Acórdão Nº 4024786-07.2017.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 23-06-2022

Número do processo4024786-07.2017.8.24.0000
Data23 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 4024786-07.2017.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

AGRAVANTE: BANCO SAFRA S A AGRAVADO: TRANSPORTES BERTUOL EIRELI

RELATÓRIO

Banco Safra S.A. interpôs agravo de instrumento diante da decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da comarca de Otacílio Costa que, nos autos da Recuperação Judicial n. 0300519-67.2015.8.24.0086, ajuizada por Transportes Bertuol Eireli, concedeu a recuperação judicial. Por detalhar adequadamente os termos do recurso, adota-se excerto do relatório da decisão de evento 31, DECMONO24:

Pretende o banco agravante seja anulado o plano de recuperação homologado pelo juízo de origem, com a concessão de prazo para apresentação de novo plano para votação em assembleia. Para tanto, alega, de início, terem sido estipuladas cláusulas ilegais atinentes: ao período de carência para início dos pagamentos, estabelecido em 24 (vinte e quatro) meses, a contar do deferimento da recuperação judicial; ao deságio dos débitos, fixado em 85%(oitenta e cinco por cento); e ao prazo para pagamento da dívida, estipulado em120 (cento e vinte) meses. Argui, outrossim, violação ao princípio da igualdade entre os credores, ante a presença de vantagens a credores quirografários e a bancos públicos. Sustenta, de outra banda, a impossibilidade de suspensão das ações e execuções contra os coobrigados das dívidas, bem como a necessidade de convolação imediata da recuperação em falência, no caso de descumprimento do plano de recuperação judicial. Por fim, requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

Tal decisão conheceu do recurso e indeferiu o efeito suspensivo.

Em suas contrarrazões, a agravada alega que o agravante não teve direito a voto em decorrência de não ter apresentado a procuração pertinente nos termos do art. 37, §4º, da Lei n. 11.101/2005. Ressalta que três credores rejeitaram o plano, que seriam os que teriam maiores créditos. Aduz ser possível a relativização dos requisitos legais em prol da sobrevivência da empresa e que estaria atendido o art. 58 da aludida lei. Levanta a ausência de interesse recursal em decorrência de o agravante não ter participado da assembleia de credores e não ter apresentado objeção ao plano. Haveria, por tal motivo, preclusão consumativa. Aduz que a assembleia de credores é soberana e que o deságio estabelecido foi necessário. Relata que o tratamento diferenciado concedido a bancos públicos, no que se refere ao deságio, não seria ilegal ou irregular. Alega que a novação das obrigações reflete nos coobrigados, cujos "avais, fianças e garantias assumidas" ficariam suspensos até eventual inadimplência do plano e que o prosseguimento das execuções configuraria "bis in idem". Afirma que não haveria ilegalidade na previsão de nova assembleia se o plano for descumprido. Requer desprovimento ao recurso.

O Ministério Público se manifestou pelo provimento parcial do recurso, a fim de que seja declarada "(i) a ilegalidade da previsão de suspensão das ações e execuções movidas em face dos coobrigados e, (ii) da necessidade de convocação da assembleia geral de credores em caso de descumprimento do plano de recuperação judicial".

VOTO

O presente agravo de instrumento foi conhecido pela decisão de evento 31, DECMONO24, da qual não houve recurso, razão pela qual as teses sobre o respectivo não conhecimento restam afastadas e preclusas.

No mérito, a presente insurgência levanta:

a) a nulidade do plano de recuperação judicial formulado em decorrência do tratamento diferenciado a credores da mesma classe;

b) a ineficácia da cláusula que impõe, sem a anuência dos credores, a suspensão das garantias fidejussórias e reais existentes, assim como dos avais, fianças e garantias assumidas pelos sócios controladores ou diretores da recuperanda, visto que não poderiam se sobrepor às disposições legais de acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça;

c) a necessária convolação em falência em caso de descumprimento do plano de recuperação judicial nos termos do art. 61, §1º, da Lei n. 11.101/2005.

1. Da ilegalidade de estabelecimento de tratamento diferenciado para credores da mesma classe

Embora haja certa digressão, no plano de recuperação judicial, sobre a relativização das classes de credores estabelecidas, em razão de que não se amoldaria aos "princípios econômicos e financeiros [...] o pagamento de forma igualitária para todos os credores", a Lei n. 11.101/2005 é justamente a baliza regulatória acerca dos interesses envolvidos.

Dessa forma, a recuperação judicial não se trata de sacrifício completo dos direitos de determinadas classes de credores em prol da sobrevivência da empresa devedora, mas de regras que permitem a equalização dos interesses das partes com vistas à reintegração jurídica e econômica da pessoa jurídica. Tais normas são orientadas por princípios e consubstanciam a composição dos direitos levada a cabo no processo legislativo, portanto suas diretivas gerais não podem deixar de serem atendidas.

Dentre tais diretrizes, estão as classes de credores. Ressai do art. 41 da lei sob enfoque:

Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:

I - titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;

II - titulares de créditos com garantia real;

III - titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

§ 1º Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe prevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente do valor.

§ 2º Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II do caput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso III do caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito.

Um passo à frente, o art. 58, §2º, da referida lei, é enfático: "A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado".

No caso em mesa, verifica-se que o plano foi aprovado justamente com base nos ditames do art. 58, §1º, da Lei n. 11.101/2005. Entretanto, ao arrepio do art. 58, §2º, acima registrado, o plano de recuperação judicial institui três classes de credores com garantia real e quirografários, para tratá-los de modo distinto, o que levou ao aviltamento dos créditos de alguns. Seguem as diferenciações efetuadas (evento 210, INF378):

a) credores financeiros com ou sem garantia real: estes teriam desconto de nada menos que 85% (oitenta e cinco por cento) do saldo devedor consolidado, com carência de juros e principal de 24 (vinte e quatro) meses e pagamento corrigido pela T.R. em 120 (cento e vinte) parcelas mensais, ou se o crédito fosse nas modalidades de "leasing" ou "finame", o desconto seria de 50% (cinquenta por cento);

b) fornecedores não financeiros: estes teriam desconto de 40% (quarenta por cento) do saldo devedor consolidado, com carência de juros e principal de 12 (doze) meses e pagamento corrigido pela T.R. em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais;

c) pagamento de "bancos públicos": o débito seria pago sem deságio e sem carência, iniciando-se o pagamento em 30 (trinta) dias após a homologação do plano de recuperação judicial, que seria feito em 96 (noventa e seis) parcelas mensais e sucessivas, com a manutenção de todas as garantias (diferentemente dos demais, que teriam as garantias suspensas), e aplicação de taxa de juros de 1,5% (um virgula cinco por cento) ao mês.

A distinção em favor dos bancos "públicos" seria fundamentada no fato de serem vinculados a tribunais de contas, terem regime mais rígido de controle e aplicação de seus recursos, que seriam captados em desvantagem em relação ao mercado privado conforme o julgado no Agravo de instrumento n. 2010.031090-2.

Tal argumentação não prevalece diante de análise mais específica do caso. Inicialmente, os bancos caracterizados como públicos, na recuperação judicial subjacente, não são pessoas jurídicas de direito público, mas de direito privado. Enquanto o aresto no Agravo de instrumento n. 2010.031090-2 fazia referência ao BRDE, que é autarquia, os bancos tidos como públicos no plano em análise são a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil S.A., que são empresa pública e sociedade de economia mista respectivamente, submetidas ao regime jurídico de direito privado, cuja fiscalização pelo Tribunal de Contas da União respeita sua natureza jurídica e sua forma de captação de recursos é procedida do mesmo modo como a das instituições privadas, inclusive, sendo o Banco do Brasil empresa de capital aberto com ações negociadas em bolsa de valores.

Portanto, há nítida distinção entre a autarquia mencionada no julgado acima referido e os bancos tidos como públicos no plano aprovado, que, na verdade, são pessoas jurídicas de direito privado submetidas ao crivo do regime jurídico do art. 173, §1º, II, da Constituição Federal, que é cristalino:

Art. 173. [...] §1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: [...] II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (sem sublinhado no original)

A lei a que se refere a Constituição Federal neste dispositivo é a Lei n. 13.303/2016, que discorre:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade...

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