Acórdão nº 3401776 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Público, 13-07-2020

Data de Julgamento13 Julho 2020
Número do processo0009725-07.2018.8.14.0005
Data de publicação04 Agosto 2020
Acordao Number3401776
Classe processualCÍVEL - AÇÃO RESCISÓRIA
ÓrgãoSeção de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0009725-07.2018.8.14.0005

APELANTE: ANTULIO VALTER SALDANHA, ANA FLAVIA FERREIRA CASTRO

APELADO: CAMILA DA SILVA FERREIRA, PARA MINISTERIO PUBLICO

RELATOR(A): Desembargador ROBERTO GONÇALVES DE MOURA

EMENTA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE ADOÇÃO C/C PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA E URGÊNCIA. REQUISITOS PESSOAIS E FORMAIS DA ADOÇÃO – ARTIGO 39 DA LEI Nº 8.069/90 – COMPROVADOS. INFANTE SEM PATERNIDADE REGISTRAL. DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA DA GENITORA CONCERNENTE À ADOÇÃO PRETENDIDA. MEDIDA QUE SE MOSTRA SUFICIENTE PARA ATENDER À EXIGÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 45 DO ECA. INTELIGÊNCIA DE ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO E CADASTRO NACIONAL DE PRETENDENTES À ADOÇÃO. A REGRA DISPOSTA NO ARTIGO 50 DO ECA (PREFERÊNCIA DAS PESSOAS CRONOLOGICAMENTE CADASTRADAS PARA ADOTAR) NÃO É ABSOLUTA. QUESTÃO RELATIVIZADA QUANDO O ADOTANTE E O ADOTANDO NÃO ESTIVEREM INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO E NO CADASTRO NACIONAL DE PRETENDENTES À ADOÇÃO. OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. DECISÃO UNÂNIME.


ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, conhecer o recurso de apelação cível e lhe dar provimento, tudo nos termos do voto do Desembargador Relator.

Plenário Virtual da Primeira Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no período de treze a vinte dias do mês de julho de dois mil e vinte.

Turma Julgadora Desembargadores Ezilda Pastana Mutran (Presidente), Roberto Gonçalves de Moura (Relator) e Maria Elvina Gemaque Taveira (Membro).

Belém/PA, 20 de julho de 2020.

Desembargador ROBERTO GONÇALVES DE MOURA

Relator

RELATÓRIO

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE MOURA (RELATOR):

Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por ANTÚLIO VALTER SALDANHA e ANA FLÁVIA FERREIRA CASTRO visando a reforma da decisão proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Altamira que, nos autos da AÇÃO DE ADOÇÃO C/C PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA E URGÊNCIA, proc.0009725-07.2018.8.14.0005, ajuizada em desfavor de CAMILA DA SILVA FERREIRA, em prol da criança JCS, julgou improcedente o pedido.

Na origem, tem-se que a inicial (Id. 2351384 – págs. 2/8) historia que os requerentes pretendem, em caráter liminar, a adoção do menor JUAN CASTRO SALDANHA, nascido em 15 de julho de 2018, filho biológico de Camila da Silva Ferreira e pai desconhecido, atualmente com 3 (três) dias de idade.

Aduzem que a mãe biológica já possui outros seis filhos, dos quais um morreu afogado quando morava com ela, estando os demais filhos morando com o pai.

Em seguida, expõem que as condições financeiras da mãe de Juan são precárias, estando desempregada e mora de favor na casa de uma amiga, sendo que referida casa não oferece a mínima condição de moradia digna à criança, além de que a Sra. Camila, mãe biológica do adotando, anuiu expressamente ao presente pedido, tendo firmado declaração anexa em id. 2351384 - pág. 9.

Falam os adotantes requerentes que contam com todas as condições morais e materiais para levarem a bom termo a criação e educação do menor adotando.

Diante do exposto, requereram o julgamento procedente do pedido, para o efeito de deferir a adoção reivindicada.

Remessa dos autos ao Ministério Público para manifestação (Id. 2351388 – pág. 8), que em parecer sob o Id. 2351390 – pág. 1 manifestou-se no sentido da impossibilidade jurídica da “adoção intuitu personae”. Todavia, em réplica, os requerentes (Id. 2351391 – págs. 1/9) defendem que o referido tipo de adoção, com anuência expressa da mãe, não é ilegal.

O juízo a quo, em despacho sob o Id. 2351391 – pág. 10, designou audiência para oitiva das partes para o dia 23/08/2018, às 11h30min, além de determinar de ofício o comparecimento pessoal ao ato do Conselho Tutelar e ao ECOM.

Conforme Termo de Audiência constante no Id. 2351392 – págs. 1 e 2 foi ouvida a mãe biológica, além dos requerentes. Em deliberação, foi determinada a realização de relatório social do caso.

Por meio da petição consignada no Id. 2351394 – págs. 1/5, os autores requereram a concessão da guarda provisória do menor em razão de ter sido a criança diagnosticada com a deficiência descrita como G6PD (CID-D55).

Relatório do Setor Psicossocial e Pedagógico informa a inexistência de inscrição em cadastro de adoção dos requerentes, bem como a inexistência de vínculos familiares ou de afinidade entre eles e a mãe biológica ou com a criança (até porque se trata de recém-nascido) (Id. 2351396 – págs. 1/4).

O juízo a quo indeferiu os pedidos de visitação e guarda provisória, tendo em vista a ausência de instrução em cadastros de adoção ou vínculos com a criança ou sua família (Id. 2351396 – págs 5/7).

Na petição constante do Id. 2351399 – págs. 1/2, os autores requereram o deferimento da juntada do atestado de saúde mental da segunda autora.

A representante do Ministério Público Estadual se manifestou sob o Id. 2351402 – págs. 1/3).

Em seguida, o magistrado de origem proferiu sentença (Id. 2351403 – págs. 1/4), cuja parte dispositiva encontra-se assim vazada:

““(...)

ISTO POSTO, julgo improcedente o pedido de adoção, ao tempo em que ratifico a decisão que indeferiu o pedido de concessão de guarda provisória e de visitação, resolvendo o mérito da querela por sentença, nos termos do art. 487, I, do CPC.

(...)”.”

Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso de apelação (Id. 2351406 – págs. 1/11), alegando que o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) não é a única forma de adotar uma criança no Brasil, sendo plenamente possível a adoção dirigida (intuitu personae ou com autorização expressa da mãe biológica), que não é ilegal, já que não existe qualquer norma constitucional ou infraconstitucional que proíba expressamente tal pretensão, ressaltando, ainda, que há respaldo no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, nos arts. 45, caput e 166, tendo sido observado, desta forma, o princípio do melhor interesse da criança.

Falam os apelantes que a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluto, sendo possível exceção a essa regra na hipótese de existir autorização expressa da mãe biológica anuindo com o pedido judicial da guarda do filho por adotantes.

Falam ainda que o desejo da mãe nunca foi entregar o filho para adoção tradicional a pessoas desconhecidas, mas apenas aos recorrentes, que possuem com ela relações de afinidade e afetividade.

Citam escólios jurisprudenciais que entendem favoráveis à tese exposta.

Afirmam que a guarda dirigida é a medida cabível para atender a situações peculiares de acordo com o que prevê o § 2º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/09, e que tais situações estão bem descritas no laudo médico da Dra. Adriana B. Cervantes, segundo o qual o menor é portador da deficiência em G6PD, necessitando de acompanhamento especializado, assim como de cuidados especiais com relação ao uso de medicações e alimentos específicos.

Por fim, os apelantes juntam comprovante emitido pelo Juizado da Infância e da Juventude, Divisão Psicossocial da Comarca de Goiânia/GO, no intuito de demonstrar estarem habilitados para a adoção, e que, até o dia 29 de fevereiro de 2019, já estariam inscritos no Cadastro Nacional de Adoção - CNA.

Pugnaram, ao final, pelo conhecimento e provimento do recurso, no sentindo de reformar a r. sentença.

O Ministério Público Estadual apresentou contrarrazões (Id. 2351408 – págs. 1/4), onde sustentou, em síntese, que os requerentes não constam na lista de Cadastro Nacional e a criança não conviveu com o casal.

A representante do Ministério Público, aduz ainda que será realizada audiência na tentativa de entregar o menor aos avós maternos.

Por fim, rebate a alegação de doença da criança, eis que esta fora acompanhada pelo sistema de saúde municipal e se encontra bem no abrigo municipal de Altamira/PA.

Diz que, ao contrário do que insinuam os apelantes, a sentença não possui erros, tampouco não reclama reparos.

Devidamente intimada (Id. 2351408 – pág. 5), a mãe biológica do infante não apresentou resposta ao recurso de apelação interposto, conforme certificado no id. 2351412 – pág. 2.

Distribuídos os autos à minha relatoria, recebi o recurso no duplo efeito (Id. 2354202 – pág. 1) e o encaminhei ao Ministério Público com assento neste grau que, em pronunciamento constante no Id. 2504743 – págs. 1/10, opinou pelo conhecimento do recurso interposto e, no mérito, pelo seu provimento, para reformar a r. sentença no sentido de permitir a adoção do menor pelos apelantes.

VOTO

VOTO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE MOURA (RELATOR):

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço a apelação e passo à sua análise meritória.

Os autores ajuizaram a presente ação com fins de adoção do menor JUAN CASTRO SALDANHA.

A decisão recorrida entendeu que a nova Lei 12.010/2009 instituiu a obrigatoriedade dos pretensos adotantes figurarem num Cadastro Nacional mediante prévio processo de habilitação (arts. 50, 197-A e seguintes do ECA), excepcionando o deferimento de adoção a pretendentes não cadastrados somente quando: I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou do 238 do ECA.

Prima facie, conforme dispõe artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao...

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