Acórdão nº 2687211 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 03-02-2020

Data de Julgamento03 Fevereiro 2020
Número do processo0810980-45.2019.8.14.0000
Data de publicação04 Fevereiro 2020
Número Acordão2687211
Classe processualCRIMINAL - HABEAS CORPUS CRIMINAL
ÓrgãoSeção de Direito Penal

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) - 0810980-45.2019.8.14.0000

PACIENTE: ANTONIO GASPAR REIS E SILVA FILHO

AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO DE BELÉM

RELATOR(A): Desembargadora MARIA EDWIGES DE MIRANDA LOBATO

EMENTA

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR. ART. 157 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. REVOGAÇÃO OU REDUÇÃO DA FIANÇA. PROCEDENCIA. No caso em exame, a fiança arbitrada tem natureza liberatória, vez que fixada durante o controle jurisdicional imediato à prisão em flagrante, tendo a autoridade impetrada concedido a liberdade provisória ao paciente, condicionando, no entanto, sua soltura ao pagamento de fiança. Ocorre que, a imposição da fiança não deve viabilizar o alcance da liberdade do acusado. Contudo, levando-se em consideração a gravidade das consequências do crime contra si imputada, entendo por substituir a fiança por outras medidas cautelares adequada à espécie a serem aplicadas pelo juízo singular. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA

RELATÓRIO

Trata-se de HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR impetrado pela advogada THAMYRES MOTA GOMES em favor do BRUNO FERREIRA DE SOUZA, indicando como autoridade coatora o MM. JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ABAETETUBA.

Aduz a impetrante, que o paciente foi preso em flagrante no dia 09/12/2019, pela suposta prática do delito capitulado no artigo 157, caput, do Código Penal Brasileiro, encontrando-se recolhido na Central de Recuperação Regional de Abaetetuba-Pa.

Sustenta que a autoridade policial apresentou o auto de prisão em flagrante ao Juízo da Vara de Inquéritos, tendo o Magistrado arbitrado à fiança, no montante de 04 salários mínimos, valor de R$ 4.000,00, ocorre que o paciente informou ao juízo que não possui condições financeiras de pagar o referido valor, tendo requerido que fosse convertida em liberdade provisória sem fiança.

Diante disso, requer a concessão da ordem, com a revogação da fiança, ou que a referida fiança seja reduzida para o valor de R$ 998,00.

Distribuído o feito, coube a minha relatoria, pelo que indeferi o pedido liminar e requisitada as informações à autoridade apontada como coatora.

Em resposta, o Juízo da Comarca de Abaetetuba, informou, em síntese que, consta do inquérito policial que na data de 08/12/2019 o acusado abordou as vitimas e simulando ter uma arma de fogo subtraiu 02 (dois) aparelhos celulares, sendo um da marca SAMSUNG, modelo J5 PRIME, de cor dourada e outro SAMSUNG, modelo A30, de cor azul;

Após, no dia 10/12/2019, encaminhados os autos a este juízo, diante do preenchimento dos requisitos da prisão em flagrante, o auto foi homologado, sendo arbitrada fiança no valor de R$ 4.000,00.

Prossegue esclarecendo que em 05/12/2019, o causídico do autuado requereu a dispensa do pagamento da fiança arbitrada, alegando, para tanto, que o mesmo apresenta condição de hipossuficiência, não possuindo condições financeira de arcar com o valor arbitrado por este juízo, pelo que no dia 16/12/2019, este juízo indeferiu o pedido pois entendeu que o paciente não demonstrou de uma forma inconteste a impossibilidade de arcar com a fiança arbitrada por este juízo, vez que não juntou nos autos nenhum documento comprobatório de sua renda percebida ou sem modo de subsistência.

Em seguida, foram os autos encaminhados ao Ministério Público de 2º grau que apresentou manifestação de lavra do eminente Procurador de Justiça Luiz Cesar Tavares Bibas e pronunciou-se pela concessão da ordem de Habeas Corpus.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente reconheço presentes os requisitos de admissibilidade da presente ação mandamental, consequentemente, passo a apreciação do pedido.

Em um primeiro momento, reproduzo, para melhor exame da quaestio juris, a decisão que arbitrou a fiança, in verbis:

“Compulsando os autos verifico que preenchidos os pressupostos legais, pelo que HOMOLOGO a prisão em flagrante, eis que preenchidos os pressupostos legais da prisão em flagrante, nos termos do art. 302, inciso I do CPB.

Considerando a natureza do delito e que o autuado não possui antecedentes criminais, concedo liberdade provisória ao flagrado BRUNO FERREIRA DE SOUZA, mediante termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo e prestação de fiança no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

Certificado o pagamento, deverá o acusado ser posto imediatamente em liberdade.”

Nota-se que o paciente se encontra custodiado, em razão tão somente do não pagamento da fiança arbitrada, eis que o próprio magistrado singular concedeu ao paciente liberdade provisória e reconheceu que não possui antecedentes criminais.

Da análise dos autos, dispõe o art. 350 do CPP que: “nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso”.

O artigo 282 do mesmo Diploma Legal preceitua:

“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente”.

Nesse sentido, conforme se observa da impetração, o paciente não possui condições econômicas para arcar com o pagamento da fiança no valor arbitrado pelo juízo singular, não sendo assim razoável mantê-lo preso cautelarmente apenas em razão do não recolhimento, sobretudo, por alegar impossibilidade de fazê-lo, logo, não se pode aceitar, por ser medida desproporcional, que a fiança atue como condição resolutiva absoluta do direito subjetivo de liberdade, tendo em vista que condicionar o exercício de um direito de índole constitucional – direito de locomoção – ao recolhimento de quantum em pecúnia mostra-se incompatível com o valor normativo que o direito de liberdade possui.

Diante deste contexto, temos que a imposição da fiança não deve viabilizar o alcance da liberdade do paciente, contudo, levando-se em consideração a gravidade das consequências do crime contra si imputado, entendo por bem a substituição da fiança por outras medidas cautelares adequada à espécie a serem aplicadas pelo juízo singular.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRÉVIO WRIT. ÓBICE DA SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ANTERIOR WRIT JULGADO PELO TRIBUNAL ESTADUAL. PATENTE ILEGALIDADE. SUPERAÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA DEFERIDA. FIANÇA NÃO PAGA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. ILEGALIDADE. DISPOSIÇÃO DO ART. 350 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Conquanto tenha havido a superveniência do julgamento do mérito do prévio habeas corpus, eventual prejudicialidade do feito deve ser superada diante da patente ilegalidade encartada nos autos. 2. Com o advento da Lei n.º 12.403/11, externaram-se os comandos constitucionais que identificam na prisão provisória o caráter de ultima ratio. 3. In casu, existe manifesta ilegalidade pois o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, a teor do artigo 350 do Código de Processo Penal. 4. Trata-se de réu hipossuficiente, que permaneceu preso mesmo após o arbitramento da fiança, visto não lograr arcar com o montante estabelecido. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, ratificando a liminar outrora deferida, a fim de garantir a liberdade ao paciente, independentemente do pagamento de fiança, aplicando-se o disposto no artigo 350 do Código de Processo Penal, restando mantidas, inclusive, as medidas cautelares já determinadas pelo magistrado de primeiro grau.” (STJ - HC: 436666 MG 2018/0031013-7, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 17/05/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2018) (grifei).

EMENTA: HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO, COM PEDIDO LIMINAR. ART. 16 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. EXCLUSÃO DA FIANÇA ARBITRADA. PROCEDÊNCIA. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. Deve ser restituída a liberdade aos pacientes quando constatado que estes só se encontram custodiados cautelarmente, em face de não possuírem condições financeiras para honrar com uma das medidas cautelares diversas da prisão aplicada pelo juízo a quo, a saber, o pagamento da fiança. 2. Ordem concedida – ratificando a medida liminar anteriormente deferida - a fim de colocar os coactos em liberdade, sem a necessidade de efetuarem o pagamento da fiança, mantendo as demais medidas fixadas na decisão de 1º grau. Decisão unânime

(1813382, 1813382, Rel. MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE, Órgão Julgador Seção de Direito Penal, Julgado em 2019-06-03, Publicado em 2019-06-05).

Diante do exposto, em consonância com o parecer ministerial, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS IMPETRADA e determino a substituição a medida cautelar de fiança, disposta no artigo 319, inciso VIII, do Código de Processo Penal, por outras medidas cautelar a serem impostas pelo juízo a quo.

É voto.

Desa. Maria Edwiges de Miranda Lobato

Relatora

Belém, 04/02/2020

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