preliminarmente, observa-se que a alegação do Apelante de não cabimento de mandado de segurança ante a possibilidade de recurso administrativo, não se sustenta, uma vez que se trata de mandado de segurança com nítida feição preventiva, sendo cediço que o mandado de segurança pode ser manejado para atacar ato ilegal ou abusivo, com prazo decadencial de 120 dias além de poder ser impetrado preventivamente, onde ainda não se instaura o termo a quo para a contagem do lapso, sendo apto a tutelar direito líquido e certo ante a ameaça concreta de que o ato ilegal ou abusivo será realizado, ambos com fundamento no art. 5º, XXXV, da CF/88 como bem observado pelo magistrado de primeira instância, pelo que rejeita-se a preliminar.

A questão em análise reside em verificar a existência de direito líquido e certo do Apelado ao exercício dos cargos de Vereador e de auditor-fiscal perante a Secretaria Municipal de Finanças de Santarém.

Da análise dos autos, tem-se que a insurgência do Município Apelante fundamenta-se na incompatibilidade de horários, para o exercício concomitantemente os dois cargos públicos.

De início, registra-se que, via de regra, a Constituição Federal veda a acumulação de cargos públicos, porém excepciona a regra nas seguintes situações:

Art. 37.

(...)

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com...

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