Acórdão nº 2500167 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 19-11-2019
Data de Julgamento | 19 Novembro 2019 |
Número do processo | 0005029-41.2018.8.14.1875 |
Data de publicação | 02 Dezembro 2019 |
Acordao Number | 2500167 |
Classe processual | CÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL |
Órgão | 2ª Turma de Direito Privado |
APELAÇÃO (198) - 0005029-41.2018.8.14.1875
APELANTE: RAIMUNDO DA FONSECA
APELADO: BANCO VOTORANTIM S.A.
RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. FRAUDE BANCÁRIA. EMENDA DA INICIAL DETERMINADA PARA A JUNTADA DOS EXTRATOS BANCÁRIOS COMPROVANDO O DEPÓSITO EM CONTA CORRENTE DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INÉRCIA DO AUTOR. PROVA DE FÁCIL PRODUÇÃO QUE NÃO JUSTIFICA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO À UNANIMIDADE.
1. A juntada de extrato bancário é prova de fácil produção.
2. Não havendo prova de resistência da instituição financeira em fornecer o extrato bancário, não há que se aplicar a inversão do ônus da prova.
3. Recurso de Apelação conhecido e desprovido, à unanimidade.
RELATÓRIO
PROCESSO: 0005029-41.2018.8.14.1875 (PJE)
SEC. ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO – 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: RAIMUNDO DA FONSECA
ADVOGADO: Diorgeo Diovanny Stival Mendes Da Rocha Lopes Da Silva
APELADA: BANCO VOTORANTIM S.A
ADVOGADO: não constituído.
RELATOR: Des. RICARDO FERREIRA NUNES
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por RAIMUNDO DA FONSECA em face da sentença proferida nos autos da Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização por Danos Morais, movida em face de BANCO VOTORANTIM, que tramitou no juízo da Vara Única da Comarca de São João de Pirábas.
Na exordial, a autora afirma que jamais celebrou qualquer empréstimo com a instituição Ré, contudo tomou conhecimento da abertura de empréstimos consignados em seu nome. Aduz que o empréstimo foi realizado indevidamente sob o número de contrato 231706268 no valor total de R$ 709,09 (cento e nove reais e nove centavos) a ser descontado em 58 (cinquenta e oito) parcelas de R$ 23,18 (vinte e três reais e dezoito centavos) por mês, já tendo sido descontadas 58 (cinquenta e oito) parcelas no total de 1344,44.
Afirma ser uma pessoa com pouca instrução, beneficiária do INSS, vindo a sofrer consequências gravíssimas em decorrência da fraude sofrida. Requer a declaração de inexistência da relação contratual, a repetição do indébito e indenização por danos morais.
Em decisão de ID 1919415 - Pág. 2, foi determinado pelo magistrado a quo a emenda do petitório inicial para que informasse se o valor do empréstimo fora depositado na conta do requerente e se o utilizou; em caso de não utilização do valor, que apresentasse extrato bancário de 30 dias anteriores e 30 dias posteriores ao deposito das parcelas.
Em resposta a decisão, a requerente solicitou a dispensa da emenda a inicial informando não haver necessidade de juntada de documento em razão de tratar-se de matéria consumerista e ter requerido a inversão do ônus da prova, não juntando qualquer documento solicitado pelo juízo.
Nestes termos, o juízo singular proferiu sentença, extinguindo o feito sem resolução do mérito, em razão da não emenda da inicial pelo autor da demanda. Transcrevo o decisum:
Em despacho proferido por este Juízo foi solicitado a(o) autor(a) que informasse se o valor do empréstimo(s) consignado objeto da ação fora depositado em sua conta bancária, bem como se utilizou-se de tal numerário e; em caso negativo, que apresentasse o extrato bancário do período compreendido entre os 30(trinta) dias anteriores e 30(trinta) dias posteriores ao desconto da primeira parcela do empréstimo.
0(A) requerente foi intimado(a) para suprir lacuna em seu pleito inicial, mas preferiu requerer a dispensa da emenda a inicial, sob os argumentos acima apresentados, que são incabíveis a situação em questão, haja vista que a emenda solicitada é essencial para o deslinde desta ação.
Em relação a alegação da não aplicação do princípio Venire Contra Factum Propium, há de ser ressaltado que se visa questionar nesta lide, a legalidade do contrato de empréstimo consignado celebrado entre as partes, não a existência deste. Portanto, existe o contrato e torna-se necessária a verificação da conduta dos contraentes, especialmente em comportamentos contraditórios, sendo necessária a constatação da existência ou não de depósito do valor do(s) contrato(s) na conta bancária do(a) autor(a)ichcomo se ele(a)como se ele(a) se ele(a) utilizou-se de tais recursos, para verificar a coerência de sua conduta, logo perfeitamente aplicável o princípio mencionado.
Quanto ao argumento de hipossuficiência para a produção de provas e o requerimento da inversão do ônus da prova, advirto que a aplicação da mesma, nos termos do art. 6°, VIII do CDC, não é automática, cabendo ao magistrado analisar as condições de verossimilhança da alegação e hipossuficiência, conforme o conjunto fático-probatório (STJ - AgRg no REsp: 1181447 PR - 2010/0031847-3, Dje: 22/05/2014). Deste modo, entendo que são essenciais os documentos requeridos pelo Juízo, sendo eles de fácil obtenção pelo(a) autor(a), não se enquadrando nas hipóteses que justificam a inversão do ônus da prova.
Vejamos jurisprudência acerca do tema:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. PEDIDO DE COMPROVAÇÃO DE NEGOCIO JURÍDICO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. A APRESENTAÇÃO DE EXTRATO BANCÁRIO É PROVA DE FACILITADA PRODUÇÃO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Pedido de Juntada nos autos principais, do extrato bancário do autor para comprovar o recebimento, ou não, do pagamento decorrente do negócio jurídico.2. A produção do extrato bancário é prova facilitada produção por parte do agravante não se enquadrando nas hipóteses que justificam a inversão do ônus da prova. 3. A medida tomada pelo magistrado a quo se mostra razoável e de acordo com o ordenamento jurídico, não merecendo, assim, qualquer reparação. 4. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. TJ-PI- AI: 0000232232320128180096 PI, Relator; Des. Fernando Carvalho Mendes, Data de Julgamento: 05/12/2017, 1" Câmara Especializada Cível).
Destarte, ante a inércia do(a) autor(a), devidamente intimado(a), para proceder a emenda a inicial, presume-se o seu desinteresse no prosseguimento do feito, ante o desatendimento da ordem judicial, razão pela qual se impõe a extinção do processo.
Pelo exposto, EXTINGO, sem resolução de mérito, o presente processo, com fulcro no parágrafo único do art. 321 e art. 485, I, ambos do CPC/15.
Sem condenação em custas processuais, ante a gratuidade deferida nos autos. Sem honorários advocatícios.
Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, alegando, desnecessidade de emenda à inicial, tendo em vista o pedido de inversão do ônus da prova, previsto no CDC (art. 6, inciso VIII), e a impossibilidade de extinção do feito sem resolução de mérito, entendendo que os documentos contidos nos autos são suficientes para a continuidade da demanda e não havendo qualquer contradição dos fatos narrados pela parte e seus atos processuais.
Não houve contrarrazões por ausência de triangulação processual.
Coube-me o feito por distribuição.
É o relato do necessário.
Inclua-se o presente feito na próxima sessão de julgamento do plenário virtual.
Belém, 04 de novembro de 2019.
Des. RICARDO FERREIRA NUNES
Relator
VOTO
1. Juízo de admissibilidade.
Verifico, inicialmente, que a recorrente satisfaz os pressupostos de cabimento do recurso, relativos à legitimidade, regularidade de representação, tempestividade, interesse recursal e preparo (dispensada por ser beneficiária da justiça gratuita), inexistindo fato impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer.
2. Das razões recursais.
Compulsando os autos, verifico que cinge-se a controvérsia acerca do acerto ou desacerto da sentença que julgando antecipadamente a lide, entendeu pela extinção do feito sem resolução do mérito, tendo em vista a parte autora não ter emendado a inicial, juntando cópias dos extratos bancários solicitadas pelo juízo monocrático de primeira instância.
Alega a apelante que o MM. Juízo a quo desconsiderou em absoluto o pedido de inversão do ônus da prova e que este é um direito do consumidor.
Apreciando os argumentos do apelante e a codificação do direito do consumidor, sobre inversão do ônus da prova, entendo não assistir razão ao apelo. Passo a explicar.
O artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, assim leciona:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
A aplicação dessa norma é possível quando há dificuldade de produção de determinada prova pela parte interessada, por ser ela hipossuficiente. Contudo, no caso dos autos, conforme destacou o magistrado, a juntada do extrato bancário da conta do requerente é prova de fácil produção; a menos que houvesse comprovação de imposição de resistência pelo banco em fornece-la.
O magistrado, ao solicitar uma prova simples, objetiva ter elementos básicos para o prosseguimento do feito a fim de demonstrando as condições básicas ao perfeito processamento do feito e afastar aventuras processuais.
A prova solicitada comprovaria minimamente a existência de nexo entre o fato e o direito solicitado, pois o extrato comprovaria que houve o deposito do dinheiro supostamente não contratado e que o mesmo não foi utilizado.
Assim, embora se reconheça que a produção da prova seja uma das prerrogativas processuais da parte, esse direito sofre temperamentos ao prudente arbítrio do magistrado, a quem incumbe a verificação de sua utilidade, por também lhe ser imposto o ofício de fiscalizar e disciplinar a marcha processual.
No mesmo sentido, trago os seguintes julgados:
EMENTA: TJPI APELAÇÃO CÍVEL AC 000021320.2016.8.18.0082 PI PROCESSUAL CIVIL....
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