Acórdão nº 3152749 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 18-05-2020

Data de Julgamento18 Maio 2020
Número do processo0011313-42.2017.8.14.0051
Data de publicação09 Julho 2020
Número Acordão3152749
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão1ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0011313-42.2017.8.14.0051

APELANTE: MUNICIPIO DE SANTAREM, ESTADO DO PARA
REPRESENTANTE: MUNICIPIO DE SANTAREM

APELADO: MARIA DE NAZARE SOUSA DE FREITAS

RELATOR(A): Desembargadora ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA

EMENTA

1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO

PROCESSO N° 0011313-42.2017.8.14.0051

APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: ESTADO DO PARA

PROCURADOR: WENDEL NOBRE PITON BARRETO

APELANTE: MUNICIPIO DE SANTAREM

PROCURADOR: MATHEUS IAGO COUTINHO GOMES

APELADA: MARIA DE NAZARE SOUSA DE FREITAS

ADVOGADO: ROGÉRIO CORREA BORGES- OAB/PA 13.795

RELATORA: DESEMBARGADORA ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO APARELHO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. IRRELEVÂNCIA. ARGUIÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. AFASTADA. PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DE BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS.

I- Cinge-se a controvérsia recursal sobre o direito à saúde da sra. Maria De Nazaré Sousa De Freitas, idosa, portadora de doença neurológica crônica de caráter degenerativo e irreversível—CID G12-2 (esclerose lateral amiotrófica- ELA'), que necessita do fornecimento do aparelho BIPAP Synchrony II, face a sua restrição respiratória.

II- O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses entes tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à tratamento de problema de saúde. Precedentes do STF e STJ.

III- O direito à saúde se encontra dentro do Título de Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição Federal, deve ter implementação irrestrita e imediata (art. 5º, § 1º, CF/88[1]).

IV- O direito à saúde deve ser preservado prioritariamente pelos entes públicos, vez que não se trata apenas de fornecer medicamentos e atendimento aos pacientes, mas, também, de preservar a integridade física e moral do cidadão, a sua dignidade enquanto pessoa humana.

V- Questões de ordem orçamentária não podem se sobrepor às disposições constitucionais. Logo, a ausência de previsão orçamentária não retira do Judiciário a possibilidade de determinar a implementação de um direito fundamental, no caso, o direito à saúde.

VI- A Administração não demonstrou sua manifesta impossibilidade de prestar individualmente o tratamento requerido. Assim, a cláusula da reserva do possível não pode ser alegada para impor limites à eficácia e efetividade dos direitos humanos.

VII- Arguição de Impossibilidade de sequestro de verbas públicas. Afastada. O Superior Tribunal de Justiça manifestou entendimento sobre a possibilidade de bloqueio de verbas públicas para tratamento de saúde em caso de descumprimento da decisão judicial.

VIII- Recursos conhecidos e desprovidos.



RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA (RELATORA):

Trata-se de recursos de APELAÇÃO CIVEL interpostos pelo ESTADO DO PARÁ e MUNICÍPIO DE SANTARÉM em face da sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito 6° Vara Cível e Empresarial da Comarca de Santarém, que nos autos da Ação de Obrigação de Fazer, julgou procedente o pedido inicial.

Historiando os fatos, a ação suso mencionada foi ajuizada por Maria De Nazaré Sousa De Freitas, na qual narrou que é portadora de doença neurológica crônica de caráter degenerativo e irreversível—CID G12-2 (esclerose lateral amiotrófica- ELA'), que se caracteriza por degeneração dos neurônios motores da medula espinhal, do tronco cerebral e do cérebro, levando a atrofia e fraqueza muscular generalizada.

Contou sobre o avanço da doença que comprometeu principalmente seu aparelho respiratório. Destarte, frente ao quadro, foi indicado o uso de ar por meio de um ressuscitador manual e ventilação não invasiva por meio de ventilador mecânico, necessitando do aparelho BIPAP Synchrony II com urgência, face a sua restrição pulmonar grave. Assim, ajuizou a ação, na qual pleiteia o recebimento do referido aparelho.

O feito seguiu seu regular processamento até a prolação da sentença de id n° 2346253, que julgou procedente a ação, nos seguintes termos:

“Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido articulado, em desfavor do ESTADO DO PARÁ e MUNICÍPIO DE SANTARÉM, e confirmo a liminar deferida às fls. 28/29, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos seguintes termos:

a) Determino que os Requeridos continuem, de forma solidária, por meio dos órgãos responsáveis, fornecendo o aparelho respiratório BIPAP a autora, enquanto o seu uso se fizer necessário;

b) Condeno os réus em honorários advocatícios, de forma solidária, os quais fixo 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, §§ 2° e 3°, do CPC.

Inconformado, o ESTADO DO PARÁ interpôs recurso de apelação (id n° 2346254).

Em suas razões, pretende afastar o bloqueio de contas públicas, visto que foi realizado seu a oitiva prévia da Fazenda Pública, o que viola o contraditório.

Na sequência, aponta que os recursos são de todos e devem ser distribuídos de maneira a garantir uma equidade na realização dos objetivos estabelecidos constitucionalmente e, para tanto, foi previsto um arcabouço normativo regulamentando a utilização dos recursos orçamentários que deve ser observado pelo gestor Público na condução das políticas públicas.

Afirma que a canalização de recursos para situações individualizadas, independentemente do valor a ser destinado, fere o espírito das normas constitucionais, que é o de propiciar o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, previamente planejados de forma a satisfazer às necessidades da população.

Tece comentários sobre o princípio da reserva do possível, sobre os limites orçamentários, universalidade do atendimento, impossibilidade de intervenção do judiciário.

Na sequência, assevera que a decisão desconheceu a repartição de competência entre os entes federados, vez que a descentralização da gestão financeira dos recursos destinados aos serviços de saúde tem raízes constitucionais, art. 198 e Parágrafo Único da CF/88.

Assim, requer o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença combatida.

Às fls. 238 (id n° 2346255), o Município de Santarém peticionou nos autos, informando que desde deferimento da liminar, em julho de 2017, o Município forneceu o aparelho objeto da demanda à autora. No entanto, conta que o fornecimento só foi possível através de um contrato de locação, pois o aparelho não é disponibilizado pelo SUS.

No entanto, o contrato perdeu a vigência em 31/12/2018 e o locador não concordou com a renovação, de modo que requer que o Estado do Pará passe a fornecer o Aparelho BIPAP.

A apelada apresentou contrarrazões (id n° 2346256).

O MUNICÍPIO DE SANTARÉM interpôs recurso de apelação (id n° 2346257).

Em suas razões, assevera que não cabe ao Município o fornecimento do aparelho, pois é de alto custo, sem disponibilidade pelo SUS, de modo que cabe ao Estado do Pará o seu fornecimento.

Afirma que a portaria n° 648/GM de 28 de março de 2006, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, disciplinando no seu capítulo I, Item 2, dispõe que a competência da gestão da atenção básica fica a cargo dos Municípios e do Distrito Federal devido serem estes os sistemas locais de saúde.

Sendo assim, requer o conhecimento e provimento do recurso para que seja determinado a exclusão do Município da lide, cabendo ao Estado do Pará o fornecimento do aparelho.

A apelada apresentou contrarrazões (id n° 2346258).

Conforme certidão de id n° 2689525, os autos foram encaminhados ao Ministério Público, porém, decorreu o prazo legal sem qualquer manifestação.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. DESEMBARGADORA ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA (RELATORA):

Avaliados os pressupostos processuais, tenho-os como regularmente constituídos, bem como atinentes à constituição regular do feito até aqui, razão pela qual conheço dos recursos e passo a proferir o voto.

Cinge-se a controvérsia recursal sobre o direito à saúde da sra. Maria De Nazaré Sousa De Freitas, idosa, portadora de doença neurológica crônica de caráter degenerativo e irreversível—CID G12-2 (esclerose lateral amiotrófica- ELA'), que necessita do fornecimento do aparelho BIPAP Synchrony II, face a sua restrição respiratória.

APELAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ.

Conforme já mencionado, a apelada é portadora de doença neurológica crônica de caráter degenerativo e irreversível—CID G12-2 (esclerose lateral amiotrófica- ELA'.

Como é cediço, a Constituição da República de 1988 proclama, em seu artigo 6º,[1] a saúde como direito social. Por sua vez, o artigo 196, CF/88[2] preconiza que a saúde é direito de todos e constitui dever da Administração assegurá-la, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Tal direito deve ser garantido de pronto, no sentido de viabilizar o acesso universal dos cidadãos ao sistema público encarregado de prestar assistência médica e material em sua proteção, em todos os níveis da Federação, não cabendo ao Poder Público se esquivar de prestar os serviços de assistência, quanto mais em se tratando de pessoa carente de recursos para se tratar.

Acrescente-se, ainda, que o direito à saúde deve ser preservado, prioritariamente, pelos entes públicos, vez que não se trata, apenas, de fornecer medicamentos, tratamentos e atendimentos aos pacientes. Trata-se, mais, de preservar a integridade física e moral do cidadão, a sua dignidade enquanto pessoa humana.

A jurisprudência deste Egrégio Tribunal já é pacifica neste sentido, conforme ementas a seguir colacionadas:

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. TRATAMENTO DE SAÚDE. SATISFATIVIDADE DA MEDIDA LIMINAR. INOCORRÊNCIA. DIREITO A VIDA E A SAÚDE. DIREITOS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE PREVALECEM SOBRE QUALQUER INTERESSE....

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