Acórdão nº 298097 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 04-12-2017

Data de Julgamento04 Dezembro 2017
Número do processo0801872-60.2017.8.14.0000
Data de publicação06 Dezembro 2017
Acordao Number298097
Classe processualCRIMINAL - HABEAS CORPUS CRIMINAL
ÓrgãoSeção de Direito Penal

HABEAS CORPUS (307) - 0801872-60.2017.8.14.0000

PACIENTE: MARCIA ARAUJO TEIXEIRA

AUTORIDADE COATORA: JUIZ DE DIREITO DA VARA UNICA DE LIMOEIRO DO AJURU

RELATOR(A): Desembargador MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE

EMENTA

EMENTA: HABEAS CORPUS SEM PEDIDO LIMINAR. CALÚNIA, DESACATO, DESOBEDIÊNCIA E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. PEDIDO DE DEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS PLEITEDAS APÓS O FIM DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PROCEDÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. DIREITO DO ADVOGADO DE FAZER CARGA DOS AUTOS. ART. 7º, XV, DO ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB C/C ART. 107, III, DO CPC/2015. EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. RAZOABILIDADE NA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA ANTE O CONTEXTO FÁTICO EM QUE OS DELITOS FORAM PRATICADOS. ORDEM CONHECIDA E PROVIDA. DECISÃO UNÂNIME.

1. No processo penal, diante da possibilidade do seu resultado provocar restrições à liberdade dos indivíduos - elencada como um dos direitos fundamentais de maior relevo na Carta Constitucional de 1988, bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos - os princípios do contraditório e da ampla defesa têm especial importância.

2. É de sabença geral que, enquanto as partes possuem tão somente o direito de consultar os autos em secretaria, o advogado – indispensável à administração da justiça - tem, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, autorização para fazer carga dos autos, nos termos do art. 7º, XV, do Estatuto da Advocacia e da OAB e art. 107, III, do CPC/2015, a fim de que, após realizar uma análise aprofundada do processo, exerça a sua atividade profissional com a qualidade exigida e esperada em um Estado Democrático de Direito.

3. Embora a paciente seja advogada, bem como tenha conseguido realizar carga dos autos, não está atuando em causa própria na ação penal, havendo defensor constituído para a sua defesa, motivo pelo qual não há como se endossar com a justificativa apresentada pelo magistrado para indeferir o pleito de dilação do prazo processual - inércia dos patronos da acusada, porquanto, após despacho do juízo a quo determinando que fosse especificado a mídia que deveria ser realizada a perícia, os advogados não tiveram acesso aos autos do feito originário.

4. É cabível o deferimento do pedido de perícia nas mídias coligadas aos autos, com fulcro no art. 402 do Código de Processo Penal e art. 8º, item 2, alínea “f”, do Pacto de San José da Costa Rica, ante a especial relevância que estas provas terão na análise do mérito da ação penal, sobretudo considerando que os delitos foram, em tese, cometidos no exercício da atividade da advocacia e em plena audiência judicial.

5. Ordem conhecida e provida, a fim de determinar que a autoridade coatora realize as diligências pugnadas pela defesa da paciente, resguardando, com isso, sobretudo os princípios do contraditório e da ampla defesa.

RELATÓRIO

RELATÓRIO

Trata-se da ordem de habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado pelos advogados Eduardo Imbiriba de Castro, Isaac Pereira Magalhães, Fernanda Lílian Sousa de Jesus e Marcos Venicius Lisboa Rodrigues Junior, em favor de Marcia Araújo Teixeira, que responde a ação penal perante o Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Limoeiro do Ajuru, em razão da prática dos delitos de calúnia, desobediência, desacato e denunciação caluniosa.

Inicialmente, os impetrantes esclarecem, em síntese, que:

a) a advogada Marcia Araujo Teixeira, ora coacta, foi denunciada, em razão de ter, supostamente, em audiência, caluniado e desacatado a magistrada Fernanda Azevedo Lucena e a auxiliar judiciária Ada Vasconcelos;

b) após os depoimentos das vítimas, testemunhas e interrogatório da denunciada, os autos foram conclusos ao juízo tido como coator, o qual exarou despacho intimando as partes a apresentarem as alegações finais;

c) a defesa da paciente, nos termos do art. 402 do CPP, solicitou diligências, a fim de que fosse realizada a “degravação do áudio acostado nos autos; averiguação da originalidade/autenticidade da mídia pela perícia e realização de perícia fonética”;

d) em seguida, a autoridade coatora exarou despacho, determinando a intimação da coacta para que no prazo de 05 dias indicasse em qual CD deveria ser realizada a perícia;

e) diante da necessidade de possuir cópia integral dos referidos autos, a defesa postulou a dilação do prazo, a fim de que houvesse tempo hábil para cumprir com a determinação judicial;

f) ao apreciar o pedido, o magistrado de 1º grau indeferiu o pedido de prorrogação, por entender que, além da defesa já ter tido acesso aos autos, não haveria a necessidade de se realizar as diligências supracitadas, uma vez que as mídias se encontram com boa qualidade.

Diante de tais fatos, pleiteiam os impetrantes a reforma da decisão combatida, a fim de que sejam efetivamente cumpridas as diligências requeridas pela defesa, sob o argumento de que “a denunciada do processo em epígrafe, ora paciente, por ser advogada, realizou a carga do processo, mas em momento algum apresentou aos seus patronos os referidos autos, ou seja, a Defesa não obteve meios para realização do aludido despacho, logo não houve inércia de forma alguma “.

Outrossim, acrescentam que a autoridade coatora assumiu atribuições inerentes ao cargo de perito, o que é vedado, restando caracterizado, dessa forma, verdadeiro cerceamento de defesa, em nítida afronta aos dispositivos legais vigentes.

O processo chegou em meu gabinete na data de 10.11.2017, oportunidade na qual, ante a inexistência de pedido liminar, requisitei informações à autoridade coatora e, após, determinei que fossem encaminhados ao Ministério Público de 2º grau para emissão de parecer.

Em cumprimento àquela determinação, o juízo impetrado prestou informações (ID Nº. 267693).

Por fim, o Procurador de Justiça Marcos Antônio Ferreira das Neves, manifestando-se na condição de custos legis, opina pelo conhecimento e denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

VOTO

A impetração cinge-se ao possível constrangimento decorrente do cerceamento de defesa, provocado pelo indeferimento das diligências pleiteadas, nos termos do art. 402 do Código de Processo Penal[1].

Adianto, de pronto, que a irresignação merece prosperar.

Conforme se depreende da análise detida dos autos, o cerne da questão centra-se em saber se o magistrado a quo agiu acertadamente quando indeferiu o pedido de dilação do prazo para indicação da mídia a ser periciada, sob o argumento de que a defesa, mesmo após ter acesso dos autos, manteve-se inerte.

Para melhor análise dos argumentos expendidos, faz-se indispensável transcrever trecho da decisão combatida, no ponto de interesse:

“Quanto a petição de fls. 326/327, passo à análise. Não há de prosperar o pleito da defesa, de prorrogação do prazo para que esclarecesse o seu pedido, vez que o processo foi despachado em 11/08/2017, tendo sido publicado em 17/08/2017 e, em 23/08/2017 (fls.325), sido retirado em cartório pela Denunciada, Dra. Márcia Araújo Teixeira. Assim, a defesa teve tempo suficiente para se deslocar até esta Comarca, se fosse o caso. Contudo, não há que se falar em dificuldade de acesso a esta Comarca, quando se verifica que a própria denunciada fez carga dos autos em 23/08/2017. Fato é que a defesa teve acesso aos autos, mas, quedou-se inerte. INDEFIRO O PEDIDO DE FLS. 326/327.

2. Outrossim, depreende-se que as mídias acostadas aos autos não precisam de degravação ou perícia, pois estão em qualidade audível, não havendo, doutra banda, nenhum indício de edição, corte ou manipulação. Deste modo, o requerimento de degravação, averiguação de originalidade/autenticidade e perícia fonética encontra-se desprovido de fundamento. Ademais, repise-se que as mídias estão nos autos à disposição das partes, sem nenhum cerceamento.” (grifei).

Da análise do decisum acima reproduzido, juntamente com as demais provas pré-constituídas no presente writ, constato que a autoridade coatora, após a realização do pleito de diligências pela defesa da ré, proferiu despacho, determinando que a acusada indicasse, no prazo de 05 dias, em qual CD pretendia que fosse realizada a perícia, o que, ao menos, implicitamente, leva-me a crer que o pedido, em um primeiro momento, foi deferido pelo juízo a quo.

No entanto, verifico que, posteriormente, o magistrado decidiu por indeferir o pedido de dilação do prazo concedido à defesa e, como consequência, indeferir as diligências pugnadas.

Posto isto, assinalo que, no caso, o argumento utilizado pela autoridade coatora não possui respaldo legal, contrariando mais diretamente, além dos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa[2], as regras que regem as garantias e os direitos estabelecidos à classe dos advogados.

É de sabença geral que, enquanto as partes possuem tão somente o direito de consultar os autos em secretaria, o advogado – indispensável à administração da justiça - possui, em respeito aos já citados princípios do contraditório e da ampla defesa, autorização para fazer carga dos autos, nos termos do art. 7º, XV, do Estatuto da Advocacia e da OAB[3] e art. 107, III, do CPC/2015[4], a fim de que, após realizar uma análise aprofundada do processo, exerça a sua atividade profissional com a qualidade exigida e esperada em um Estado Democrático de Direito.

Esse entendimento ora externado encontra guarida e proteção na extensa jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar, por todos, da seguinte ementa, a seguir transcrita:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - DESPACHO - INEXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CABIMENTO - ACESSO AOS AUTOS - VISTA FORA DE CARTÓRIO - PRERROGATIVA DO ADVOGADO - LEGITMIDADE - AUSÊNCIA DE SIGILO - GARANTIA DO ESTATUTO DA OAB E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - RECURSO PROVIDO. (...) 3. O artigo 7º, incisos XIII e XV,...

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