Acórdão nº 3818654 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 05-10-2020

Data de Julgamento05 Outubro 2020
Número do processo0101072-77.2016.8.14.0301
Data de publicação06 Novembro 2020
Número Acordão3818654
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão1ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0101072-77.2016.8.14.0301

APELANTE: MAYARA ENEIDA MELO SILVA
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARA

APELADO: ESTADO DO PARA
REPRESENTANTE: ESTADO DO PARA

RELATOR(A): Desembargadora MARIA ELVINA GEMAQUE TAVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE ATOS DE PROCESSO QUE TRAMITOU SEM SEGREDO DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. APELANTE QUE SOMENTE REQUEREU A ATRIBUIÇÃO DE SEGREDO DE JUSTIÇA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO. DEMANDA QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES DE AUTOMÁTICA ATRIBUIÇÃO DE SEGREDO DE JUSTIÇA PREVISTAS NO ART. 189 DO CPC/15. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO À UNANIMIDADE.

1. A questão em análise reside em verificar se a Apelante possui direito à indenização por danos morais em decorrência da alegada exposição indevida de sua intimidade em razão da tramitação do processo sem segredo de justiça.

2. Para caracterização do dever de indenizar, faz-se necessária a comprovação do ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano, elementos da responsabilidade civil. Em se tratando de ente estatal tem-se que a responsabilidade é objetiva, sendo prescindível a comprovação de culpa, ante a presença do dever específico conforme previsto no art. 37, § 6º da CF/88.

3. O nexo causal é elemento que interliga a conduta ao resultado, constituindo-se em elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil, seja o sistema subjetivo (da culpa) ou objetivo (do risco), salvo em circunstâncias especialíssimas, não haverá responsabilidade sem nexo causal. Tratando-se do liame que une a conduta do agente ao dano.

4. A regra é a publicidade dos atos processuais e a ação movida pela Recorrente, não se encontra nas hipóteses legalmente previstas no art. 189 do CPC/15, que demandam a automática imposição de segredo de justiça.

5. O requerimento para a tramitação do processo em segredo de justiça ocorreu somente após o trânsito em julgado da ação de medidas protetivas e, tão logo recebido, o pedido foi atendido pelo juízo em que tramitou o processo.

6. Recurso conhecido e desprovido à unanimidade.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público, à unanimidade, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do voto da eminente Desembargadora Relatora.

Julgamento ocorrido na 30ª Sessão Ordinária do Plenário Virtual da 1ª Turma de Direito Público, Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no período de 05 a 13 de outubro de 2020.

ELVINA GEMAQUE TAVEIRA

Desembargadora Relatora

RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível (processo nº 0101072-77.2016.8.14.0301 - PJE) interposta por MAYARA ENEIDA MELO SILVA contra ESTADO DO PARÁ, em razão da sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização Por Danos Morais ajuizada pela Apelante.

Na petição inicial (Num. 1054457 - Pág. 3/15) a Autora aduziu, em síntese, que moveu ação contra seu companheiro na 2ª Vara de violência doméstica, processo nº 0023713-13.2014.814.0301, no qual, apesar dos pedidos realizados pelo Ministério Público, não houve tramitação em segredo de justiça, causando constrangimentos à requerente, que teve sua relação familiar exposta.

Requereu, em sede de tutela de urgência, que o réu faça tramitar em segredo de justiça o processo nº 0023713-13.2014.814.030, bem como retire o nome da autora dos sites de busca e consulta processual, garantindo a preservação da sua intimidade. No mérito, pugnou pela condenação do Estado do Pará ao pagamento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) a título de danos morais.

Após o transcurso do trâmite processual, o Juízo de origem proferiu sentença com a parte dispositiva nos seguintes termos:

(...) Posto isto, com fundamento no art. 487, I, do Novo Código de Processo Civil, INDEFIRO OS PEDIDOS CONTIDOS NA INICIAL, por via de consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇO DO MÉRITO, nos termos da fundamentação alhures.

Custas e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, do CPC, que serão suportados pela parte autora. Entretanto, em razão do mesmo ser beneficiário da justiça gratuita, suspende-se a cobrança de custas e honorários, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 12 da Lei 1060/50.

Decorridos os prazos legais, certifique-se o trânsito em julgado, arquivando-se oportunamente (...)

Em razões recursais (Num. 1054467 - Pág. 1/8) a Apelante sustenta que, diante da responsabilidade objetiva do Apelado, restou demonstrado o dever de indenizar, pois o Ente estatal por meio de órgãos oficiais, tornou pública a tramitação do processo que envolve questões de intimidade relacionadas a assuntos de cunho familiar, violando direitos fundamentais, dentre estes a proteção da dignidade da pessoa humana.

Afirma que o rol previsto na legislação que autoriza a tramitação em segredo de justiça não é taxativo, sendo autorizada a adoção e tal medida quando houver a necessidade de defesa da intimidade, tal como ocorre no caso em análise, que envolve a concessão e medidas protetivas.

Por fim, requer o provimento do recurso com a condenação do Estado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

O Apelado apresentou contrarrazões refutando a pretensão da Apelante e requerendo o desprovimento do recurso.

Coube-me a relatoria do feito por distribuição.

A Apelação foi recebida no duplo efeito (Num. 1423277 - Pág. 1).

Em manifestação (Num. 1512512 - Pág. 1/5) a Procuradoria de Justiça do Ministério Público se pronuncia pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório do necessário.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação, passando a apreciá-lo.

MÉRITO

A questão em análise reside em verificar se a Apelante possui direito à indenização por danos morais em decorrência da alegada exposição indevida de sua intimidade em razão da tramitação do processo sem segredo de justiça.

Em regra, para caracterização do dever de indenizar, faz-se necessária a comprovação do ato ilícito, culposo ou doloso, do dano e do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano, elementos da responsabilidade civil.

No caso, sendo o Apelado ente estatal, é cediço que deve responder com base na Teoria do Risco Administrativo, ou seja, objetivamente pelos danos causados por seus agentes, nessa qualidade, a terceiros, sendo desnecessário comprovar-se a existência de dolo ou culpa, bastando a demonstração do dano e do nexo de causalidade, ausentes quaisquer excludentes, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A propósito, preleciona Sérgio Cavalieri Filho:

O constituinte adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da Administração Pública, e não a teoria do risco integral, porquanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano.

Pois bem, delimitados os elementos para a responsabilização civil, passo à análise do dever de indenizar trazido nos autos, o qual, se fundamenta na violação ao direito à intimidade da Recorrente, ante a tramitação sem segredo de justiça do processo que moveu para a obtenção de medida protetiva.

Apesar das alegações da Recorrente, constata-se que o requerimento para a tramitação do processo em segredo de justiça ocorreu somente após o trânsito em julgado da ação de medidas protetivas.

Neste sentido, denota-se que o processo nº 0023713-13.2014.814.0301 foi sentenciado no dia 29.06.2016 e o pedido de tramitação em segredo de justiça somente foi realizado em 02.02.206 (Num. 1054457 - Pág. 31/33), ou seja quando já haviam sido publicados os atos processuais.

Ademais, tão logo fora realizado o requerimento para tramitação em segredo de justiça, o pleito foi atendido pelo Juízo da 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar de Belém, que determinou a adoção da medida pretendida pela Apelante e a expedição e ofício ao jusbrasil para a retirada da publicação contendo o nome da Recorrente.

Assim, não há constatação de desídia ou falha na atuação do juízo em relação ao alegado dano sofrido pela Apelada. Ressalte-se ainda, que a regra é a publicidade dos atos processuais e a ação movida pela Recorrente, não se encontra nas hipóteses legalmente previstas no art. 189 do CPC/15, que demandam a automática imposição de segredo de justiça. Vejamos:

Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

I - em que o exija o interesse público ou social;

II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;

III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à...

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