Acórdão Nº 4023168-56.2019.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 28-01-2020

Número do processo4023168-56.2019.8.24.0000
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCriciúma
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão


Agravo de Instrumento n. 4023168-56.2019.8.24.0000, de Criciúma

Relatora: Desa. Janice Ubialli

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO QUE APROVOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL COM FULCRO NO ART. 58, § 1º, DA LEI N. 11.101/2005. RECURSO DE BANCO CREDOR.

ALEGADA AUSÊNCIA DE VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. NÃO ACOLHIMENTO. PLANO REJEITADO NA ASSEMBLEIA-GERAL. NÃO OBTENÇÃO DO QUORUM DE MAIORIA SIMPLES NA CLASSE DE CREDORES COM GARANTIA REAL. VOTO DESFAVORÁVEL DE UM DOS DOIS CREDORES PRESENTES. PREENCHIMENTO, TODAVIA, DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 58, §§ 1º E 2º, DA LEI N. 11.101/2005. APROVAÇÃO DO PLANO EM JUÍZO PELO INSTITUTO DO CRAM DOWN. NECESSIDADE DE EVITAR O ABUSO NO DIREITO DE VOTO E PRESTIGIAR A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. INTELIGÊNCIA DO ART. 47 DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS ACUMULADOS E PROJEÇÃO NEGATIVA QUE SOMENTE DEMONSTRA A SITUAÇÃO DE CRISE VIVENCIADA PELA AGRAVADA, MAS NÃO IMPEDE A CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

TESES DE ELEVADO DESÁGIO E EXCESSIVO PRAZO DE PAGAMENTO DAS OBRIGAÇÕES. QUESTÕES RELATIVAS A DIREITOS PATRIMONIAIS E DISPONÍVEIS. SOBERANIA DA ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES QUE NÃO SE SUBMETE AO CONTROLE JUDICIAL.

UTILIZAÇÃO DA TR COMO FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ.

SUSPENSÃO DE RESTRIÇÕES CONTRA TERCEIROS GARANTIDORES DAS DÍVIDAS. NÃO CABIMENTO. AFRONTA AOS ARTS. 49, § 1º, E 59, DA LEI N. 11.101/05. NOVAÇÃO QUE NÃO SE ESTENDE AOS DEVEDORES SOLIDÁRIOS OU COOBRIGADOS EM GERAL. SÚMULA 581 DO STJ. PLANO DECOTADO NO PONTO.

MUTABILIDADE DO PLANO A QUALQUER TEMPO. POSSIBILIDADE. RETIFICAÇÃO ADMITIDA PELO STJ COM FULCRO NO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.

CLÁUSULA QUE PREVÊ QUE O PLANO SÓ SERÁ CONSIDERADO DESCUMPRIDO APÓS O ATRASO DE CINCO PARCELAS. ILEGALIDADE. AFRONTA AOS ARTS. 61, § 1º, E 73, IV, DA LEI N. 11.101/2005.

PREVISÃO GENÉRICA DE ALIENAÇÃO/ONERAÇÃO DE BENS E DIREITOS PERTENCENTES AO ATIVO DA RECUPERANDA. AUSÊNCIA DE DISCRIMINAÇÃO PORMENORIZADA. OFENSA AOS ARTS. 66 E 53, I, DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4023168-56.2019.8.24.0000, da comarca de Criciúma (1ª Vara da Fazenda), em que é Agravante Banco Santander Brasil S.A. e Agravada Cerâmica Artística Giseli Ltda. EPP (em Recuperação Judicial):

A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar a ele parcial provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. José Antônio Torres Marques, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 28 de janeiro de 2020.

Janice Ubialli

Relatora


RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por Banco Santander Brasil S.A. da decisão interlocutória proferida nos autos da Ação de Recuperação Judicial n. 0305803-55.2018.8.24.0020, que aprovou o Plano de Recuperação Judicial da empresa Cerâmica Artística Giseli Ltda. EPP, com fulcro no art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005 (p. 5.467-5.473, SAJ/PG).

O agravante sustenta, em síntese: a) a impossibilidade de concessão de recuperação judicial com base no disposto do art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005 à empresa que não demonstre sua viabilidade econômica; b) a necessidade de controle judicial ante as ilegalidades do plano; c) a violação da boa-fé objetiva e da função social, bem como do direito de propriedade, em razão das condições de pagamento que na prática mais se parecem com perdão de dívida; d) a impossibilidade de utilizar a TR como fator de correção monetária, uma vez que acarreta um deságio de 70%; e) a inviabilidade do prazo de amortização das dívidas; f) a indevida pretensão de estender os efeitos da recuperação judicial aos devedores solidários/avalistas e coobrigados; g) a ilegalidade da cláusula que prevê que o plano pode ser alterado a qualquer tempo após sua homologação; h) subsidiariamente, seja limitada essa possibilidade de alteração ao biênio de supervisão judicial; i) a invalidade da cláusula que não prevê a convolação da recuperação judicial em falência no caso de descumprimento do plano; j) a indevida previsão genérica de alienar e/ou gravar bens do ativo sem prévia autorização judicial (p. 1-33).

Contrarrazões às p. 153-162.

Os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça, que por meio de parecer lavrado pelo Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira, opinou por conferir caráter meramente formal à intervenção (p. 169-171).


VOTO

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

1. Da viabilidade econômica

Como cediço, a legislação que disciplina o processo de recuperação judicial (Lei n. 11.101/2005), dispõe que:

Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.

§ 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

§ 2º Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

§ 3º O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.

Pois bem. Na hipótese em estudo, o plano de recuperação judicial não foi aprovado na reunião assemblear em razão da insurgência apresentada pelo Banco Safra. E, como só dois credores da classe de credores com garantias reais estavam presentes (Banco Safra S.A. E Sicredi), o requisito da maioria simples dos credores presentes não foi atingido, acarretando a rejeição do plano.

Não obstante, ainda que não obtida a aprovação do plano na assembleia-geral de credores, a legislação de regência acolheu o instituto norte-americano denominado "cram down", consistente na possibilidade de que, preenchidos determinados requisitos legais, o juiz possa aprovar o instrumento de soerguimento outrora rejeitado. Confira-se:

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.

§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:

I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;

II - a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;

III - na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.

§ 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.

E a mens legis do referido dispositivo legal é evitar o abuso de direito por uma minoria de credores, obstando o soerguimento de sociedade empresária que, não obstante em crise, tenha plena viabilidade econômico-financeira de continuar suas atividades.

Oportuno mencionar que o processo de soerguimento não pode atender apenas ao interesse particular de um ou alguns credores, mas está atrelado, primordialmente, à função social da empresa, manifestada na necessidade de preservação do emprego de seus funcionários direitos e indiretos, bem como no desenvolvimento social econômico e ambiental da comunidade na qual inserida. A falência da empresa, portanto, só deve ser decretada em último caso, quando patente a impossibilidade de soerguimento empresarial.

A propósito, é a redação do art. 47 da Lei n. 11.101/2005:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

No mesmo rumo, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO.

APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. REQUISITOS DO ART. 58, § 1º, DA LEI 11.101/2005. EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.

1. A Lei n° 11.101/2005, com o intuito de evitar o "abuso da minoria" ou de "posições individualistas" sobre o interesse da sociedade na superação do regime de crise empresarial, previu, no § 1º do artigo 58, mecanismo que autoriza ao magistrado a concessão da recuperação judicial, mesmo que contra decisão assemblear.

2. A aprovação do plano pelo juízo não pode estabelecer tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou, devendo manter tratamento uniforme nesta relação horizontal, conforme exigência expressa do § 2° do art. 58.

3. O microssistema recuperacional concebe a imposição da aprovação judicial do plano de recuperação, desde que presentes, de forma cumulativa, os requisitos da norma, sendo que, em relação ao inciso III, por se tratar da classe com garantia real, exige a lei dupla contagem para o atingimento do quórum de 1/3 - por crédito e por cabeça -, na dicção do art. 41 c/c 45 da...

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