Acórdão nº 4663798 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 01-03-2021

Data de Julgamento01 Março 2021
Número do processo0021571-84.2010.8.14.0301
Data de publicação10 Março 2021
Número Acordão4663798
Classe processualCÍVEL - PETIÇÃO CÍVEL
Órgão1ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0021571-84.2010.8.14.0301

APELANTE: MUNICIPIO DE BELEM

APELADO: MARIA DAS DORES FERREIRA ABREU

RELATOR(A): Desembargadora CÉLIA REGINA DE LIMA PINHEIRO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO TRIENAL. REJEITADA. PRELIMINAR DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PREJUDICADA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. LIGADURA DE TROMPAS NÃO AUTORIZADA PELA PACIENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONDUTA ILÍCITA E NEXO DE CAUSALIDADE. ART. 373, I, DO CPC. RESPONSABILIDADE NÃO CARACTERIZADA. AFASTADA A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. APLICAÇÃO DOS EFEITOS AO LITISCONSORTE. ART. 1.005 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. JUSTIÇA GRATUITA. SENTENÇA REFORMADA.

1- Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Belém contra sentença que, nos autos da ação de indenização por danos morais c/c materiais, proposta em face do ente municipal e da Clínica Cirúrgica Samaritano Ltda, julgou parcialmente procedente o pedido exordial, condenando os réus ao pagamento de danos morais em favor da autora, mais honorários na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação;

2- É consolidado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. Prejudicial rejeitada;

3- Preliminar de denunciação da lide suscitada pelo apelante. Considerando o contexto fático e jurídico da matéria sob lume, torna-se pertinente a aplicação do art. 488, do CPC/15 na espécie, na medida em que o resultado do julgado virá ao encontro de quem aproveitaria a extinção do feito sem resolução do mérito. Preliminar prejudicada.

4- Cuida-se de laqueadura de trompas supostamente realizada na ocasião de um parto cesariano, cuja responsabilidade é imputada ao réu/apelante em virtude de o procedimento ter se dado sem a autorização da autora/apelada;

5- Em sede de responsabilidade civil da administração pública, a Constituição Federal consagrou, no §6º de seu art. 37, a teoria do risco administrativo, em que não se perquire a culpa administrativa; sendo suficiente a comprovação da conduta do ente público, do dano suportado pelo particular e do nexo de causa entre ambos;

6- A autora encartou, nos autos, cópia de exame de Histerossalpingografia que atesta Prova de Cottê negativa, ou seja, a obstrução de trompas, que pode se dar tanto por laqueadura, quanto por processo inflamatório;

7- Os réus colacionam prontuário de enfermagem, boletim operatório, descrição do mapa de controle de gastos no ato cirúrgico e declaração do médico que comprovam a realização de uma cesariana convencional, por conta de sofrimento fetal agudo, não havendo menção à laqueadura. Acórdão 687/2014 do Conselho Regional de Medicina absolve o médico da acusação de realização de laqueadura não autorizada na paciente;

8- A conduta ilegal imputada ao Município não resta comprovada pelo acervo processual, restando caracterizada a ausência de nexo de causalidade entre a obstrução tubária que acomete a autora e a conduta médica adotada durante a cesariana, o que afasta a responsabilidade do ente público pelo prejuízo suportado pela apelada e a obrigação de indenizar;

9- Aproveitam-se os efeitos do julgado ao litisconsorte passivo, nos termos do art. 1.005 do CPC, segundo o qual “o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos seus interesses;

10- Inversão do ônus sucumbencial, com fixação de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, à luz do inciso do §2º do art. 85 do CPC, ficando suspensa a exigibilidade, em virtude da gratuidade da justiça, a teor do § 3º, do art. 98, do CPC;

11- Recurso de apelação conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam, os Excelentíssimos Desembargadores, integrantes da 1ª Turma de Direito Público, à unanimidade, em conhecer do recurso de apelação e dar provimento, para reformar a sentença que condenou o Município de Belém ao pagamento de indenização por danos morais e julgar improcedente o pedido inicial, aproveitando-se os efeitos do julgado ao litisconsorte passivo, nos termos do art. 1.005 do CPC. Inverta-se o ônus sucumbencial com fixação de honorários na ordem percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa; ficando, porém, suspensa a exigência em virtude da justiça gratuita concedida, nos termos da fundamentação.

1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, na 05ª Sessão do seu Plenário Virtual, no período de 01/03/2021 a 08/03/2021. Relatora Exma. Sra. Desa. Célia Regina de Lima Pinheiro. Julgamento presidido pelo Exmo. Des. Roberto Gonçalves de Moura, tendo como segundo julgador a Desa. Ezilda Pastana Mutran e como terceiro julgador, o Exmo. Des. Roberto Gonçalves de Moura.

Desembargadora CÉLIA REGINA DE LIMA PINHEIRO

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. DESEMBARGADORA CÉLIA REGINA DE LIMA PINHEIRO (RELATORA):

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE BELÉM (ID 4046472 - Pág. 1-12), contra sentença (ID 4046470 - Pág. 8), proferida pelo juízo da 2ª Vara da Fazenda de Belém, que, nos autos da ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por MARIA DAS DORES FERREIRA ABREU contra o ora apelante e a Clínica Cirúrgica Samaritano Ltda, julgou parcialmente procedente a ação, condenando os réus a indenizar a autora no montante de R$60.000,00 (sessenta mil reais) a título de danos morais, com incidência de correção monetária e juros de mora, mais honorários na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Em 17/01/2017, após a sentença, prolatada em 22/08/2016, sob protocolo nº 2011.02206089-57, foi feito pedido de juntada de nova procuração da Clínica Samaritano, outorgando poderes para o Dr. Alfredo Augusto Casanova Nelson Ribeiro – OAB/PA nº 3.134 (4046471 - Pág. 1-2).

Em suas razões, o Município suscita prejudicial de prescrição e preliminar de denunciação da lide ao médico José Fernandes da Silva Neto – CRM nº 1285. No mérito, sustenta, em síntese: a inexistência de nexo de causalidade entre o serviço público prestado e o dano; a ausência de prova da execução da laqueadura e do dano moral suportado pela apelada; e a necessidade de medir a indenização pela extensão do dano.

Requer o conhecimento e provimento do recurso, com acatamento das preliminares, ou a improcedência da lide e, alternativamente, a redução do valor da condenação.

A apelada colaciona aos autos ementa do acórdão nº 687/2014 prolatado pelo CRM-PA (ID 4046473 - Pág. 1-3). Apresenta contrarrazões, refutando os argumentos do apelante e requerendo o desprovimento do recurso (ID 4046474 - Pág. 1-3).

Coube-me, o feito, por distribuição (ID 4046474 - Pág. 5).

O Ministério Público, nesta instância, entendendo pela ausência de interesse público e relevância social na causa, a teor da Recomendação 34/2016 do CNMP, pronuncia-se pela desnecessidade de sua manifestação, devolvendo os autos para prosseguimento nos ulteriores de direito (ID 4046476 - Pág. 1-3).

Determinada a certificação sobre a intimação da Clínica Cirúrgica Samaritano SC Ltda a respeito da sentença; bem como sobre a apresentação de recurso pela referida ré (ID 4046477 - Pág. 4). A Secretaria Única das Varas da Fazenda da Capital certifica a intimação da ré, ocorrida em 1/6/2017, e a ausência de recurso (ID 4046477 - Pág. 6-7).

Em 14/03/2019, foi protocolizada petição com renúncia de poderes pelos advogados da Clínica Samaritano (ID 4046478 - Pág. 1); sendo, então, determinada a intimação da ré para constituir advogado, a teor dos arts. 111 e 76 do CPC (ID 4046479 - Pág. 1). Frustrada a intimação da Clínica, foi determinada a intimação do representante legal da instituição (ID 4046482 - Pág. 9), que foi cumprida, de acordo com certidão da Secretaria Única de Direito Público e Privado (ID 4046482 - Pág. 13).

Determinada a intimação pessoal dos advogados indicados à fl. 132, para apresentarem prova da comunicação de renúncia de poderes, nos termos do art. 112 do CPC (ID 4046482 - Pág. 15). Certificada a intimação infrutífera (ID 4046482 - Pág. 32).

Determinei a intimação do Conselho Regional de Medicina do Pará – CRM, para trazer aos autos inteiro teor do Acórdão 687/2014 (ID 4046482 - Pág. 34).

Certificada a digitalização dos autos físicos a migração do LIBRA para o PJE (ID 4046483 - Pág. 1; 4047058 - Pág. 1).

Juntada de cópia do Acórdão 687/2014 proferido nos autos do Processo Ético Profissional nº 06/2019/CRM (ID 4320071; 4320086; 4320089; 4320090; 4320091; 4320092; 4320093; 4320094; 4320096; 4320098; 4320099; 4320161; 4320162; 4320163; 4320465; 4320467; 4320468; 4320469; 4320470).

Manifestação do Município (ID 4462659).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. DESEMBARGADORA CÉLIA REGINA DE LIMA PINHEIRO (RELATORA):

Prejudicial de prescrição

As razões recursais defendem o prazo prescricional trienal, com base na prevalência do art. 206, § 3º, V, do Código Civil/2002 sobre o quinquênio previsto no art. 1º, do Decreto 20.910/32.

Nos dizeres de Maria Sylvia Di Pietro (2011, p. 769), “o Decreto 20.932/32 não afeta o CC/2002, pois este disciplina a prescrição incidente nas relações entre particulares, enquanto naquele nas relações que envolvem o Poder Público”.

A orientação de Marçal Justen Filho (2010, p. 1296-1299):

A questão da ação de reparação de danos

Como já referido, o art. 206, § 3°, V, do Código Civil fixa em três anos o prazo da prescrição da ação versando pretensão de reparação civil. Essa regra não se aplica às ações que envolvam pretensão de reparação civil dirigida contra a Fazenda Pública.

Assim se passa porque a regra do Código Civil é genérica. A prescrição da ação versando pretensão contra a Fazenda Pública está disciplinada de modo especial no Decreto n. 20.910/32.

(...)

Ora, a superveniência...

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