Acórdão Nº 4003720-63.2020.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 22-09-2020

Número do processo4003720-63.2020.8.24.0000
Data22 Setembro 2020
Tribunal de OrigemLebon Régis
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão


Agravo de Instrumento n. 4003720-63.2020.8.24.0000, de Lebon Régis

Relatora: Desa. Janice Ubialli

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. DECISÃO QUE INDEFERIU A IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL. RECURSO DOS EXECUTADOS.

PLEITO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO FORMULADO EM CONTRARRAZÕES. REJEIÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA NO ARE 1.038.507/SC (TEMA 961). AUSÊNCIA, CONTUDO, DE DETERMINAÇÃO DE SOBRESTAMENTO DOS PROCESSOS EM TRÂMITE NO TERRITÓRIO NACIONAL (ART. 1.035, § 5º, CPC). PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTIVO.

"A suspensão de processamento prevista no § 5° do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la (RE 966.177/RS-QO, Plenário)" (Supremo Tribunal Federal, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 1.187.125, do Rio de Janeiro, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 17-5-2019).

PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. IMÓVEL OFERECIDO EM HIPOTECA. IRRELEVÂNCIA. FATO QUE NÃO IMPORTA RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 3º, V, DA LEI N. 8.009/1990. PREVALÊNCIA DO ART. 5º, XXVI, DA CRFB/88 E ART. 4º, II, "A", DA LEI N. 8.629/1993.

"A pequena propriedade rural, trabalhada pela família, é impenhorável, ainda que dada pelos proprietários em garantia hipotecária para financiamento da atividade produtiva. Artigos 649, VIII, do Código de Processo Civil, e 5º, XXVI, da Constituição Federal" (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 832.464/PR, rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 27-6-2017).

INDÍCIOS DE EXPLORAÇÃO DA GLEBA PARA SUSTENTO DO DEVEDOR E SUA FAMÍLIA. PRESUNÇÃO NÃO DERRUÍDA PELO BANCO EXEQUENTE. EXISTÊNCIA DE OUTROS IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DOS EXECUTADOS QUE NÃO IMPEDE A PROTEÇÃO ALMEJADA. DECISÃO REFORMADA.

"É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência (NCPC, art. 375)" (STJ, REsp n. 1.408.152/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 1º-12-2016).

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4003720-63.2020.8.24.0000, da comarca de Lebon Régis (Vara Única), em que são Agravantes Aluir Valdino Perego e Dirlei Ostjen Perego e Agravado Banco Bradesco S.A.:

A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar a ele provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. José Antônio Torres Marques, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 22 de setembro de 2020.

Janice Ubialli

Relatora


RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por Aluir Valdino Perego e Dirlei Ostjen Perego da decisão proferida nos autos da Execução de Título Extrajudicial n. 0300226-86.2018.8.24.0088, aforada por Banco Bradesco S.A. O decisório recorrido contou com a seguinte fundamentação (p. 254-257 dos autos de origem):

(...) Assim, cumpre analisar se o imóvel em discussão preenche os requisitos legais para que lhe seja conferida a proteção constitucional da impenhorabilidade.

A área em litígio possui 7,26 ha, extensão inferior a 1 (um) módulo fiscal no Município de Lebon Régis/SC, onde fica localizado, cujo módulo fiscal para a região, no ano de 2013, nos termos do Sistema Nacional de Cadastro Rural do INCRA, é o equivalente a 20 ha (vinte hectares), ou 200.000,00 m² (duzentos mil metros quadrados).

Entretanto, verifica-se que a executada não logrou êxito em comprovar que a sua subsistência advém unicamente da atividade rural desenvolvida em tal imóvel.

Com efeito, os documentos apresentados pela executada, em especial aquele de fl. 165, cujo teor demonstra movimentação econômica da produção rural de R$ 214.243,00 em período inferior a 6 meses (de 1º/1/2019 a 14/6/2019), demonstram que a atividade rural desenvolvida no imóvel penhorado não condiz com aquela desenvolvida por agricultores de pequeno porte.

Aliás, de se salientar que os executados se qualificaram no contrato objeto da ação de execução n. 0300256-24.2018 como "agricultores de grande porte" (fl. 21 daqueles autos), o que também ocorreu no contrato objeto da presente execução (fl. 17).

Ademais, em pesquisa pelo nome dos executados no Google, constata-se que eles, até a data da alegação da impenhorabilidade (junho de 2019) foram sócios da empresa Comércio de Cereais Planalto Ltda., inscrita no CNPJ n. 21.516.415/0001-92, na qualidade de sócios administradores.

Quanto à ata notarial de fl. 143, de se frisar que ela apenas traduz o que os demandados informaram à Tabeliã Substituta, ao passo que as constatações in loco apenas refletem a situação observada em 31/5/2019, não podendo a interpretação ser extensiva aos demais dias em que a Tabeliã não estava presente na propriedade da parte executada.

Verifica-se, portanto, que não há se falar em trabalho familiar no bem penhorado.

Nesse contexto, considerando-se que o objetivo do legislador foi proteger a família, de forma a garantir o mínimo necessário à sua sobrevivência, bem como preservar a moradia e o necessário à atividade agrícola de subsistência, entendo que não ficou suficientemente comprovado que o sustento do executado e de sua família é oriundo, unicamente, do imóvel penhorado.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial - Impugnação rejeitada - Penhora sobre a pequena propriedade rural - Possibilidade - Ausência de prova de que o imóvel é único e trabalhado pela agravante em regime de subsistência familiar - Precedentes do STJ - Decisão mantida - Recurso não provido. (Agravo de Instrumento 2090551-65.2018.8.26.0000, Rela. Des. Daniela Menegatti Milano, 19ª Câmara de Direito Privado, Foro de Votuporanga - 4ª Vara Cível; j. 6-9-2018).

Ante o exposto, não reconheço a almejada impenhorabilidade do bem penhorado e, em consequência, INDEFIRO o requerimento de fls. 105/115 e determino o prosseguimento dos atos de expropriação do bem penhorado.

Intimem-se.

Os agravantes sustentam, em síntese, que: a) a única fonte de renda advém da atividade rural explorada em ambos os imóveis (matrícula 2412 e 0164); b) o imóvel penhorado é bem de família, pois residem no local, além de explorarem atividade rural nele; c) há presunção de veracidade desta atividade agrícola, e não há prova do banco agravado em sentido contrário; d) a decisão agravada está equivocada ao entender que o sustento deve advir unicamente do imóvel penhorado, quando o sustento advém da atividade agrícola que é explorada em ambos os imóveis; e) o fundamento da decisão de que os agravantes eram sócios da empresa Comércio de Cereais Planalto Ltda. não merece subsistir, pois referida sociedade foi extinta em 2019, e tinha por objetivo a venda dos produtos agrícolas produzidos pelos próprios agravantes.

Ao final, os agravantes postulam a declaração de impenhorabilidade sobre o imóvel objeto de constrição.

Recebido o inconformismo, foi deferida a tutela recursal pleiteada pelos agravantes (p. 26-31).

Com as contrarrazões (p. 36-52), os autos ascenderam a esta Corte.

Remetidos os autos ao Núcleo de Conciliação, ambas as partes demonstraram desinteresse quanto à realização da audiência conciliatória.

Vieram, então, os autos conclusos.

VOTO

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

Inicialmente, cumpre afastar a pretensão formulada pelo agravado de suspensão do processo em virtude do reconhecimento da repercussão geral da matéria no ARE 1038507/SC (Tema 961/STF), nos seguintes termos:

PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 5º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

É dotada de repercussão geral a controvérsia constitucional acerca da garantia, ou não, de impenhorabilidade da pequena propriedade rural e familiar, oponível contra empresa fornecedora de insumos necessários à sua atividade produtiva, nos casos em que a família também é proprietária de outros imóveis rurais (ARE 1.038.507/PR, Rel. Ministro Edson Fachin, j. 7-9-2017).

Isso porque no mencionado recurso não houve a determinação de sobrestamento dos processos em trâmite no território nacional, como disposto no art. 1.035, § 5º, do CPC, e conforme tem exigido a jurisprudência pátria:

A suspensão de processamento prevista no § 5° do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la (RE 966.177/RS-QO, Plenário)" (Supremo Tribunal Federal, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 1.187.125, do Rio de Janeiro, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 17-5-2019).

Portanto, deixa-se de acolher a postulação formulada em contrarrazões.

Pois bem. O cerne do agravo de instrumento cinge-se em analisar a (im)penhorabilidade do imóvel registrado na matrícula n. 2.412 do CRI da comarca de Lebon Régis.

Adianta-se, o reclamo comporta acolhimento.

Com efeito, o posicionamento mais atual do STJ é no sentido de que, ainda que ofertado como garantia em cédula rural hipotecária, a pequena propriedade rural destinada ao sustento do executado e de sua família usufrui de impenhorabilidade, senão vejamos:

"A pequena propriedade rural,...

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