Acórdão nº 296216 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 04-12-2017

Data de Julgamento04 Dezembro 2017
Número do processo0801906-35.2017.8.14.0000
Data de publicação05 Dezembro 2017
Número Acordão296216
Classe processualCRIMINAL - HABEAS CORPUS CRIMINAL
ÓrgãoSeção de Direito Penal

HABEAS CORPUS (307) - 0801906-35.2017.8.14.0000

PACIENTE: D. S. A.

AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM

RELATOR(A): Desembargador RAIMUNDO HOLANDA REIS

EMENTA

EMENTA: Habeas Corpus. Menor infrator. Sentença. Internação. Recebimento da apelação no efeito suspensivo. Descabimento. Ausência de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Ordem Denegada. Unânime.

RELATÓRIO

KASSANDRA CAMPOS GOMES, Defensora Pública, impetrou Habeas Corpus Liberatório com Pedido de Liminar, em favor do menor D. S. A., figurando como coator o MM. Juízo de Direito da 2ª Vara do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Belém, sob o argumento básico de que, a MM. Juíza, ao sentenciar o adolescente no dia 24.08.2017, determinou, ilegalmente, a imediata execução de medida socioeducativa de internação, desrespeitando o disposto no artigo 520, caput, do CPC, ou seja, obrigou ao cumprimento da medida, antes do trânsito em julgado da sentença. Requereu ainda a cassação da sentença impugnada e o encaminhamento imediato do menor para Tratamento de Desdrogadição e inclusão do Paciente no PPCAAM (programa de proteção ao adolescente ameaçado).

Constam informações no ID 269392.

O pleito liminar foi indeferido no ID 271532.

E a Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento parcial do pedido, apenas no que tange à análise dos efeitos do recurso de apelação, e nessa parte pela denegação da ordem (ID 285856).

É o relatório.

VOTO

Consoante se infere das razões expostas no writ, objetiva a Impetrante atribuir efeito suspensivo à apelação interposta contra a sentença proferida em desfavor do Paciente, que lhe aplicou medida socioeducativa de internação; e cassar a sentença impugnada por entender ilegal a medida aplicada.

No que tange ao pedido de cassação da sentença que julgou procedente a representação ministerial e aplicou medida socioeducativa de internação ao menor, não conheço do pleito, pois trata-se de matéria adversa à competência do habeas corpus, e a defesa já manejou o recurso adequado para tal discussão.

No que diz respeito ao objeto principal do writ, a MMª. Juíza, ao prestar as informações de praxe, esclareceu que o Paciente praticou ato infracional análogo ao crime de tentativa de latrocínio, por ter no dia 17.06.2017, juntamente com terceiro não identificado, lesionado uma pessoa com golpes de arma branca após subtrair-lhe a mochila; ao tempo do decisum o Paciente não possuía outros atos infracionais, no entanto, confessou que já os praticou, não sendo a primeira vez a se envolver em ato análogo a crime; e que está em cumprimento da medida socioeducativa.

O presente caso amolda-se a outros feitos análogos, já decididos por essa Seção de Direito Penal, em que a ordem foi denegada por entender o Colegiado que é perfeitamente possível o cumprimento imediato da medida socioeducativa imposta na sentença, em decisão fundamentada.

In casu, também revela-se oportuna e necessária a reeducação e recuperação do representado, como meio inicial para retirá-lo do processo de marginalização em que se encontra, que merece ser interrompido, sob pena de mais um adolescente ter o mesmo destino de outros tantos infratores, mortos antes mesmo de chegar a idade adulta.

De fato, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor sobre os efeitos do recebimento do recurso, estipulou que, via de regra, a insurgência deve ser recebida apenas no efeito devolutivo, a teor do art. 198, VI, da Lei n. 8.069/90. O Estatuto ainda adotou o sistema recursal do Código de Processo Civil, ressalvadas as adaptações nele previstas (art. 198, caput, do ECA).

Com o advento da Lei n. 12.010/09, alterando e acrescentando diversos dispositivos ao ECA, principalmente o art. 8º da lei em comento, que revogou os incisos IV, V e VI do art. 198 do Estatuto, sem estipular nenhuma outra forma de tratar a matéria, não há mais regramento, no próprio ECA, relativamente aos efeitos nos quais o recurso deve ser recebido.

No entanto, a lacuna em evidência é de simples preenchimento, sendo suficiente uma interpretação sistemática da Lei n. 8.069/90 e do CPC para dirimi-la, devendo ser observado a ocorrência ou não do risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Nesse sentido:AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EFEITOS DA APELAÇÃO. RECEBIMENTO DO APELO NO EFEITO DEVOLUTIVO. APLICAÇÃO IMEDIATA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 215 DO ECA. I - "[...] A despeito de haver a Lei 12.010/2009 revogado o inciso VI do artigo 198 do referido Estatuto, que conferia apenas o efeito devolutivo ao recebimento dos recursos - e inobstante a nova redação conferida ao caput do art. 198 pela Lei n. 12.594/2012 - é importante ressaltar que continua a viger o disposto no artigo 215 do ECA, o qual prevê que "o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte". Ainda que referente a capítulo diverso, não há impedimento a que, supletivamente, se invoque tal dispositivo para entender que os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo, ao menos em relação aos recursos contra sentença que acolhe representação do Ministério Público e impõe medida socioeducativa ao adolescente infrator, sob pena de frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista. 6. Logo, condicionar, de forma peremptória, o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação - apenas porque não se encontrava o adolescente já segregado anteriormente à sentença - constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional. [...] 8. Ordem denegada" (HC n. 346.380/SP, Terceira Seção, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão, Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016, DJe de 13/5/2016). II - Ademais, no presente caso, ainda que os pacientes tenham permanecido toda a instrução em liberdade, o ato infracional que lhes foi imputado, decorreu-se mediante grave ameaça, à luz do dia, em concurso de agentes, com emprego de arma de fogo e mediante tentativa de fuga da viatura policial, não se subsumindo, portanto, o presente caso concreto, às hipóteses dos precedentes aludidos pelo impetrante. Agravo regimental a que se nega provimento.(STJ - AgRg no HC 376779/PR, Ministro FELIX FISCHER, DJ 22/08/2017).

In casu, não se vislumbra na decisão hostilizada perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, até porque a medida adotada, que terá o acompanhamento técnico e sociopedagógico especializado (artigos 121, § 2º e 123, parágrafo único, da Lei 8.069/90), visa tão-somente frear o envolvimento cada vez maior do menor com o mundo infracional, que deturpa seu comportamento, até porque não é o primeiro ato infracional cometido pelo Paciente, segundo ele mesmo confessou.

Além disso, o decisum hostilizado está bem fundamentado nos princípios da legislação menorista.

Também é bom que se diga que a Impetrante não deduziu qualquer tipo de risco de dano em sua inicial, quanto mais irreparável ou de difícil reparação, muito pelo contrário, pois suas razões, não condizem com os próprios objetivos pretendidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que, ao contrário, visa salvaguardar o menor, fornecendo-lhe condições de reeducar-se e ressocializar-se, sob a supervisão de pessoas aptas para tal, tentando afastá-lo do convívio com indivíduos perniciosos e da influência de um meio social nocivo ao qual está acostumado a ter em companhia, dando conta do envolvimento do Paciente com a seara infracional. Nesse sentido: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SENTENÇA SOCIOEDUCATIVA. APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEMILIBERDADE. APELAÇÃO. RECEBIDA APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte firmou o entendimento no sentido de que "os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo, ao menos em relação aos recursos contra sentença que acolhe representação do Ministério Público e impõe medida socioeducativa ao adolescente infrator, sob pena de frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista". (HC 346.380/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/04/2016, DJe 13/05/2016). 2. In casu, o recurso de apelação foi recebido apenas no efeito devolutivo, o que autoriza a execução imediata da medida de semiliberdade imposta na sentença socioeducativa. 3. Recurso a que se nega provimento.” (STJ - RHC 82971 / RJ, Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ 01/06/2017).

Portanto, descabido o pleito de manutenção do adolescente em liberdade até o trânsito em julgado do processo, pois o recurso de apelação interposto pela defesa, consoante acima explicitado, possui, em regra, apenas o efeito devolutivo, não sendo óbice ao imediato cumprimento da medida de internação imposta ao Paciente, principalmente quando já comprometido com o meio infracional.

Pelo exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria de Justiça, denega-se a ordem impetrada.

É o voto.

Este julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre.

Belém/PA, 4 de dezembro de 2017.

Belém, 05/12/2017

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