Acórdão nº 4710827 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Público, 15-03-2021

Data de Julgamento15 Março 2021
Número do processo0001206-60.2019.8.14.0085
Data de publicação16 Março 2021
Acordao Number4710827
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão2ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0001206-60.2019.8.14.0085

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARA

APELADO: MUNICIPIO DE INHANGAPI

RELATOR(A): Desembargador LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO

EMENTA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FECHAMENTO DE ESCOLAS RURAIS. PROJETO DE NUCLEAÇÃO ESCOLAR. INOCORRÊNCIA DE PRÉVIA CONSULTA ÀS COMUNIDADES IMPACTADAS. INEXISTÊNCIA DE OITIVA DE ESPECIALISTAS. EVIDENTE PREJUÍZO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES INSERIDOS NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, SOBRETUDO QUILOMBOLAS E RIBEIRINHOS. DESRESPEITO À LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO E AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, BEM COMO DA RESOLUÇÃO N.º 485/2009, DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO À UNANIMIDADE.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da 2.ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, CONHECER e DAR PROVIMENTO, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador José Maria Teixeira do Rosário.

Belém (PA), 15 de março 2021.

Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Inhangapi, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada em desfavor do MUNICÍPIO DE INHANGAPI, nos termos do seguinte dispositivo:

“Ante o exposto, indefiro o pedido inicial no que se refere à ilegalidade do ato de efetivação do projeto de nucleação do ensino municipal, por estar devidamente conformado com a norma vigente, e, julgo o processo, neste ponto, com resolução de mérito nos termos do art. 487, I do CPC. Em relação ao pedido de ilegalidade formal do ato, por descumprimento do art. 41 da resolução 485/2009 do CEA/PA, declaro a inexistência do interesse processual pelo não exaurimento da via administrativa exarada em norma, e, julgo o processo sem resolução de mérito nos termos do art. 485, VI do CPC. Em relação a impugnação do mérito do ato de gestão em questão, reconheço se tratar de política pública, nos limites de discricionariedade do gestor, sem possibilidade de intervenção judicial, em respeito ao principio de separação dos poderes, e, julgo o processo sem resolução do mérito nos termos do art. 485, VI do CPC por falta de interesse processual em relação a adequação do pedido.”

Consta dos autos que o apelante ajuizou a mencionada Ação Civil Pública em virtude de o recorrido, para implantar o Projeto de Nucleação Escolar, pretender fechar 19 das 24 escolas existentes no Município, sendo que a maioria da população reside em área rural, onde estão localizadas grande parte das referidas escolas, frequentadas por comunidades quilombolas e ribeirinhas.

Ainda segundo o caderno processual, as referidas comunidades tradicionais correm o grave risco de se evadirem da escola, em decorrência da dificuldade no deslocamento, o que viola o direito ao acesso à educação.

Diante desse cenário, o Órgão Ministerial pugnou, em liminar, que fosse determinado ao Município de abstivesse de fechar as escolas rurais, quilombolas e ribeirinhas, bem como garantisse a presença de professores e profissionais da educação nas escolas em tela.

A medida de urgência foi negada e, no mérito, julgado improcedente o pedido autoral, por duas razões: a uma por entender que o Projeto de Nucleação Escolar não padece de nenhuma ilegalidade que justifique a interferência do Judiciário e; a duas, pois não foi exaurida a via administrativa para o deslinde da questão.

Irresignado, o apelante interpôs o presente recurso, por meio do qual alega que, pelo Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, não há que se falar de necessidade de esgotamento da via administrativa no caso concreto, menos ainda de desrespeito à Separação dos Poderes, ante a evidente necessidade de que se exerça o controle de legalidade, já que, na situação posta à apreciação nos autos, não se questiona a conveniência e oportunidade dos atos do alcaide, mas “a constatação de atos ilegais perpetrados pelo Demandado, visto que deixou de observar os trâmites procedimentais prévios à implementação da nucleação das escolas do campo, tais como a oitiva das comunidades afetadas, realização de impacto sociocultural por profissionais habilitados da área, dentre outros.”.

Acrescenta que a Lei de Diretrizes e bases para Educação – LDBEN e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem a garantia de vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima da residência do aluno, bem como a oferta de educação básica para a população rural, promovendo as adaptações necessárias à sua adequação as peculiaridades da vida rural e de cada região.”

E mais, segundo os normativos legais, o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação das comunidades afetadas, que considerarão a justificativa da Secretaria de Educação, da análise do diagnóstico do impacto da ação e da manifestação da comunidade escolar, algo que não houve no presente caso.”

Sustenta que o ato questionado viola diversos preceitos legais, desde Constituição Federal até Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário, especialmente pelo fato de comunidades quilombolas estarem sendo atingidas.

Ante a esses argumentos, requer o conhecimento e provimento do apelo a fim de tornar sem efeito o ato administrativo que determinou o fechamento das escolas discriminadas na inicial, em especial as situadas nas comunidades quilombolas, bem como suas imediatas reativações.

Em contrarrazões, o apelado pugna pelo improvimento recursal, defendendo a legalidade do Projeto de Nucleação Escolar, bem como a impossibilidade de interferência do Poder Judiciário no mérito administrativo.

Remetidos a essa Superior Instância, os autos vieram-me distribuídos, ocasião em que recebi o recurso no duplo efeito, bem como determinei sua remessa ao parecer do custos legis.

Nessa condição, o Procurador de Justiça Waldir Macieira da Costa Filho manifesta-se pelo conhecimento e provimento do apelo.

Pautado o feito para a sessão do dia 01/03/2021, o apelado solicitou o adiamento do julgamento para tentativa de conciliação, o que foi por mim deferido, tendo se realizado a audiência para tal fim, presentes as partes, na data de 11/03/2021, restando infrutífera a tratativa.

É o relatório. À Secretaria para inclusão do feito na pauta de julgamento da próxima sessão desimpedida.

Belém, 08 de fevereiro de 2021.

DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO.

RELATOR

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise.

De início, e sem delongas, afirmo que os argumentos deduzidos no apelo merecem prosperar, como passo a demonstrar.

O primeiro ponto que merece enfrentamento diz respeito a desnecessidade de esgotamento das vias administrativas no caso concreto.

Como consta do relatório, um dos fundamentos do magistrado sentenciante foi a falta de interesse de agir, sob a alegação de que, primeiramente, o apelante deveria ter exaurido a esfera administrativa antes de trazer a questão ao Poder Judiciário, o que, de toda forma, não se sustenta juridicamente, no caso concreto.

Ora, como se sabe, é princípio fundamental estabelecido em nossa Carta Magna a Inafastabilidade da Jurisdição, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que dispõe que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Assim, se por um lado cabe ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, por outro lado é assegurado a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos o acesso aos órgãos judiciais.

Desse modo, não há que se falar em falta de interesse de agir no caso posto à apreciação.

De outra banda, comungo do entendimento do custos legis quando afirma que magistrado sentenciante não deixou claro quando consigna que não foram exauridas as vias administrativas, motivo por que reproduzo os seguintes trechos de seu parecer, os quais adoto como razão de decidir, verbis:

“Ademais, analisando os autos verifico não ficou claro na sentença o que o d. juízo entende por exaurimento da via administrativa, pois o parquet de 1º grau utilizou-se da via administrativa interna, realizando reuniões, encaminhamento de ofícios, dentre outras medidas para a obtenção das informações necessárias.

Além...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT