Acórdão Nº 5000109-93.2019.8.24.0235 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 15-06-2021

Número do processo5000109-93.2019.8.24.0235
Data15 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000109-93.2019.8.24.0235/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: AGLAER DE CARVALHO PEREIRA (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: LUCIANO LAERTE PAGNO (OAB SC034248) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Banco BMG S/A e Aglaer de Carvalho Pereira contra sentença de parcial procedência (evento 22) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Aglaer de Carvalho Pereira contra o Banco BMG S/A, para:
a) ANULAR o contrato firmado entre as partes (ev. 1, doc. 6 - n. 11992871), retornando ao status quo ante, com o consequente cancelamento da operação bancária e a restituição das partes à situação anterior ao contrato firmado, cabendo à parte demandante a devolução dos valores tomados com o empréstimo e à parte demandada a restituição das prestações quitadas, observado o item "b", e, por consequência, confirmo a decisão que antecipou os efeitos da tutela proferida em sede de agravo de instrumento (ev. 18), para DETERMINAR ao réu que suspenda o registro de RMC, bem como os descontos no benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez (N.B. 529.251.543-0).
b) DETERMINAR a restituição/compensação dos valores descontados de forma indevida relativos aos contrato n. 11992871, na forma simples, acrescidos de correção monetária pelo INPC a partir da data do efetivo desembolso, além de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação.
c) AUTORIZAR a compensação entre os créditos e débitos, consoante dispõe o art. 368 do Código Civil.
Diante da sucumbência recíproca e não proporcional das partes (CPC, art. 86), condeno autor e ré, na proporção de 30% a cargo da autora e de 70% a cargo da ré, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, observado o grau de zelo do profissional, bem como o tempo exigido para o seu serviço e a ausência de instrução do feito (CPC, art. 85, § 2°). Suspensa a exigibilidade em relação à demandante por força da gratuidade da justiça concedida (ev. 3) e vedada a compensação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Em suas razões recursais (evento 26), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Por sua vez, a autora (evento 32) requer a condenação da casa bancária ré ao pagamento de indenização por danos morais, haja vista o ilícito praticado por esta, e, ao final, haver a inversão dos ônus sucumbenciais.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 31 e 37).
Este é o relatório

VOTO


Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Apresentação de documento em sede recursal
A instituição financeira ré colacionou aos autos minuta contratual juntamente com o recurso de apelação (evento 26).
Quanto à produção de prova documental, dispõe a Lei Adjetiva Civil:
Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações.
Parágrafo único. Quando o documento consistir em reprodução cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput , mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as partes.
Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.
Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º.
Da análise dos autos, percebe-se que o juízo de origem determinou a inversão do ônus probatório por versar a lide sobre relação de consumo, incumbindo portanto à casa bancária colacionar a minuta contratual em momento oportuno.
Não houve insurgência contra referido "decisum", e a contestação veio desacompanhada do contrato ajustado com entre as partes. Tampouco houve, neste grau de jurisdição, argumentação relativa à impossibilidade de exibição do referido pacto juntamente com a defesa. Ademais, a minuta colacionada ao evento 26 não objetiva a comprovação de fato novo e já era acessível à demandada ao tempo da resposta.
Nesse sentido, desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO BANCO. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA FASE RECURSAL. AUSÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO CABIMENTO. PRECLUSÃO. ALEGAÇÃO DO CONSUMIDOR DE QUE PRETENDIA CONTRATAR [...] RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 0300139-77.2018.8.24.0041, Rel. Des. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. 26/11/2019).
Dessarte, não se conhece do documento colacionado ao evento 26.
Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se,...

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