Acórdão nº 320064 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 18-12-2017

Data de Julgamento18 Dezembro 2017
Número do processo0802104-72.2017.8.14.0000
Data de publicação19 Dezembro 2017
Acordao Number320064
Classe processualCRIMINAL - HABEAS CORPUS CRIMINAL
ÓrgãoSeção de Direito Penal

HABEAS CORPUS (307) - 0802104-72.2017.8.14.0000

PACIENTE: ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA

AUTORIDADE COATORA: JUIZ DO TRIBUNAL DO JURI DA COMARCA DE ANANINDEUA

RELATOR(A): Desembargador RONALDO MARQUES VALLE

EMENTA

HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. 1) AUSÊNCIA DE PROVA DA PARTICIPAÇÃO DO PACIENTE NA AÇÃO DELITIVA. INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO NA VIA ESTREITA DA AÇÃO MANDAMENTAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. 2) DECRETAÇÃO PREVENTIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. 3) NULIDADE DO AUTO DE RECONHECIMENTO. DESOBEDIÊNCIA AO ART. 226 DO CPP. IRRELEVÂNCIA.

1) A ausência de elementos próprios que tipificam o crime imputado ao paciente envolve revolvimento da matéria fático-probatória, o que é vedado na via estreita do mandamus. O trancamento de ação penal só é cabível se restar evidenciado, após simples análise dos autos, a flagrante atipicidade do fato criminoso atribuído ao réu ou inexistência de suporte fático apto amparar a acusação. Existindo, como na espécie, elementos probatórios mínimos indicativos da prática do ilícito descrito na denúncia e, não sendo possível atestar de plano a atipicidade da conduta atribuída à coacto, impossível concluir-se pela inexistência de justa causa para a persecução criminal

2) A decisão guerreada está satisfatoriamente fundamentada com fulcro no art. 312 do CPP, tendo o magistrado destacado a necessidade de acautelar a ordem pública, com alicerce na gravidade concreta do delito, não havendo que se falar em carência de fundamentação ou ausência dos requisitos da custódia preventiva. A liberdade, não se pode olvidar, é a regra em nosso ordenamento constitucional, somente sendo possível sua mitigação em hipóteses estritamente necessárias. Contudo, a prisão de natureza cautelar não conflita com a presunção de inocência, quando devidamente fundamentada pelo juiz a sua necessidade, como é o caso dos autos, bem como, por considerar, que as condições pessoais favoráveis são irrelevantes para a concessão da ordem quando estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva (Súmula nº 08, do TJE-PA).

3) A defesa arguiu a invalidade do ato de reconhecimento do acusado, realizado na fase policial, em virtude de desrespeito às regras do art. 226 do Código de Processo Penal. Contudo, a identificação positiva do acusado colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, na fase judicial, afasta qualquer hipótese de nulidade;

4) Deve-se, por último, prestar reverência ao Princípio da Confiança no Juiz da Causa, já que o Magistrado encontra-se mais próximo das partes, e, portanto, tem melhores condições de valorar a subsistência dos motivos que determinaram a constrição cautelar do paciente.

5) Ordem denegada. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos etc.

Acordam, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, componentes das Egrégias Câmaras Criminais Reunidas, à unanimidade, em DENEGAR A ORDEM, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Pará, aos dezoito dias de dezembro de 2017.

Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Holanda Reis.

RELATÓRIO

Trata-se da ordem de habeas corpus preventivo, com pedido de liminar, impetrado por advogado particular, em favor de ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA, com fulcro nos art. 5º, inciso LXVIII da CF e art. 647 e 648, I do CPP, contra decisão de lavra do MM. JUÍZO DE DIREITO DA VARA DO TRIBUNAL DO JURI DA COMARCA DE ANANINDEUA.

O impetrante informa que o paciente foi acusado de ter ceifado a vida da vítima Shellton de Vitor Gonçalves Côrrea, atentado contra a vida de Marta das Graças Côrrea e lesionado Francisco Luciano Carvalho de Sousa, no dia 07/09/2016, por volta das 09h:00min, no conjunto Heliolândia, no Bairro do Distrito Industrial, Ananindeua PA.

Alega, em síntese, que nos autos do inquérito que investiga o caso, foram colhidos depoimentos de 08 (oito) pessoas, porém somente uma delas reconhece o paciente como autor dos disparos. Destaca que o paciente nega a autoria do delito e que compareceu na Delegacia de Polícia para prestar os esclarecimentos necessários.

Por tais fatos, sustenta que foi oferecida denúncia em 20/03/2017, com fundamento unicamente na palavra da mãe da vítima, requerendo a decretação da preventiva do paciente.

Quando da resposta à acusação, ressalta que pleiteou a revogação da preventiva e o trancamento do feito, com base em cópia de DVD contendo entrevista realizada por uma emissora local onde a repórter fala ao perito do IML que a mãe da vítima disse que a motivação do crime seria porque teriam jogado uma bomba em cima da casa de Shelltone, que ele teria feito uma reclamação, mas o paciente não tinha envolvimento com o crime, o que foi confirmado pelo perito entrevistado.

Destaca as condições pessoais favoráveis do paciente, pleiteando a concessão de medida liminar para decretação da nulidade do decreto preventivo, para o paciente responder ao processo em liberdade, devendo, ao final, ser concedida em definitivo a revogação da preventiva, com consequente trancamento da ação penal pela ilegalidade da prova indiciária.

O feito foi distribuído à minha relatoria, oportunidade em que determinei indeferi a liminar, determinei a requisição de informações à autoridade coatora e, após, que os autos fossem remetidos ao exame e parecer do custos legis.

O magistrado a quo informou que:

a) SÍNTESE DOS FATOS DA ACUSAÇÃO: Narra à denúncia que na manhã do dia 07/09/2016, em frente a uma oficina de bicicletas, na Segunda Rua Urbana esquina com a Rua D, no Conjunto Heliolândia, Baia Rua 03 de Maio, no Bairro Distrito Industrial, neste município, o paciente, fazendo uso de arma de fogo e, em companhia de terceira pessoa não identificada, conhecido como Léo, ceifaram a vida de Shellton Vitor Gonçalves Corrêa, atentou contra a vítima Marta das Graças Gonçalves e, ainda, lesionou a vítima Francisco Luciano Carvalho de Sousa. Conta ainda da denúncia que o crime ocorreu em razão da vítima ter realizado a comercialização de uma motocicleta ao denunciado, tendo aquela reclamado das constantes multas que chegavam, diante da não realização da transferência formal. A genitora da vítima, Sra. Marta, a qual figura também como vítima, reconheceu o paciente como autor dos disparos (...)

b) EXPOSIÇÃO DA CAUSA ENSEJADORA DA PRISÃO:

A prisão do paciente foi determinada, por haver, este juízo, reconhecido a presença dos requisitos necessários à custódia cautelar, notadamente a garantia da ordem pública, bem como a conveniência da instrução criminal.

(...)

d) FASE EM QUE SE ENCONTRA O PROCESSO:

o processo está aguardando audiência de instrução e julgamento, a qual está agendada para o dia 06/08/2018, diante da ausência de cumprimento do mandado de prisão (...)

O feito foi encaminhado ao custos legis, sendo distribuído ao Procurador de Justiça FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA que, se manifestou pela denegação da ordem, vindo-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos condicionantes da admissibilidade da ação, conheço da pretensão.

1. AUSÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA E TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

Reverbera que o paciente está sendo acusado por uma única pessoa e, apenas a mãe da vítima o reconhece como autor do delito, destacando que a referida testemunha já entrou em contradição várias vezes, violando o princípio da presunção de inocência.

Quanto a referida ausência de elementos próprios que tipificam o crime imputado ao paciente, verifico que tal questão perpassa pela análise pormenorizada dos fatos ocorridos, ensejando revolvimento de provas incompatível com o rito sumário do mandamus. Nesse viés, a apreciação do arcabouço probatório deve ser procedida no processo de origem, no qual as partes terão ampla produção probatória sob o crivo do contraditório, conforme entendimento jurisprudencial sobre o tema:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA COM 10 ANOS DE IDADE. NEGATIVA DE AUTORIA. MATÉRIA NÃO APRECIÁVEL NO ÂMBITO DE HABEAS CORPUS POR DEMANDAR EXAME DE MATERIAL FÁTICO-PROBATÓRIO. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. DECISÃO QUE A DECRETOU SATISFATORIAMENTE FUNDAMENTADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. INSUFICIENTES, POR SI SÓ, PARA GARANTIR A LIBERDADE DO PACIENTE.

A verificação acerca da negativa de autoria exigiria reexame de material fático-probatório, medida imprópria no âmbito restrito do habeas corpus. Precedentes do STJ. 2. A indicação de elementos concretos, no tocante à necessidade de garantia da ordem pública em razão da periculosidade do acusado e da gravidade concreta de suas condutas, constitui motivação satisfatória à manutenção da custódia cautelar que, por óbvio, não caracteriza coação ilegal. 3. Ante a justificada necessidade de manutenção da prisão preventiva, as condições pessoais favoráveis alegadas na inicial do habeas corpus deixam de ser elementos suficientes a justificar, por si só, a liberdade do paciente. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada. (HC 158919/RO, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador Convocado do TJ/RS, Sexta Turma, DJe 15/06/2011).

Quanto ao trancamento da ação penal, destaco que tal pleito somente é possível quando restar evidenciado, após simples análise dos autos, a flagrante atipicidade do fato criminoso atribuído ao réu ou inexistência de suporte fático apto amparar a acusação ou, ainda, ocorrer qualquer hipótese de extinção da punibilidade.

A denúncia se trata de peça técnica, na qual o Representante do Ministério Público atribui a uma pessoa a responsabilidade penal por determinado fato.

Seus requisitos exigidos no art. 41 do CPP são: a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Assim, o intento de trancamento de ação penal somente é...

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