Acórdão Nº 4004932-22.2020.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Público, 15-12-2020

Número do processo4004932-22.2020.8.24.0000
Data15 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemJoaçaba
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão


Agravo de Instrumento n. 4004932-22.2020.8.24.0000, de Joaçaba

Relator: Desembargador Francisco Oliveira Neto

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO QUE, NA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, AFASTOU A CORREÇÃO MONETÁRIA PELA TR E DETERMINOU A APLICAÇÃO DO IPCA-E A PARTIR DE 30.6.09. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL QUE APONTOU EXPRESSAMENTE A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PELO INPC ATÉ 29.6.09 E, APÓS, PELA TR. TEMA N. 810 DO STF QUE NÃO POSSUI O CONDÃO DE ALTERAR AUTOMATICAMENTE A COISA JULGADA. DECISÃO EXEQUENDA QUE TRANSITOU EM JULGADO ANTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, PELO STF, DO ART. 5º DA LEI N. 11.960/09 PARA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. TEMA N. 733 DO STF E TEMA N. 905 DO STJ. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA AOS ÍNDICES FIXADOS NO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. ART. 535, §§ 7º E 8º, DO CPC/15. QUESTÃO PACIFICADA PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

No Tema n. 733 do STF (RE n. 730.462/SP), a Suprema Corte decidiu que a eficácia executiva da decisão que declara a inconstitucionalidade com efeitos ex tunc atinge apenas os "atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não atos pretéritos", de modo que "os atos anteriores, mesmo quando formados com base em norma inconstitucional, somente poderão ser desfeitos ou rescindidos, se for o caso, em processo próprio" (STF, rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. 28.5.15).

Diante da mencionada tese vinculante, e observando o art. 535, § 7º e § 8º, do CPC/15, o Grupo de Câmaras de Direito Público desta Corte Estadual, em 25.11.20, pacificou o entendimento acerca da matéria, emitindo os seguintes enunciados:

"1) Se a decisão exequenda transitou em julgado em momento posterior à publicação da decisão que declarou inconstitucional o art. 5º da Lei n. 11.960/09 para correção monetária (Tema n. 810 do STF), ocorrida em 20.11.17, o título executivo será inexigível no ponto, devendo ser adotada em cumprimento de sentença a legislação vigente em relação aos consectários legais (art. 525, § 12, e art. 535, § 5º, ambos do CPC/15);

2) Se a decisão exequenda transitou em julgado em momento anterior à publicação da decisão que declarou inconstitucional o art. 5º da Lei n. 11.960/09 para correção monetária (Tema n. 810 do STF), ocorrida em 20.11.17, é preciso respeitar a coisa julgada já operada (Tema n. 905 do STJ), sendo possível a sua alteração somente por recurso próprio ou ação rescisória, no prazo do § 8º do art. 535 do CPC/15".

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4004932-22.2020.8.24.0000, da comarca de Joaçaba (1ª Vara Cível) em que é Agravante Estado de Santa Catarina e Agravado Amandio de Souza Vaz Neto.

A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer e prover o agravo de instrumento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargador Francisco Oliveira Neto, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz e Desembargador Cid Goulart.

Florianópolis, 15 de dezembro de 2020.

Desembargador Francisco Oliveira Neto

RELATOR


RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado de Santa Catarina em face de decisão que, proferida no cumprimento de sentença n. 0000469-72.2012.8.24.0037/00001 iniciado por Amandio de Souza Vaz Neto, alterou os índices adotados a título de correção monetária, determinando a aplicação do IPCA-E ao invés dos fatores de atualização previstos no art. 5º da Lei n. 11.960/09 (fls. 54/55 dos autos de origem).

Irresignado, o ente federado alegou que a decisão violou a coisa julgada já formada nos autos sobre a questão, deixando de observar os índices adotados no título executivo judicial que ensejou o presente feito executório, e em detrimento do que foi determinado no Tema n. 733 do STF e do que dispõe os parágrafos 7º e 8º do art. 535 do CPC/15. Postulou, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao reclamo neste aspecto, e, no mérito, o seu conhecimento e provimento para reformar a decisão agravada (fls. 1/12).

Na sequência, os autos vieram a mim distribuídos, oportunidade em que deferi o efeito suspensivo pleiteado pelo agravante, por vislumbrar a presença dos requisitos do fumus boni iuris recursal e do periculum in mora (fls. 16/24).

Com as contrarrazões (fls. 29/33), os autos retornaram a mim conclusos (fl. 34).

É o relato essencial.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é pelo provimento do recurso.

2. Do respeito à coisa julgada operada no título executivo:

De plano, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 870.947/SE (Tema n. 810) tratando dos fatores de correção monetária nas condenações contra a Fazenda Pública, oportunidade em que declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.960/09 (que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n. 9.494/97) quanto aos índices de atualização monetária nele fixados (remuneração oficial da caderneta de poupança - TR), decisão que foi publicada em 20.11.17, ex vi:

"DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO [...]" (STF, RE n. 870.947/SE, rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 20.9.17, publicado em 20.11.17).

Já em 3.10.19, a Corte Suprema, "por maioria, rejeitou todos os embargos de declaração e não modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida" (conforme se extrai da certidão de julgamento dos embargos de declaração opostos nos autos do Recurso Extraordinário n. 870.947/SE - Tema n. 810), atribuindo, portanto, efeitos ex tunc à declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.960/09 referente aos índices de correção monetária.

Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.492.221/PR em sede de recursos repetitivos (Tema n. 905), estabeleceu que "as condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos" sujeitam-se, a partir de julho de 2009, aos seguintes fatores: "juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E".

No caso em tela, o que se discute é a aplicação desses índices em cumprimento de sentença, quando o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF se deu em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão judicial que gerou a obrigação. Colocando em datas, tem-se: decisão judicial transitada em julgado em 4.7.16 (fl. 44 dos autos de origem) e decisão da Suprema Corte publicada em 20.11.17.

Para responder essa questão, é fundamental compreender, inicialmente, o sentido e alcance do art. 505, I, do CPC/15, que substituiu o art. 471, I, do CPC/73, o qual prevê o seguinte:

"Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença".

Sobre a natureza das relações jurídicas, há que se fazer uma breve diferenciação entre aquelas chamadas de trato continuado (conforme mencionado no dispositivo) e as de trato sucessivo. Quanto às primeiras, entende-se que nascem de uma situação ou fato que se prolonga no tempo, como é o caso das ações relacionadas ao direito de família, alimentos, locação. Já as de trato sucessivo referem-se àquelas relações que nascem de um fato gerador instantâneo, mas que se repetem no tempo de maneira uniforme, como é o caso dos juros e da correção monetária.

Desse modo, a considerar que a discussão relacionada aos consectários legais não abarca relação jurídica de trato continuado, mas de trato sucessivo, não há como utilizar o referido dispositivo como pressuposto para afastar a aplicação da matéria decidida pelo STF em repercussão geral, e de observância obrigatória (art. 927, III, do CPC/15).

Nota-se que o STJ expressamente afirmou que correção monetária é obrigação de trato sucessivo:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AFRONTA AO ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/1997, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009. CORREÇÃO MONETÁRIA. IPCA-E. RESP 1.495.144/RS E RE 870.947/SE. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. AUSÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. (...) 'A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.112.746/DF, afirmou que os juros de mora e a correção monetária são obrigações de trato sucessivo, que se renovam mês a mês, devendo, portanto, ser aplicada no mês de regência a legislação vigente. Por essa razão, fixou-se o entendimento de que a lei nova superveniente que altera o regime dos juros moratórios deve ser aplicada imediatamente a todos os processos, abarcando inclusive aqueles em que já houve o trânsito em julgado e estejam em fase de execução. Não há, pois, nesses casos, que falar em violação da coisa julgada' (EDcl no AgRg no REsp 1.210.516/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 25/9/2015) (...)" (STJ, Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.771.560/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 13.5.20 -...

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