Acórdão Nº 4000034-31.2017.8.24.9001 do Primeira Turma de Recursos - Capital, 28-09-2017

Número do processo4000034-31.2017.8.24.9001
Data28 Setembro 2017
Tribunal de OrigemSão José
Classe processualHabeas Corpus
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Primeira Turma de Recursos - Capital

Habeas Corpus n. 4000034-31.2017.8.24.9001

ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Primeira Turma de Recursos - Capital


Habeas Corpus n. 4000034-31.2017.8.24.9001, de São José

Relator: Des. Laudenir Fernando Petroncini

HABEAS CORPUS. TRANSAÇÃO PENAL. CRIME DE DESACATO (CP, ART. 331). TIPICIDADE DA CONDUTA DE OFENDER OU MENOSPREZAR FUNCIONÁRIO PÚBLICO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO OU EM RAZÃO DELA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO É ABSOLUTA. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 4000034-31.2017.8.24.9001, da comarca de São José Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica, em que é impetrante a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina e paciente Simone Aparecida Raiz:

Dispensado o relatório, nos termos dos arts. 46 e 81, § 3º da Lei 9.099/1995.

Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina em favor de Simone Aparecida Raiz, requerendo o arquivamento de ação penal em que se imputa à paciente a prática do crime de desacato.

Alega a impetrante, sinteticamente, que o crime de desacato teria sido derrogado pelo art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, de maneira que implicaria constrangimento ilegal a submissão da paciente ao cumprimento de prestação de serviços à comunidade pactuada em transação penal, por força da suposta prática deste delito.

O Ministério Público manifestou-se pela denegação da ordem.

A jurisprudência tem admitido, em caráter excepcional, a impetração de habeas corpus com vistas ao arquivamento de ação penal em cujo bojo é pactuada a transação penal.

No mérito, contudo, não merece amparo a tese veiculada no presente remédio constitucional.

Embora a questão da tipicidade do crime de desacato seja objeto de debates na doutrina e na jurisprudência, não prospera o entendimento de que o tipo do art. 331 do Código Penal teria sido revogado pelo art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Não se ignora, com efeito, a existência de precedentes, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, afastando a tipicidade penal do crime de desacato, por afronta à referida Convenção e aos direitos humanos.

Decidiu a Quinta Turma da Corte Superior, em dezembro/2016, com efeito, que a "criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo".

Ponderou-se, na ocasião, que "a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibiria "a atuação do Poder Judiciário na verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão" e que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já teria se manifestado no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário", o que permitiria concluir que o art. 331 do Código Penal teria sido derrogado pelo Pacto Internacional, cujo status é supralegal (REsp 1.640.084/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas).

Mais recentemente, contudo, o próprio Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção (composta pela Quinta e Sexta Turmas), reviu esse posicionamento, reafirmando o entendimento até então consolidado de que a conduta de menosprezo à função pública é, sim, típica, pois nem mesmo o direito à liberdade de expressão pode ser considerado absoluto.

No que interessa ao caso presente, a decisão restou assim ementada:

[...] MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. [...]

1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar com observância obrigatória e integral do Estado.

2. Quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta. Precedentes.

3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que a CIDH não possui função jurisdicional.

4. A Corte Internacional de Direitos Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto.

5. As...

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