Acórdão Nº 5000080-08.2021.8.24.0030 do Terceira Câmara Criminal, 19-10-2021

Número do processo5000080-08.2021.8.24.0030
Data19 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5000080-08.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO

APELANTE: DANIEL AMARAL DA CUNHA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: O ministério público ofereceu denúncia contra Daniel Amaral da Cunha, recebida em 2/2/2021 (Evento 31), dando-o como incurso nas sanções do "art. 33, caput, c/c art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006", pela prática dos seguintes fatos delituosos (Evento 1 - Denúncia 2):

No dia 9 de janeiro de 2020, por volta das 15h, na Praia do Rosa Norte, nesta cidade e Comarca de Imbituba, o denunciado Daniel Amaral da Cunha trazia consigo, em uma pochete, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, aproximadamente: 21 micropontos de LSD, 58 comprimidos de ecstasy, com cerca de 14 g (quatorze gramas), e 14 papelotes de MD, com cerca de 25 g (vinte e cinco gramas).

Segundo consta, a Polícia Militar recebeu informações de que pessoa com características do denunciado estava na Praia do Rosa Norte oferecendo droga em barracas da praia. A guarnição deslocou-se ao local e abordou o denunciado, que trazia consigo as drogas acima mencionadas e R$ 1.577,15 (mil reais, quinhentos e setenta e sete reais e quinze centavos) em espécie. Na oportunidade o denunciado estava acompanhado da criança M. K. L. da S..

Ato contínuo, uma guarnição da Polícia Militar deslocou-se até a residência do denunciado, onde, após autorização de ingresso, constatou-se que ele manteve em depósito, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, 2,2 g (duas gramas e vinte decigramas) de maconha e 0,7 g (sete decigramas) de cocaína, além de duas balanças de precisão.

As substâncias apreendidas referem-se às drogas conhecidas popularmente como maconha, cocaína, LSD, ecstasy e MD, que possuem a capacidade de provocar dependência física e/ou psíquica, sendo o comércio e uso delas proscritos em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria n. 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

A prática do tráfico de drogas envolveu a criança M. K. L. da S., que contava 10 anos na data dos fatos, pois durante a abordagem na praia o denunciado estava acompanhado da criança.



Sentença: Após a regular instrução do processo criminal, o juiz do primeiro grau proferiu a seguinte decisão (Evento 120):

[...] 6- Dispositivo

À vista do exposto, JULGO parcialmente PROCEDENTE a denúncia, para CONDENAR DANIEL AMARAL DA CUNHA como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, aplicando-lhe pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e pagamento de 683 (seiscentos e oitenta e três) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato para cada dia.

Nego ao condenado o direito de recorrer em liberdade, conforme fundamentado acima.

Custas pelo condenado.

Após o trânsito em julgado:

a) lance-se o nome dos réu no rol dos culpados;

b) procedam-se às devidas comunicações recomendadas pela egrégia Corregedoria-Geral da Justiça;

c) proceda-se ao recolhimento da pena pecuniária, na forma do art. 50 do Código Penal e art. 686 do Código de Processo Penal;

d) providencie-se a execução da pena, observando-se o disposto no art. 42 do Código Penal;

e) providencie-se a incineração da substância tóxica apreendida, o que deve ser efetivado no prazo e na forma estipulados nos §§ 1º e 2º do art. 32 da Lei n. 11.343/06, preservada a fração destinada a eventual contraprova já reservada, conforme consta no laudo pericial acostado nos autos, em observância ao preceituado no § 1º do art. 58 do mesmo diploma legal;

f) declaro o perdimento dos bens apreendidos (valores e balança), pois demonstrada a origem ilícita e a utilização de tais bens para a prática do narcotráfico, que deverão ser revertidos diretamente ao Funad (art. 63, §1º, da Lei n. 11.343/06); em caso de desinteresse pelo Funad, na hipótese de valor insignificante e inviabilidade de doação, determino desde já sua destruição.

Em caso de recurso, antes da remessa dos autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, formem-se os competentes PECs Provisórios, na forma do art. 321 do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça.

P.R.I. Arquive-se.



Apelação interposta pela defesa: Por seu advogado constituído, o apelante requer: "a) o reconhecimento do flagrante preparado no presente caso, de acordo com os fundamentos evidenciados no presente recurso em concordância com a Súmula 145 do STF; b) o afastamento das circunstâncias utilizadas pelo juízo singular para elevar a pena base do apelante, mais especificamente: I - quanto à suposta prática do tráfico de drogas em local de grande circulação de pessoas e durante a luz do dia; II - quanto ao fato de supostamente o tráfico ter sido praticado na presença de uma criança; III - quanto à natureza e quantidade da droga apreendida, conforme fundamentação já exposta; c) seja restabelecido o regime inicial do cumprimento de pena condizente com o seu quantum, qual seja o semiaberto, pois configurado flagrante bis in idem, ante a utilização da reincidência do apelante para aumentar a pena na primeira fase e para agravar na segunda fase; d) Por fim, nobres desembargadores, frente à coação ilegal demonstrada, conforme o conteúdo da própria CF e, em específico, na presente hipótese, dos artigos 282, Parágrafo 6º, 312, 315, 316 e 319 do CPP, requer a revogação da prisão preventiva restabelecendo-se a condição de liberdade de Daniel Amaral da Cunha, com eventuais medidas cautelares diversa da prisão, se for o caso, para que continue respondendo o feito em liberdade" (Evento 22 - 2º Grau).

Contrarrazões: A acusação impugnou as razões recursais defensivas, requerendo: "o conhecimento e desprovimento do apelo" (Evento 26 - 2º Grau).

Parecer da PGJ: Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o exmo. sr. Dr. Hélio José Fiamoncini, que opinou pelo "conhecimento e pelo não provimento do apelo, mantendo-se incólume a sentença condenatória proferida em primeiro grau de jurisdição" (Evento 29 - 2º Grau).

Documento eletrônico assinado por JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1374792v22 e do código CRC 61d836e2.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELOData e Hora: 21/9/2021, às 10:5:49





Apelação Criminal Nº 5000080-08.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO

APELANTE: DANIEL AMARAL DA CUNHA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Trata-se de apelação interposta pela defesa de Daniel Amaral da Cunha contra a sentença que, julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, aplicando-lhe pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e pagamento de 683 (seiscentos e oitenta e três) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato para cada dia.

Conheço do recurso, porque preenchidos seus requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, e passo à análise da matéria devolvida a conhecimento desta Colenda Câmara Criminal:



1. TESES DEFENSIVAS

1.1 Preliminar: alegado flagrante preparado

Como visto no relatório, a defesa alega, preliminarmente, a nulidade da prisão em flagrante do apelante, "diante da existência de crime impossível, ante a configuração do flagrante preparado, uma vez que o policial teria se passado por usuário e, por conseguinte, provocado a conduta do acusado".

Sustenta que: "embora o juiz tenha alegado [...] que a conduta de quem vende entorpecente a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente, se equipara ao tráfico de drogas, o agente policial não pode provocar a consumação do ato". Aduz que, na hipótese: "há provas suficientes de que um policial à paisana abordou o apelante", considerando o interrogatório judicial do acusado e os depoimentos das duas testemunhas da defesa, que estariam em consonância com o conjunto probatório.

Adianto, sem razão.

Como se sabe, há flagrante preparado quando um terceiro (pseudovítima, policial, etc.) provoca o agente à prática do delito, ao mesmo tempo em que age para impedir o resultado. Nesse caso, ante a ausência de vontade livre e espontânea do agente, que é induzido à prática da ação delituosa, não há crime.

É o que preleciona, a saber, o enunciado n. 145 da súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, atualmente vigente, segundo o qual: "Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação" (Data de aprovação: Sessão Plenária de 13/12/1963).

Especificamente no que toca ao crime de tráfico de drogas, cabe frisar que existem dezoito verbos alternativos no tipo penal incriminador. Por isso, quando policiais se passam por usuários, pedindo ao traficante que lhes venda droga, dá-se voz de prisão em flagrante não pela venda, mas pelas outras condutas antecedentes e voluntárias, de caráter permanente, como "ter em depósito", "guardar" ou "trazer consigo". Sobre o tema, ensina o doutrinador Guilherme de Souza Nucci:

Flagrante provocado ou preparado: é o denominado crime de ensaio, ou seja, quando um terceiro provoca o agente à prática do delito, ao mesmo tempo em que age para impedir o resultado. Havendo eficácia na atuação do agente provocador, não responde pela tentativa quem a praticou. É o disposto na Súmula 145 do STF ("Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação"). Embora a súmula faça referência somente à polícia...

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