Acórdão nº 2434104 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 04-11-2019

Data de Julgamento04 Novembro 2019
Número do processo0804047-90.2018.8.14.0000
Data de publicação12 Novembro 2019
Acordao Number2434104
Classe processualCÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO
Órgão1ª Turma de Direito Público

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - 0804047-90.2018.8.14.0000

AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL SA

AGRAVADO: JOSE TADEU SILVA LEAO DE SALES

RELATOR(A): Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO E DESCONTO EM CONTA CORRENTE ACIMA DE 30%. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE POR PARTE DO BANCO. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE. CANCELAMENTO DO ENUNCIADO 603 DA SÚMULA DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.

1. A legislação que limita o desconto a 30% da remuneração do devedor diz respeito apenas aos empréstimos consignados em folha de pagamento, não sendo a referida norma aplicável aos descontos que incidem diretamente na conta corrente.

2. Deve ser preservado o princípio da autonomia da vontade contratual manifestada pelo consumidor, quando este contrai dívidas no exercício da capacidade contratual plena.

3. Mostram-se legítimos os descontos em conta corrente, quando resta demonstrado que os gastos foram realizados de forma livre e consciente em conformidade com cláusula expressa e que não há limite de 30% a ser observado nos contratos com desconto em conta corrente.

4. “A Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, e cancelou a Súmula nº 603, com fulcro no artigo 125, § 2º e § 3º, do RISTJ, com manifestação favorável do Ministério Público Federal quanto ao cancelamento da referida Súmula.” REsp 1555722/SP.

5. Recurso conhecido e provido, nos termos do voto da relatora.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo de Instrumento nº 0804047-90.2018.8.14.0000.

ACORDAM os Exmos. Desembargadores que integram a Egrégia 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora.

Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto por BANCO DO BRASIL SA, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer proposta por JOSÉ TADEU SILVA LEÃO DE SALES, em razão do inconformismo com decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito da 8ª Vara Cível e Empresarial da Capital, que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência visando para determinar que tanto o empréstimo consignado em folha de pagamento quanto os empréstimos contraídos na modalidade do CDC sejam limitados a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do requerente, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), em caso de descumprimento. Na oportunidade, determinou ainda a abstenção de inscrição do nome do autor no cadastro de proteção de crédito.

Insurgem as razões de agravo (ID. 642955), que os contratos firmados entre as partes são indiscutivelmente válidos, posto que, segundo o princípio da autonomia da vontade, a pessoa tem liberdade de contratar ou não.

Sustenta que as taxas, termos, cláusulas e condições eram conhecidas pelo autor no momento da contratação, não devendo o banco ser penalizado pela sua desordem financeira.

Explicitando dispositivos dos Decretos nº. 64.470/2015 e nº. 61.750/2015, e da Medida Provisória n. 681/2015, pugna, caso mantida a decisão limitante aos descontos, seja fixada em 35%, majorada em mais 5% havendo dívida de cartão de crédito.

Por fim, questiona o valor da multa cominatória fixada, por se mostrar desarrazoada e sem limitação.

Inicialmente distribuídos os autos à relatoria da Desembargadora Maria do Céo Maciel Coutinho, em análise sumária restou indeferido o pedido de efeito suspensivo pleiteado. (ID. 655517)

Apresentadas contrarrazões (ID. 683316), o recorrido reiterou os argumentos levantados na inicial, refutando as razões recursais e requerendo o desprovimento do agravo interposto.

Após, os autos foram redistribuídos em razão da competência das Turmas de Direito Público deste Tribunal, cabendo a mim a relatoria do feito.

Por conseguinte, encaminhados os autos ao Ministério Público para exame e parecer, o parquet manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso a fim de que seja reformada a decisão de 1º grau em todos os seus termos, consequentemente, seja concedido o efeito suspensivo requerido no agravo (ID. 1844488).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Recebo o presente recurso por estarem preenchidos todos os seus requisitos de admissibilidade.

Urge salientar que, como cediço, em sede de agravo de instrumento, o julgamento deve ater-se ao acerto ou eventual desacerto da decisão prolatada em primeiro grau, abstraindo-se o quanto possível de se adentrar ao meritum causae discutido na demanda principal, cingindo-se, pois, à decisão vergastada.

Primeiramente, importante esclarecer que a relação jurídica existente entre a instituição financeira e a contratante caracteriza-se como de consumo, submetendo-se às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90, art. , § 2º), que conceitua:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. (...)

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Com base no dispositivo legal, sobreveio o Enunciado nº 297 da Súmula do STJ, o qual preceitua que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

O resultado da incidência da norma tutelar do consumidor é o exame com a flexibilização do princípio da obrigatoriedade dos termos contratados (pacta sunt servanda), que autoriza a desconsideração de cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada em relação ao fornecedor, por essa razão consideradas abusivas (CDC art. , inc. V, e art. 51, inc. IV).

No entanto, mesmo que o caso em tela se submeta à regência do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), sua aplicação deve ser feita com parcimônia, uma vez que o autor/agravante contraiu os empréstimos no exercício da sua capacidade contratual plena, bem como teve prévio conhecimento dos termos e descontos a serem efetuados tanto no contracheque como em sua conta corrente.

Neste tocante, cumpre distinguir o consignado em folha de pagamento daqueles cujas parcelas são autorizadas a serem descontadas em conta corrente.

A legislação que limita o desconto a 30% da remuneração do devedor diz respeito apenas aos empréstimos consignados, não sendo a referida norma aplicável aos descontos que incidem em conta corrente, os quais não estão limitados ao patamar de 30% dos rendimentos do mutuário.

Conforme entendimento da Corte Superior, não é possível impor às instituições financeiras aplicarem por analogia a limitação de 30% prevista para consignados com desconto em folha de pagamento (lei 10.820/03), uma vez que no empréstimo consignado, quando o desconto é direto na folha de pagamento, o consumidor obtém condições mais vantajosas em decorrência da maior segurança para o financiador, enquanto que no caso de empréstimo bancário normal, a instituição financeira faz uma análise do crédito com base no histórico do correntista, sem saber quais fontes o cidadão possa ter.

In casu, examinando o contracheque do autor/agravado (ID. 4319905 - Pág. 1 à 3, dos autos originais), verifica-se que a instituição financeira não ultrapassou o limite instituído de 30% do remuneração do recorrente, visto que o montante descontado a título de empréstimo consignado totaliza a quantia aproximada de R$ 1.689,22 (mil seiscentos e oitenta e nove reais e vinte e dois centavos), portanto, aquém do patamar legal.

Nessas circunstâncias, a priori não se verifica qualquer ilegalidade na conduta do banco agravante, não havendo como carrear à instituição financeira as consequências derivadas de eventual comprometimento da renda salarial do autor, devendo, por ora, ser observado o princípio da autonomia da vontade e da livre disponibilidade dos créditos havidos em conta bancária e do salário.

Ademais, embora não tenha sido expressamente suscitado no caso em apreço, acerca da retenção indevida de valores pelo credor, cabe salientar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1555722/SP, em 22/08/2018, cancelou o Enunciado nº 603 de sua súmula de jurisprudência, que assim dispunha:

“É vedado ao banco mutuante reter em qualquer extensão o salário, os vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo comum contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignada, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual.”

O verbete vinha incorrendo em incorreta interpretação pelos juízes e Tribunais do país, consoante claro esclarecimento do ministro Luis Felipe Salomão: Há órgãos julgadores que vem entendendo que o enunciado simplesmente veda todo e qualquer desconto realizado em conta corrente, mesmo em conta que não é salário, mesmo que exista prévia e atual autorização concedida pelo correntista, quando na verdade, a teleologia da súmula foi no sentido de evitar retenção, que é meio de apropriação indevida daqueles valores . Ou seja, o banco, para saldar uma dívida, cheque especial ou de contrato de mútuo, invade a conta corrente do seu cliente e se apropria de valores. [...]

Tal consideração, harmoniza e robustece a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da possibilidade de descontos em valores superiores a 30% dos salários dos mutuários, em se tratando de contratos com previsão expressa de desconto das parcelas em conta corrente:

RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÕES DE MÚTUO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO...

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