Acórdão Nº 5000144-89.2019.8.24.0126 do Terceira Câmara de Direito Público, 12-04-2022

Número do processo5000144-89.2019.8.24.0126
Data12 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000144-89.2019.8.24.0126/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000144-89.2019.8.24.0126/SC

RELATORA: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: LEANDRO LOPES DE ALMEIDA (RÉU) ADVOGADO: FELIPE YUISHI SAKAMOTO E SOUZA (OAB PR072865) ADVOGADO: ARNALDO FAIVRO BUSATO FILHO (OAB PR011171) INTERESSADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou "Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa" contra Leandro Lopes de Almeida aduzindo, em síntese, que em novembro de 2018, sobreveio a notícia de que o Réu, Delegado de Polícia, "não estava comparecendo à Delegacia para efetuar a lavratura dos flagrantes ocorridos durante os seus sobreavisos, deixando que o escrivão e o agente plantonista se responsabilizassem por estes e por demais atos cujas atribuições legais" lhe são inerentes. Disse que instaurado o Procedimento Investigativo Criminal nº 06.2018.00006528-6, foram apuradas as seguintes irregularidades: "1) uso indevido de viaturas policiais pelo requerido Leandro Lopes de Almeida para fins meramente particulares, bem como uso indevido de mão-de-obra de servidores (agentes de polícia) como seus "motoristas particulares"; 2) não comparecimento às Delegacias de Polícia de Itapoá e de Garuva para lavrar os autos de prisão em flagrante quando em regime de sobreaviso; 3) falsidade ideológica, haja vista que os relatórios de jornada de trabalho preenchidos e assinados pelo requerido Leandro não correspondem à efetiva carga horária cumprida por ele na Delegacia de Polícia". Em vista do exposto, requereu a condenação do Réu pela prática dos atos de improbidade administrativa descritos nos art. 9, caput e incisos IV, XI e XII, art. 10, incisos I e XII e art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92, com a condenação às sanções previstas no art. 12 (evento 1, EP1G). Juntou documentos (eventos 2 a 7, EP1G).

O Estado de Santa Catarina manifestou interesse no processo e postulou a sua intimação de todos os atos processuais praticados (evento 13, EP1G).

Notificado, o Réu apresentou defesa prévia com documentos (eventos 19 e 21, EP1G).

A inicial foi recebida (evento 23, EP1G).

Desta decisão, o Réu interpôs Agravo de Instrumento n. 5022943-82.2020.8.24.0000, cujo efeito suspensivo foi deferido, por decisão monocrática da lavra do Desembargador Ronei Danielli (evento 7, daqueles autos).

O magistrado de origem revogou a decisão do evento 23, consignando (evento 32, EP1G):

[...] Ante o exposto:

2.1 - Relativamente à alegação de que o réu deixou de praticar atos de ofício (item "a" supracitado), rejeito a inicial e JULGO EXTINTO o processo, sem resolução de mérito, em razão da falta de interesse processual (CPC, art. 485, inciso VI).

2.2 - Quanto aos fatos mencionados no tópico "b" acima, verificando que a exordial se encontra em ordem e que estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, sendo adequada a via eleita, e considerando que há indícios de ato de improbidade administrativa que recomendam a instrução processual, RECEBO A INICIAL.

3 - Cite(m)-se o(s) integrante(s) do polo passivo oferecer(em) contestação e especificar(em) detalhadamente as provas que pretende(m) produzir, sob pena de presunção de veracidade dos fatos alegados, dentro do prazo de 15 dias (ou de 30 dias em se tratando de advogado de pessoa jurídica de direito público, membro do Ministério Público e defensor público ou pro bono), com termo inicial na data de comprovação da efetivação da convocação nos autos, consoante arts. 17, § 9°, da Lei 8.429/1992, 183, 186, caput e § 3º, 219, 231, I a VIII, 335, III, e 336 do CPC. [...]

Inconformado, o Ministério Público interpôs Agravo de Instrumento n. 5030774-84.2020.8.24.0000, que foi conhecido e desprovido, por acórdão de relatoria do Desembargador Ronei Danielli (eventos 21 e 22 daqueles autos).

Citado, o Réu apresentou contestação (evento 45, EP1G). Alegou, no tocante à imputação relacionada ao uso de viatura e de policiais nos aludidos deslocamentos, que: "(i) estava em serviço nesses transportes, pois seu expediente funcional já se iniciava quando ele era conduzido à DP, encerrando-se no momento em que ele deixado nos pontos de embarque para retornar à São Francisco do Sul; (ii) todos esses deslocamentos ocorreram no território da circunscrição da Unidade Policial de que ele era o Delegado titular, e sempre percorreram um trajeto linear de ida-e-volta, exclusivamente destinado à implementação das atividades funcionais do Reqdo.; (iii) em nenhuma ocasião as viaturas da DP de Itapoá foram utilizadas para buscar o Reqdo. em sua casa, em São Francisco, e/ou para levá-lo até lá -- ele sempre usou de transporte marítimo entre os dois Municípios, pagando de seu próprio bolso as respectivas passagens de ida-e-volta; (iv) o Reqdo tinha graves motivos para recear atentados à sua pessoa nesses seus deslocamentos, já que estava sendo ameaçado por delinquentes faccionados e na equipe sob seu comando haviam policiais vinculados a essas facções criminosas; (v) por isso mesmo, tinha autorização verbal do seu então superior hierárquico, o Del. Regional AKIRA, de Joinville, para ser transportado por policial de sua confiança, nos deslocamentos acima referidos; (vi) o temor vivenciado pelo Reqdo. respaldava-se em dados objetivos, inclusive conhecidos por sua chefia, e nele gerou um estado de excludentes putativas -- exercício regular de prerrogativa funcional e estado de necessidade, ambos putativos --, que, como se sabe, afasta o dolo na medida em que cria a errônea percepção de uma situação fática que autorizaria juridicamente a conduta; (vii) de qualquer sorte, o consumo de combustível e do tempo de serviço do policial que transportava o Reqdo. longe ficou de prejudicar os serviços da DP de Itapoá, tanto quanto longe ficou de extrapolar, o aludido consumo, a quota de combustível normalmente disponibilizada à referida Unidade Policial, cuja extensão territorial, aliás, é superior à da maioria das outras Delegacias do interior catarinense". Quanto às cargas horárias sustentou que: "(i) como Delegado titular, não usufruía de banco de horas, recebendo a remuneração fixa por 40 horas semanais, fosse qual fosse o regime de trabalho que adotasse (expediente e/ou sobreaviso, já que Delegado titular não pode integrar escala de plantão); (ii) preenchia suas fichas de frequência seguindo estritamente orientação do setor de Recursos Humanos da Diretoria da Polícia Civil, segundo os padrões do sistema informatizado ali adotado; (iii) a carga horária por ele consignada não lhe traria qualquer espécie de benefício financeiro ou funcional, pois sua remuneração estava prefixada, sendo irrelevante qualquer quantitativo cronológico que ele lançasse, exercendo a função de Delegado titular; (iv) os crimen falsi pressupõem não só o dolo, como também o desiderato de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, em detrimento da credibilidade alheia; ou seja, não basta a imutatio ou a imitatio veri, exigindo-se que estas ocorram para que o agente possa enganar terceiros relativamente à veracidade de fato desencadeador de efeitos jurídicos". Ao final, requereu a improcedência dos pleitos.

Não houve réplica.

Intimadas para esclarecer as provas que pretendiam produzir (evento 63, EP1G), as partes aduziram não possuir interesse (eventos 67 e 69, EP1G).

Apresentadas alegações finais por memoriais (eventos 76 e 77, EP1G), sobreveio sentença (evento 79, EP1G), nos seguintes termos:

[...] Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), os pedidos deduzidos na petição inicial.

Não há condenação em custas e honorários (art. 18 da Lei nº 7.347/85).

Publicação e registro eletrônicos. Intimem-se. [...]

Irresignado, o Autor interpôs apelação (evento 86, EP1G). Alega ser necessária a reforma da sentença, ao argumento de que: os trajetos percorridos "com a viatura da Delegacia de Polícia e mais trabalho de um agente ou de um escrivão, para o deslocamento do Apelado até a sua residência, entre dezembro de 2016 a maio de 2019, ou seja, aproximadamente 2 anos, não foram autorizados indiscriminadamente pelo Delegado Regional à época, Laurito Akira Sato"; se as ameças recebidas pelo Apelado fossem, de fato, graves a ponto de deixá-lo, por dois anos, com receio de se deslocar sozinho em seu próprio veículo, ele adotaria cautelas mínimas de segurança nesses trajetos (alteração de percurso, utilização de equipamentos de segurança, recomendações de cautela, alteração de rotina), "situação que não foi percebida por nenhum dos agentes públicos responsáveis por levá-lo até os locais"; a realização de diligências durante o percurso para buscar ou levar o apelado em seus pontos de embarque e desembarque, não é capaz de inserir a situação no permissivo legal. Refere, em resumo, que cada dia que o Réu comparecia à Delegacia ilicitamente se locupletava: "(1) do combustível custeado pelo Estado de Santa Catarina, equivalente à aproximadamente 70 quilômetros rodados; (2) de aproximadamente uma hora e meia a duas horas de trabalho de um agente policial; (3) do desgaste de uma viatura (lembrando que há vários quilômetros percorridos em estrada de chão), tudo para servir ao seu exclusivo interesse pessoal". Em vista do exposto, reitera o pedido de condenação do Réu "pela prática dos atos ímprobos imputados, consistentes nas figuras típicas dos artigo 9º, incisos IV e XII, artigo 10, caput e artigo 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/1992".

Com contrarrazões (evento 93, EP1G), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu, pelo conhecimento e provimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este...

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