Acórdão Nº 5000079-82.2020.8.24.0054 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 29-06-2021

Número do processo5000079-82.2020.8.24.0054
Data29 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000079-82.2020.8.24.0054/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER


APELANTE: NISIA FOSTER ROSATTI (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Nisia Foster Rosatti interpôs Recurso de Apelação (Evento 29) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Rio do Sul que, nos autos da "ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de indenização por dano moral c/c repeticao de indébito", ajuizada em face de Banco Cetelem S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta por NISIA FOSTER ROSATTI contra o BANCO CETELEM S.A., nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança resta sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.
Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
(Evento 25)
Em suas razões recursais, a Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "realizou, em outras oportunidades, empréstimos consignados com a instituição financeira Recorrida, os quais são descontados mensalmente no benefício previdenciário, mas que nunca pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado - RMC."; (b) "A pretensão da parte Recorrente é de ver declarada a nulidade e/ou inexistência de contrato de aquisição de cartão de crédito, com a condenação do Banco Recorrido ao pagamento de indenização por danos morais, devolução em dobro dos valores pagos, tudo com base na existência de vício de consentimento (induzimento em erro), vedação à venda casada, abusividade do contrato, falta de informação ao consumidor, extrema vantagem da casa bancária em face do consumidor"; (c) "o objeto da presente demanda é o desconto indevido referente ao EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC, bem como a RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC), da qual a parte Recorrente NUNCA OBJETIVOU CONTRATAR."; (d) "jamais utilizou o cartão de crédito disponibilizado, o que corrobora a ausência de interesse na pactuação deste serviço." e; (e) "Estes autos refletem nítida falha na prestação de serviço, em especial a existência de vício de consentimento, pois o Banco Recorrido induziu em erro a parte Recorrente, trazendo prejuízos a esfera moral e patrimonial desta, razão pela qual o provimento do recurso e a procedência dos pedidos do consumidor é medida que se impõe e se requer.".
Empós, o oferecimento das contrarrazões (Evento 35), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.
É o necessário escorço

VOTO


Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.
Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em agosto de 2020, isto é, já na vigência do CPC/2015.
1 Do Recurso
1.1 Da declaração de inexistência de débito
A Demandante ajuizou "ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de indenização por dano moral c/c repeticao de indébito" em face do Banco Cetelem S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.
Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento e; (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.
O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta por NISIA FOSTER ROSATTI contra o BANCO CETELEM S.A., nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança resta sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.
Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
(Evento 25)
Aflora do caderno processual ser incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.
Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "proposta de adesão - cartão de crédito consignado" (Evento 18, Contrato 2).
A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).
Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.
Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.
Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.
Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.
Com efeito, a Demandante é idosa, aposentada e detentora da benesse da gratuidade da justiça.
Dos extratos de pagamentos do benefício n. 157.351.107-0 (Evento 1, Extrato 6 e Histórico de Créditos 7), observo a existência de: (a) empréstimos consignados ativos e; (b) desconto a título de empréstimo RMC.
É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.
Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre que o cartão de crédito foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.
A propósito, quanto a este aspecto, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.
É ilógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.
Gizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.
A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua...

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