Acórdão Nº 5000006-35.2021.8.24.0003 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 12-05-2022

Número do processo5000006-35.2021.8.24.0003
Data12 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000006-35.2021.8.24.0003/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: DOMINGOS BUZZACARO (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Domingos Buzzacaro contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da comarca de Anita Garibaldi que, nos autos da "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", ajuizada em desfavor de Banco Pan S.A., julgou improcedentes os pedidos iniciais (evento 15, SENT1).

O dispositivo da sentença foi redigido nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido (art. 487, I, do CPC), condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC/2015, observados os critérios do grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da lide, o trabalho realizado e o tempo exigido, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiário da gratuidade judiciária (art. 98, §3º, do CPC).

Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação cível (evento 19, APELAÇÃO1), no qual sustenta, em síntese: que nunca contratou ou pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado (RMC); que nunca solicitou, ou utilizou o cartão de crédito supostamente disponibilizado; que foi induzida em erro ao contratar produto bancário diverso do almejado, porquanto nunca desejou qualquer cartão de crédito, apenas um empréstimo consignado padrão; que a prática do réu acarreta danos morais. Requer, ao final, o seguinte:

Ante o exposto, requer a parte Apelante, respeitosamente, a Vossas Excelências, o PROVIMENTO do presente recurso de Apelação, na forma das razões antes alinhadas, para reformar a sentença atacada, reconhecendo a fraude contratual existente na presente relação jurídica, aliada com a falta de informação prestada ao aposentado, da ausência de utilização do cartão de crédito e dos descontos indevidos do benefício previdenciário da Apelante, o qual utiliza para sua subsistência, condenando o Banco Réu ao pagamento de dano material das parcelas mensais descontadas, bem como dano moral pelo ato ilícito cometido. Ainda, condenar a Ré ao pagamento das custas e dos honorários sucumbenciais.

O banco réu/apelado apresentou contrarrazões (evento 23, CONTRAZAP1) nas quais arguiu que a contratação é legal e regular, que a parte autora assinou a avença, os valores correspondentes teriam sido depositados em sua conta corrente e não haveria ato ilícito, nem danos morais e materiais. Requer desprovimento ao recurso.

Ascenderam os autos a esta Corte.

Petição de evento 13, PET1, arguindo a prescrição e juntando documentos.

Petição de evento 20, PET1 rechaçando a prescrição e, subsidiariamente, postulando o reconhecimento da prescrição trienal com o pagamento dos valores não atingidos por ela.

É o suficiente relatório.

VOTO

I Do pleito da parte ré neste segundo grau de jurisdição

Da prescrição

Em petição de evento 13, PET1, a parte recorrida argui a prescrição. Entretanto, o prazo aplicável é o quinquenal, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, e seu termo inicial é contado do último desconto referente ao empréstimo. Segue precedente desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.CONTRARRAZÕES. PRESCRIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL À ESPÉCIE. INTELIGÊNCIA DO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO STJ. TERMO INICIAL. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. LAPSO TEMPORAL NÃO EXAURIDO.ALEGAÇÃO DO CONSUMIDOR DE QUE PRETENDIA CONTRATAR EMPRÉSTIMO COM MARGEM CONSIGNADA E NÃO CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA. ACOLHIMENTO DA TESE PELO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE, INCLUINDO O DANO MORAL. POSIÇÃO INDIVIDUAL DIVERGENTE RESSALVADA NO VOTO. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJSC, Apelação n. 5008058-18.2021.8.24.0036, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 03-05-2022).

Destarte, as faturas juntadas dão conta de que, pelo menos, até o ano de 2021, os descontos estariam ocorrendo, o que é suficiente para afastar a prescrição levantada.

II Do apelo da parte requerente

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1 Do contrato de cartão de crédito consignável

Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.

A parte autora/apelante afirma ser nula a contratação do empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), ao argumento de que foi induzida em erro pelo banco réu, uma vez que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado como tantos outros já celebrados entre as partes.

O banco réu/apelado, por sua vez, sustentou a regularidade e a legalidade da contratação.

Pois bem.

Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).

E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:

Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.

[...]

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).

No presente caso, o banco réu comprovou a existência de liame contratual entre as partes mediante a juntada do "Termo de adesão ao regulamento de cartão de crédito e cartão de crédito consignado PAN" n. 728442756 (evento 9, DOCUMENTACAO8).

Além disso, o comprovante de transferência (evento 9, DOCUMENTACAO5) corrobora a efetivação de depósito em conta-corrente de titularidade da parte autora. Assim, infere-se que houve a formalização de contrato entre as partes, bem como a liberação dos valores referentes aos saques do cartão de crédito na conta-corrente da parte autora.

Ressalta-se, no entanto, que a autora não nega ter celebrado contrato de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado (evento 1, INIC1). A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "padrão", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.

Com efeito, ao que se infere das faturas juntadas pelo réu/apelado (evento 9, DOCUMENTACAO3), com vencimentos de 7-1-2016 a 7-3-2021, o valor sacado foi cobrado integralmente e de uma única vez na primeira fatura do cartão de crédito, acrescido de IOF e encargos de financiamento. Na fatura seguinte (7-2-2016), o valor do pagamento mínimo é pouco superior aos encargos contratuais incidentes em tal fatura.

Observa-se, portanto, que o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos moratórios e os valores referentes ao IOF, o que torna a dívida quase infindável, porquanto acrescida mensalmente de encargos moratórios invencíveis, que dificultam a sua quitação em um tempo razoável.

Ademais, infere-se das faturas juntadas que não houve a utilização do cartão de crédito para nenhuma outra compra, o que corrobora a alegação do autor de que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual serviu exclusivamente para a finalidade de saque.

Nesse prisma, é evidente que a avença celebrada em modalidade diversa daquela pretendida pelo autor - com prazo e valores fixos - mostra-se mais onerosa e prejudicial ao consumidor, o qual, se tivesse real conhecimento de todas as cláusulas contratuais incidentes, jamais buscaria tal meio de crédito, que lhe coloca nessa situação de tamanha desvantagem.

Por bem esclarecer as peculiaridades concernentes ao tema em questão, notadamente a diferença entre o empréstimo consignado e o empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cabe colacionar excerto de julgado proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella nos autos da Apelação Cível n. 5000301-75.2020.8.24.0175:

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a...

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