Acórdão nº 2433754 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 04-11-2019

Data de Julgamento04 Novembro 2019
Número do processo0804117-73.2019.8.14.0000
Data de publicação12 Novembro 2019
Acordao Number2433754
Classe processualCÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO
Órgão1ª Turma de Direito Público

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - 0804117-73.2019.8.14.0000

AGRAVANTE: VALTER SANTOS DE MIRANDA

AGRAVADO: BANPARÁ

RELATOR(A): Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. VIOLAÇÃO À LIMITAÇÃO LEGAL DE 30%. INOCORRÊNCIA. DESCONTO EM CONTA CORRENTE. ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE POR PARTE DO BANCO CREDOR. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE.

1. A legislação que limita o desconto a 30% da remuneração do devedor diz respeito apenas aos empréstimos consignados em folha de pagamento, não sendo a referida norma aplicável aos descontos que incidem diretamente na conta corrente. Precedente do STJ no Resp. 1586910/SP.

2. Deve ser preservado o princípio da autonomia da vontade contratual manifestada pelo consumidor, quando este no exercício da capacidade contratual plena, assume dívidas.

3. Agravo conhecido e desprovido, à unanimidade.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


ACÓRDAM, os Exmos. Desembargadores que integram a Egrégia 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, EM CONHECER DO RECURSO, MAS NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do Voto da Relatora.


Belém(PA), 12 de novembro de 2019.



Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0804117-73.2019.8.14.0000, interposto por VALTER SANTOS DE MIRANDA, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais e pedido de tutela antecipada (Processo nº 0830777-11.2018.8.14.0301) proposta em desfavor do BANCO DO ESTADO DO PARÁ – BANPARÁ, em razão do inconformismo com decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito da 13ª Vara Cível e Empresarial da Capital, que indeferiu pedido liminar, nos seguintes termos:


“PROCESSO Nº:0830777-11.2018.8.14.0301

REQUERENTE: AUTOR: VALTER SANTOS DE MIRANDA

REQUERIDO: Nome: BANCO DO ESTADO DO PARA S A

Endereço: Avenida Presidente Vargas, 251, - até 379/380, Campina, BELéM - PA - CEP: 66010-000

1. DEFIRO A GRATUIDADE REQUERIDA, advertindo o autor do que dispõe o art. 98, § 3º, do CPC.

2. DA TUTELA DE URGÊNCIA

Cuida-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER c/c DANOS MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em que o autor afirma que contraiu empréstimos junto a instituição

financeira requerida, que está não está cumprindo com o percentual máximo de desconto sobre os rendimentos do requerente, no patamar de 30% (trinta por cento).

Aduz que referidos empréstimos são decorrentes de BANPARACARD, além de um consignado, sendo que este último, foi descontado pela última vez no contracheque de dezembro de 2016 e que, após, passou a ser descontado diretamente na conta corrente.

Afirma que tendo feito portabilidade para recebimento de seu salário junto à Caixa Econômica Federal, em 2018, no mês de março do referido ano apenas recebeu a quantia de R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais), após os descontos devidos.

Que os descontos realizados em sua conta corrente referentes à amortização de empréstimos bancários se tornaram demasiadamente onerosos, ultrapassando o percentual de 60% (sessenta por cento) de seu salário, deixando sua situação econômica extremamente prejudicada, caracterizando abuso e violação da dignidade da pessoa humana, bem como sua qualidade como consumidor.

Em razão do exposto requer, o deferimento da tutela de urgência para que o requerido limite os descontos totais, empréstimo consignado e BANPARACARD, no patamar máximo de 30% (trinta por cento) do salário disponível.

Pois bem.

Em que pesem as alegações do requerente quanto as suas dificuldades financeiras, não vislumbro a probabilidade do direito invocado que autorize este juízo a determinar a redução dos descontos em folha e na conta corrente do autor ao patamar de 30% (tinta por cento).

Inicialmente, destaco que o procedimento e regras estabelecidas para os empréstimos em conta corrente e para os consignados com desconto em folha de pagamento são distintos entre si, especialmente pela natureza da relação contratual.

Note-se que a limitação sobre o percentual em rendimentos aferidos em contracheque é destinada, especificamente, aos empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento.

Esse é o entendimento atual da 4ª Turma do STJ, no REsp 1.586-910-SP, que decidiu não ser possível fixar limite para os bancos descontarem as parcelas de empréstimos pessoais na conta corrente em que o cidadão recebe seus proventos. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÕES DE MÚTUO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO AO MERO DESCONTO EM CONTA-CORRENTE, SUPERVENIENTE AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO. INVIABILIDADE. DIRIGISMO CONTRATUAL, SEM SUPEDÂNEO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. A regra legal que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao financiador. O legislador ordinário concretiza, na relação privada, o respeito à dignidade humana, pois, com razoabilidade, limitam-se os descontos compulsórios que incidirão sobre verba alimentar, sem menosprezar a autonomia privada.

2. O contrato de conta corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, que traz praticidade e simplificação contábil, da qual dependem várias outras prestações do banco e mesmo o cumprimento de pagamento de obrigações contratuais diversas para com terceiros, que têm, nessa relação contratual, o meio de sua viabilização. A instituição financeira assume o papel de administradora dos recursos do cliente, registrando lançamentos de créditos e débitos conforme os recursos depositados, sacados ou transferidos de outra conta, pelo próprio correntista ou por terceiros.

3. Como característica do contrato, por questão de praticidade,

segurança e pelo desuso, a cada dia mais acentuado, do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o consumidor centraliza, na conta corrente, suas despesas pessoais, como, luz, v.g., água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, cheques, boletos variados e demais despesas com débito automático em conta.

4. Consta, na própria petição inicial, que a adesão ao contrato de conta corrente, em que o autor percebe sua remuneração, foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação - conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros - têm expressa previsão contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento de seus proventos, não caracterizando consignação em folha de pagamento.

5. Não há supedâneo legal e razoabilidade na adoção da mesma limitação, referente a empréstimo para desconto em folha, para a prestação do mútuo firmado com a instituição financeira administradora da conta corrente. Com efeito, no âmbito do direito comparado, não se extrai nenhuma experiência similar - os exemplos das legislações estrangeiras, costumeiramente invocados, buscam, por vezes, com medidas extrajudiciais, solução para o superendividamento ou sobreendividamento que, isonomicamente, envolvem todos os credores, propiciando, a médio ou longo prazo, a quitação do débito.

6. À míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento jurídico, para casos de superendividamento ou sobreendividamento - do qual podem lançar mão os próprios devedores -, que é o da insolvência civil.

7. A solução concebida pelas instâncias ordinárias, em vez de

solucionar o superendividamento, opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que leva à amortização negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor.

Ademais, uma vinculação perene do devedor à obrigação, como a que conduz as decisões das instâncias ordinárias, não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende a ter termo.

8. O art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere proteção ao ato jurídico perfeito, e, consoante os arts. 313 e 314 do CC, o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

9. A limitação imposta pela decisão recorrida é de difícil operacionalização, e resultaria, no comércio bancário e nas vendas a prazo, em encarecimento ou até mesmo restrição do crédito, sobretudo para aqueles que não conseguem comprovar a renda.

10. Recurso especial do réu provido, julgado prejudicado o do autor. (STJ - Resp: 1.586.910 SP 20160047238-7, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 29/08/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/10/2017)

Portanto, tendo havido a adesão espontânea do autor as regras contratuais do BanparaCard, ou seja, contrato livremente pactuado pelas partes, sem que tenha sido demonstrada a ilegalidade deste, não há que se falar em limitação ao percentual de 30% (trinta por cento).

Ademais, o autor não trouxe aos autos comprovação dos descontos realizados em sua conta corrente. Não há nos autos nenhum extrato contendo essa rubrica de descontos.

Indefiro, pois, o pedido de limitação ao percentual de 30% dos descontos havidos em conta corrente.

Nesse diapasão, também não ficou demonstrado quais são os valores que estão sendo descontados a título de empréstimo na para que se modalidade consignado, pudesse aferir se ultrapassam a limitação legal de 30% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos do demandante, ou mesmo se este valor está sendo descontado em conta corrente.

Indefiro, portanto, o pedido de limitação em 30% (trinta por cento) dos rendimentos do demandante, eis que os descontos não foram comprovados em juízo.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 294 e 300, do Código de Processo Civil, INDEFIRO os pedidos formulados em sede de tutela provisória antecipada.

Ressalto que a presente providência é...

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