Acórdão Nº 4007921-35.2019.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Público, 29-09-2020

Número do processo4007921-35.2019.8.24.0000
Data29 Setembro 2020
Tribunal de OrigemBalneário Piçarras
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão


Agravo de Instrumento n. 4007921-35.2019.8.24.0000 Balneário Piçarras

Relatora: Desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski

AGRAVO DE INSTRUMENTO.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EM FACE DO MUNICÍPIO DE PENHA E DE PAI E MÃE DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA MENTAL, COM O INTENTO DE ADOTAR MEDIDAS PROTETIVAS A ESTA.

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINOU A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA MENTAL ÀS EXPENSAS DO MUNICÍPIO DE PENHA.

INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO DE PENHA.

(A) ALEGAÇÃO DE QUE É DESNECESSÁRIA A INTERNAÇÃO EM CASO DE ADMINISTRAÇÃO CORRETA DA MEDICAÇÃO PRESCRITA, E QUE A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR OS CUIDADOS À FAVORECIDA SERIA DOS PAIS, ALÉM DE NÃO SER ADEQUADO ATRIBUIR AO MUNICÍPIO DE PENHA O ÔNUS DO CUSTEIO OU ABRIGAMENTO DA FAVORECIDA.

TESE AFASTADA.

É DEVER DO ESTADO, DA SOCIEDADE E DA FAMÍLIA ASSEGURAR ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, COM PRIORIDADE A EFETIVAÇÃO, OS DIREITOS À VIDA, À DIGNIDADE, À SAÚDE, À HABILITAÇÃO E À REABILITAÇÃO, AO RESPEITO, DENTRE TANTOS OUTROS DIREITOS (ART. 8º DA LEI N. 13.146/2015 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA).

É OBRIGAÇÃO DO ESTADO GARANTIR A REDUÇÃO DO RISCO DE DOENÇA E DE OUTROS AGRAVOS E ACESSO UNIVERSAL IGUALITÁRIO AOS QUE PRECISAREM (ART. 196 DA CF/1988).

INTERNAÇÃO DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA MENTAL ÀS CUSTAS DO MUNICÍPIO QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA, CONFORME RELATÓRIO SOCIAL QUE DESCREVE AS CONDIÇÕES INDIGNAS EM QUE SE ENCONTRA A INTERNANDA E A AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DOS PAIS DE PRESTAREM A ELA TRATAMENTO DIGNO E ADEQUADO À SUA PECULIARIDADE.

PRECEDENTES.

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA MANTIDA.

(B) SUSTENTADA NECESSIDADE DE INCLUSÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA NO POLO PASSIVO PARA EVENTUAL SOLIDARIEDADE NA PRESTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.

TESE RECHAÇADA.

É RESPONSABILIDADE COMUM DOS TRÊS ENTES FEDERATIVOS ZELAR PELA SAÚDE E ASSISTÊNCIA PÚBLICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA (ART. 23, II, DA CF/1988), DE FORMA QUE COMPETE A QUALQUER DOS ENTES FEDERADOS SER CHAMADO PARA CUMPRIR A OBRIGAÇÃO INERENTE AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA.

INADEQUADA PRETENSÃO DE INCLUSÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA NO POLO PASSIVO.

PRECEDENTES.

DECISÃO RECORRIDA IRRETOCÁVEL.

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE PENHA CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4007921-35.2019.8.24.0000, da comarca de Balneário Piçarras 2ª Vara em que é Agravante Município de Penha e Agravado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de agravo de instrumento interposto pelo demando Município de Penha, e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Hélio do Valle Pereira, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Artur Jenichen Filho e o Exmo. Sr. Des. Vilson Fontana.

Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Paulo Ricardo da Silva.

Florianópolis, 29 de setembro de 2020.

Desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski

Relatora


RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de agravo de instrumento interposto pelo Município de Penha contra decisão que acolheu o pleito de tutela de urgência para determinar ao ora agravante que, no prazo de 05 (cinco) dias, promovesse o acolhimento de Rosilene Maria Soares em instituição pública de acolhimento ou realizasse o custeio em instituição privada, por tempo indeterminado; bem como concedeu medida de proteção para afastamento do segundo requerido, Pedro Luis Cesário, do lar, até o acolhimento da interessada, além de determinar que mantivesse distância mínima de 500 (quinhentos) metros desta, proferida nos autos da "ação civil pública com cominação de obrigação de fazer c/c pedido liminar c/c medidas de proteção" n. 0000587-68.2019.8.24.0048, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra Pedro Luis Cesário e o ora agravante.

1.1 Ação Originária

Adota-se, na totalidade, o relatório da decisão proferida pela magistrada singular Regina Aparecida Soares Ferreira, que analisou o pedido de antecipação dos efeitos da tutela provisória de urgência requerido pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (fls. 80-85):

"[...] Trato de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, no interesse de Rosilene Maria Soares em face do Município de Penha e Pedro Luis Cesário, na qual busca a concessão de tutela de urgência para determinar o acolhimento da favorecida, às expensas do primeiro requerido, em estabelecimento público ou particular que atenda suas necessidade especiais de vida e saúde.

Sustentou que a favorecida é portadora de deficiência mental (transtorno mental moderado CID F.71), e encontra-se atualmente em situação de risco, pelas condições de vulnerabilidade de vida, saúde e sócio-familiares, necessitando ser abrigada em estabelecimento público ou particular que a ampare.

Pontuou que a favorecida estaria sendo mantida em cárcere privado, em ambiente sem as mínimas condições de higiene.

Asseverou que o segundo requerido, padrasto da favorecida, não aceita o convívio com esta e que há indícios de ocorrência de abuso sexual praticado pelo mesmo.

Requereu, em sede liminar: a) o imediato abrigamento da favorecida, em entidade pública ou privada adequada ao atendimento de suas necessidades especiais de vida, saúde e sócio-familiares, às expensas do primeiro requerido, nos moldes do Estatuto da Pessoa com Deficiência; b) alternativamente, comprovada a inexistência de entidades aptas a prestar referida assistência, seja o primeiro requerido compelido a empreender as providências cabíveis à promover a imediata disponibilização desses serviços à favorecida, consistente na criação de entidade de abrigamento que possua recursos intersetoriais destinada/apropriada/apta ao atendimento de suas necessidades especiais; c) a concessão de medidas de proteção previstas na Lei n. 11.340/06, com imediato afastamento do segundo requerido (Pedro Luis Cesário) de sua residência, até o acolhimento da favorecida em estabelecimento adequado, a fim de resguardar sua integridade física.

Formulou demais requerimentos. Valorou a causa e juntou documentos (págs. 26/79).

É o relato.

1.2 Pronunciamento impugnado

Diante da análise do pleito liminar, por entender que a ocorrência de agressões pelo padrasto contra a favorecida, aliada ao desamparo da família no tocante aos cuidados com seu quadro de saúde mental, trariam a necessidade de acolhimento em instituição pública ou privada que atendesse às suas necessidades físicas e psicológicas, a MM. Juíza Regina Aparecida Soares Ferreira acolheu o pleito liminar, nos seguintes termos (fls. 80-85):

"[...] In casu, a probabilidade do direito evocado restou demonstrada pelos documentos amealhados (relatórios, prontuário de atendimento, etc.).

Isso porque, no relatório elaborado em 24 de Setembro de 2018, pela Assistente Social, Olinda Rodrigues da Silva Santos, retira-se que:

"Visto que é mantida em forma de cárcere privado, pois a família mantem o quarto com cadeado, alegando que não conseguem dar conta, quando ela está em surto por isso existe o cadeado na porta do quarto, a casa não tem higiene, no espaço onde ela dorme tem uma lixeira a qual Rosilene faz sua necessidades fisiológicas.

Quando intervimos sobre a questão, a mãe relata que a filha faz isso a noite.

(...)

O Sr. Pedro em sua fala afirma que se não arrumar um espaço para Rosilene ficar, vai acabar em tragédia dentro de casa, não aceita o convívio e fala que os dois não podem ficar no mesmo recinto". - págs. 27/28.

Aduz ainda a Assistente Social, que a favorecida necessita da administração dos medicamentos para controle de sua deficiência mental, contudo, desde o início do atendimento junto à rede municipal de saúde, mãe e padrasto (segundo requerido) lutam para que a mesma seja internada, mesmo não sendo esta a indicação do psiquiatra que a assiste.

Das fotos anexadas ao referido relatório, verifica-se claramente o ambiente insalubre ocupado pela favorecida.

Não fosse o bastante, do relatório formulado em 08 de Novembro de 2018, colhe-se que restou constatada a dificuldade na administração da medicação necessária para manter a estabilidade do humor e evitar os surtos de agressividade da favorecida.

Nessa oportunidade, relatou a Assistente Social que no período em que permaneceu assistida pela equipe do Programa Saúde da Família PSF, a favorecida teve seu quadro clínico estabilizado, sem episódios de agressividade, contudo, transferido o tratamento aos cuidados da mãe, Sra. Vanderli Rocha Soares, verificou-se a piora da situação de saúde devido ao prejuízo do tratamento.

Para melhor elucidação, cita-se trecho do relatório:

"É unânime e consensual entre os profissionais que atendem a família, seja da saúde ou assistência social, a concepção da impossibilidade de permanência de Rosilene com o casal nas atuais circunstâncias. Ou seja, permanecer em casa com os conflitos intensos, sem receber o tratamento medicamentoso adequado, com os surtos de agressividade e sem receber os cuidados esperados de uma pessoa com deficiência.

Essa preocupação é tamanha que inclusive o médico do posto de saúde, Dr. Ortun Montano Paz, no dia 16/08/2018, forneceu atestado médico solicitando internação de Rosilene.

(...) é certo que atualmente a família se encontra em conflito, Rosilene pode apresentar o comportamento de agressividade contra Seu Pedro a todo instante, ela não está fazendo o uso da medicação conforme prescrição médica, não está frequentando a APAE, não está recebendo os cuidados necessários básicos devido as suas limitações e qualquer tipo de orientação da equipe é vista com resistência pela família que vislumbra a internação como única saída para o caso". - págs. 43/44.

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