Acórdão Nº 5000076-61.2020.8.24.0076 do Quarta Câmara de Direito Público, 22-09-2022

Número do processo5000076-61.2020.8.24.0076
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000076-61.2020.8.24.0076/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

APELANTE: FUNDACAO CATARINENSE DE EDUCACAO ESPECIAL-FCEE (RÉU) APELADO: FABIANA PEREIRA ZEFERINO BON (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Turvo, Fabiana Pereira Zeferino Bon ajuizou "ação ordinária" contra Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE.

Argumentou que participou do concurso público regido pelo edital n. 001/2014, deflagrado pela Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE, e defendeu a ocorrência de preterição na convocação dos candidatos, ante a contratação massiva de professores temporários.

Devidamente instruída, a lide foi julgada nos seguintes termos (Evento 34, 1G):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido da parte autora, o que faço com força no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, declaro a existência do direito da parte autora à nomeação ao cargo de professor, pelo concurso público de edital n°01/2014.

Confirmo a tutela concedida.

Sem custas e honorários em Primeiro Grau.

P.R.I.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

Irresignada, a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) recorreu. Argumentou que: a) a apelada foi aprovada fora do número de vagas previstas em edital e possui mera expectativa de direito à nomeação; b) não houve preterição arbitrária; c) os credenciamentos e convênios confirmam a transitoriedade e excepcionalidade das contratações; d) a nomeação não pode ser convalidada pelo judiciário, sob pena de usurpação e esvaziamento da discricionariedade da Administração Pública; e e) a quantidade de vagas estipulada no IAC (Tema n. 14) é equivocada. Ao fim, pugnou pelo prequestionamento da matéria (Evento 39, 1G).

Com contrarrazões (Evento 45, 1G), os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 50, 1G).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual merece conhecimento.

Recebo-o em seus efeitos legais.

Por meio do edital n. 01/2014, a Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE deflagrou concurso público para provimento do cargo de professor do quadro de magistério em instituições conveniadas com a FCEE.

A apelante se candidatou para a 22ª região e foi classificada na 38ª posição, sendo que as 14 vagas previstas inicialmente em edital foram preenchidas.

Contudo, dentro do prazo de validade do certame, a apelada abriu novos processos seletivos para contratação de professores temporários, nos quais foram convocados outros candidatos em detrimento dos candidatos aprovados para cargo efetivo.

O Supremo Tribunal Federal já analisou a controvérsia no Recurso Extraordinário n. 837.311 e pacificou que o surgimento de novas vagas só gera o direito subjetivo à nomeação quando evidenciada a preterição de candidatos de forma arbitrária pela Administração Pública.

Tal é o entendimento que se extrai da tese firmada no precedente paradigma (Tema n. 784):

O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses:I - Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital;II - Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação;III - Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.

Todavia, especificamente em relação ao concurso sub examine, cumpre destacar que a situação apresentada não é desconhecida deste Pretório.

O Grupo de Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça Catarinense, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência n. 0301481-23.2015.8.24.0076, consolidou o Tema n. 14, e firmou as consecutivas teses jurídicas vinculantes:

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA (TEMA N. 14) CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE PROFESSOR DA FUNDAÇÃO CATARINENSE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL - FCEE (EDITAL N. 01/2014). APROVAÇÃO DA CANDIDATA FORA DO NÚMERO DE VAGAS. PRETERIÇÃO EM RAZÃO DE REITERADA E MASSIVA CONTRATAÇÃO DE TEMPORÁRIOS PARA SUPRIR A DEMANDA REGULAR DA FUNDAÇÃO, EMBORA EXISTENTE QUANTIDADE SIGNIFICATIVA DE CARGOS VAGOS. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE AMOLDA À PERMISSÃO CONSTITUCIONAL DE CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDER A NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. MANIFESTA VIOLAÇÃO AO PRECEITO DO CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II E IX, DA CF/88. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE CONVOLAÇÃO DA EXPECTATIVA DE CONVOCAÇÃO EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO, TRAÇADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE N. 837311/PI, TEMA N. 784 DE REPERCUSSÃO GERAL. FIXAÇÃO DE PARÂMETROS OBJETIVOS A NORTEAR A APRECIAÇÃO DA CONTROVÉRSIA NAS DEMANDAS INDIVIDUAIS. Tese jurídica fixada: 1) A situação específica do quadro docente da Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE desponta manifestamente inconstitucional, no período de 2014 a 2018, por força da contratação irregular e reiterada de profissionais em caráter temporário, embora existente quantidade significativa de cargos efetivos vagos. 2) Essa circunstância caracteriza preterição arbitrária e imotivada de candidatos aprovados no concurso público regido pelo Edital n. 001/2014, diante do comportamento expresso do Poder Público a revelar a inequívoca necessidade de nomeação durante o período de validade do certame (STF, RE n. 837311/PI, Tema n. 784 de Repercussão Geral, rel. Min. Luiz Fux, DJe 15.04.2016). 3) Nesse panorama, considerando a demanda existente na Fundação, possuem direito subjetivo à nomeação os candidatos aprovados, segundo a ordem classificatória do concurso e observada a seguinte distribuição regional: [tabela às fls. 26-28 do acórdão]. CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO, NO JULGAMENTO DO INCIDENTE, DE QUE OS 49 CANDIDATOS MELHOR CLASSIFICADOS NA 22ª REGIÃO (ARARANGUÁ) POSSUEM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. AUTORA OCUPANTE DA POSIÇÃO N. 47 DO CADASTRO DE RESERVA DESTA REGIÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Incidente de Assunção de Competência n. 0301481-23.2015.8.24.0076, de Turvo, rel. Jaime Ramos, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 23-10-2019).

Conforme extrai-se do inteiro teor do acórdão acima destacado:

Consta dos autos que a Gerência de Gestão de Pessoas da FCEE informou, em certas manifestações, a existência de 2.000 cargos de professor na Fundação, e, em outras, o total de 1.063 cargos efetivos de docentes providos. Destes, atualmente 981 estariam preenchidos, segundo informação prestada pela FCEE em 04.06.2019 (fls. 2049/2050).

Por sua vez, o número de professores admitidos em caráter temporário pela FCEE está efetivamente demonstrado nos autos, qual seja: 2.765 professores ACTs em 2013; 2.884 em 2014; 2.694 em 2015; 2.639 em 2016; 2.712 em 2017; e 2749 em 2018. Para o ano letivo de 2019, a Gerente de Ingresso e Movimentação de Pessoal da FCEE previa a contratação de 3.000 professores temporários.

Logo, é inequívoco o vulto da diferença entre o número de professores efetivos e temporários na FCEE. A quantidade de ACTs supera, em muito, a de servidores efetivos, ainda que considerado o regime distinto de horas-aula (efetivos com carga padrão de 40 horas semanais; temporários, em geral, com regime de 20 horas). Essa situação se estende há anos, sem qualquer elemento nos autos a indicar uma perspectiva de modificação substancial em curto ou médio prazo.

Dado esse contexto, parece-me que a questão jurídica central a ser enfrentada pelo Grupo de Câmaras de Direito Público, neste julgamento, é a higidez da atuação da Fundação Catarinense de Educação Especial, no tocante ao seu quadro de professores, frente os preceitos da Administração Pública proclamados pela Constituição Federal.

A própria demandante, na petição inicial, ao aduzir a ocorrência de preterição, assenta sua pretensão na alegada irregularidade na contratação de professores temporários pela FCEE, sustentando estarem ausentes os pressupostos fixados no art. 37, IX, da Constituição Federal, atinente à "necessidade temporária de excepcional interesse público".

Com efeito, essas questões se afiguram imprescindíveis para a resolução efetiva da controvérsia: a contratação sistemática de professores temporários para desempenhar funções de caráter permanente e constante nos quadros da FCEE viola diretamente a Constituição Federal? Tal situação caracteriza preterição arbitrária e imotivada do candidato aprovado em posição imediatamente subsequente no concurso público para a mesma função docente?

Primeiramente, tenho por fundamental assentar que Constituição da República estabelece, dentre os alicerces normativos da Administração Pública, os preceitos atinentes à forma de provimento de cargos e atendimento às necessidades de serviços pelos entes federados, nestes termos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[...]

IX - a lei...

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