Acórdão Nº 4013330-60.2017.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Público, 10-05-2022

Número do processo4013330-60.2017.8.24.0000
Data10 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 4013330-60.2017.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

AGRAVANTE: ROBERTO ANGELONI (Espólio) AGRAVANTE: JOSE AUGUSTO FRETTA (Inventariante) AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Estado de Santa Catarina propôs execução fiscal em face de Roberto Angeloni.

Alegou que o contribuinte deixou de recolher ITCMD relativo à doação de cotas da empresa Távola Redonda Participações Ltda.

Postulou o pagamento do tributo acrescido de multa e juros moratórios no valor de R$ 3.831,635.45.

Ato contínuo, requereu a substituição da CDA e valorou a dívida em R$ 4.378.469,48, o que foi deferido (autos originários, Eventos 27 e 30).

O executado opôs exceção de pré-executividade. Sustentou que: 1) a notificação que deu azo à presente demanda é objeto de discussão em mandado de segurança; 2) no referido mandamus, determinou-se que fosse efetuada "nova apuração do valor devido, o qual, aplicando a norma vigente no momento da doação, leve em consideração, para base de cálculo, os dados patrimoniais relativos àquele instante"; 3) o Estado está executando um "suposto crédito ilíquido", já que não atendeu a determinação judicial; 4) a CDA, portanto, é nula porque carece de exigibilidade e liquidez e 5) subsidiariamente, a execução deve ser suspensa até o trânsito em julgado do MS n. 023.11.006796-0, a fim de resguardar o seu patrimônio (autos originários, Evento 45).

Em impugnação, o ente público aduziu que: 1) inexiste irregularidade na CDA, porque já efetuou a adequação nos moldes da decisão proferida no mandado de segurança e 2) a suspensão do feito é descabida, pois ausente amparo na lei e na jurisprudência. Por fim, postulou a realização da penhora em dinheiro via Bacenjud (autos originários, Evento 49).

A exceção de pré-executividade foi rejeitada (autos originários, Evento 60).

O réu interpôs agravo de instrumento. Aduziu que: 1) no MS, determinou-se nova apuração do valor devido com a utilização de outra base de cálculo; 2) a CDA é nula, pois não é cabível a substituição por erro no lançamento; 3) o ente público não fundamentou cabalmente qual a base de cálculo utilizada para a aferição do imposto; 4) a ausência da apresentação da base de cálculo impede a sua defesa adequada e 5) a CDA carece de certeza e liquidez.

Contrarrazões no Evento 26.

Com o falecimento do executado, os herdeiros pediram habilitação (Eventos 109 e 112).

O Espólio de Roberto asseverou que: 1) a doação foi realizada com cláusula de reversão; 2) com o falecimento do donatário, cessaram, para todos os efeitos, a transferência da propriedade das quotas; 3) em termos práticos, é como se o ato jamais tivesse ocorrido; 4) as quotas voltaram ao patrimônio do genitor de Roberto, que, por sua vez, doou parte do bem à sua outra filha (Cristina) e 5) permitir a exação nas duas doações configura uma bitributação (Evento 133).

Intimado, o Estado afirmou que: 1) o fato gerador ocorreu no momento da doação das quotas ao falecido; 2) a cláusula de reversão não influencia a incidência tributária e 3) a implementação da condição resolutiva não afasta a possibilidade de tributação (Evento 140).

Na sessão do dia 5-4-2022, o Des. Jorge Luiz de Borba pediu vista.

VOTO

1. Considerações iniciais

O Espólio sustenta que, com o implemento da cláusula resolutiva, a doação das quotas sociais ao Sr. Roberto deixou de produzir efeitos no mundo jurídico, de modo que a cobrança de ITCMD é indevida.

No MS n. 0006796-12.2011.8.24.0023, impetrado por Roberto e seus irmãos (Henrique e Cristina), foi discutida, dentre outros temas, a notificação objeto da execução fiscal que deu origem ao presente recurso.

No referido mandamus, decidiu-se que a doação de quotas sociais com reserva de usufruto é fato gerador de incidência de ITCMD:

[...]

3. A questão litigiosa é facilmente sintetizável: houve doação com reserva de usufruto. O réu, forte na transferência da propriedade, entende caracterizada a hipótese de incidência do imposto inter vivos; a impetrante, frisando a limitação do domínio, entende que o fato gerador só ocorrerá quando, falecido o doador, as faculdades próprias da titularidade do direito se unificarem na donatária.

Doação, com ou sem reserva de usufruto, é (perdoado o jogo de palavras pobre) doação. Há, em tal contexto, dois negócios jurídicos, ainda que simultâneos. Em um primeiro, traslada-se a propriedade. Transferem-se as faculdades previstas no art. 1.228 do Código Civil. Pelo segundo, por previsão do direito das coisas, impõem restrição aos atributos do novo titular do domínio, de sorte que há propriedade limitada. (A ideia que estava no art. 525 do Código Civil de 1916, definindo a tal figura, mesmo não repetida no CC/2002, permanece.) É a elasticidade do direito de propriedade de que se fala costumeiramente no direito civil.

Eis então o dilema: tributa-se somente a doação que leve imediatamente à propriedade plena, ou a modalidade limitada também se submete ao conceito legal? Melhor ainda, o fato gerador do imposto de transmissão há de aguardar a causa extintiva do usufruto, transformando a propriedade limitada em plena?

O argumento para resolver a questão me parece evidente, mas nem por isso será menos correto: haja usufruto, direito real de habitação, uso, hipoteca ou qualquer outro direito real, de fruição ou de garantia, a propriedade estará sofrendo alteração quanto à titularidade. Verdade que o nu-proprietário tem profundas restrições quanto às suas prerrogativas, mas ele não deixa de ser proprietário; e isso não é indiferente. Se fosse, não haveria doações com reserva de usufruto, mas meras doações condicionais (se for admitido, em negócio marcado pelo altruísmo, esse tipo de elemento acidental) ou submetidas a termo. Enfim, se há doação e alguém passa a ser o novo proprietário (haja ou não circunstâncias que limitem o exercício pleno direito) há o fato imponível do imposto.

O pensamento oposto, a meu ver, faz uma interpretação econômica do fato gerador - o que rende inúmeras críticas no âmbito do direito tributário (ainda que, no geral, porque essa modalidades de exegese pode propiciar compreensão desfavorável ao sujeito passivo). Com efeito, mesmo que seja admissível - tal qual, imagino, pareça a todos - que se tenha em mira as intenções dos intervenientes do negócio jurídico para definir a natureza da situação enfrentada, coisa diversa é ignorar a natureza clara e direta de uma doação.

Esse negócio (ainda que insistindo no óbvio) tem como objetivo claro trasladar a propriedade, e cumpre claramente o papel. Se existe usufruto, é evidente que o doador quer se precatar, garantindo para si (geralmente vitaliciamente) os frutos da coisa. Quer dizer, doa-se, mas se preservam as riquezas a serem colhidas e a administração. Por isso que a autora defende que não houve propriamente doação, visto que não pode ter a coisa em sua plenitude.

Vejo de forma diferente. Não me parece decisivo a intenção econômica dos intervenientes. Pouco importa, ante uma doação, se é usado o eufemismo planejamento sucessório. Foi feita doação, desimportando se o donatário queria reter o poder decisório sobre o objeto.

Esse debate, de toda...

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