Acórdão Nº 5000156-52.2021.8.24.0282 do Primeira Câmara Criminal, 14-10-2021

Número do processo5000156-52.2021.8.24.0282
Data14 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5000156-52.2021.8.24.0282/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: LINDOMAR SALVAN (RÉU)

RELATÓRIO

No juízo criminal da 2ª Vara da Comarca de Jaguaruna, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de LINDOMAR SALVAN pela prática, em tese, do delito tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, c/c artigo 71, do Código Penal (continuidade delitiva por 03 vezes), pelos fatos e fundamentos assim contidos na peça acusatória (Evento 01, dos autos da Ação Penal):

"[...] I - DOS FATOS QUE DEMONSTRAM A RESPONSABILIDADE DO DENUNCIADO.

O denunciado Lindomar Salvan era, ao tempo dos fatos a seguir narrados, o real proprietário e administrador da empresa Central Transportes Comércio e Indústria Eireli (conforme procedimento anexo), CNPJ n. 05.404.473/0001-78 e Inscrição Estadual n. 25.449.812-4, estabelecida na Estrada João Bertoldo Vieira, s/n, Bairro Rio Vargedo, Treze de Maio/SC, CEP 88710-000.

Registre-se, ademais, que o denunciado sempre foi o real proprietário da empresa, muito embora desde a constituição da mesma constasse Hemerson Júnior da Silva (ex-funcionário) como proprietário e administrador, conforme documentos de fls. 9-33.

Importante destacar que o denunciado é contumaz na prática de utilizar-se de interpostas pessoas para a constituição de empresas de sua propriedade, conforme evidencia a documentação constante dos autos.

Assim, na condição de real proprietário e administrador de fato da empresa, o denunciado comandava os atos de gestão contra a ordem tributária, posto que sempre esteve à frente do comando das operações, tendo ciência e controle das transações e negócios realizados, bem como responsabilidade legal e fática pela regularidade fiscal.

Além da administração geral da empresa, determinava os atos de escrituração fiscal e era responsável pela apuração e recolhimento do ICMS - Imposto de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação devido, sendo certo que quaisquer vantagens ou benefícios obtidos por tal pessoa jurídica eram aproveitados diretamente pelo denunciado, sujeitando-se à regra inserta no art. 11 da Lei 8137/90, que estabelece:

"Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade."

II - DA DÍVIDA ATIVA N. 200002302139.

O denunciado Lindomar Salvan, na condição de proprietário e administrador da empresa Central Transportes Comércio e Indústria Eireli, em datas de 20 de novembro de 2015, 21 de dezembro de 2015 e 20 de janeiro de 2015, deixou de efetuar o recolhimento de R$ 13.416,05 (treze mil quatrocentos e dezesseis reais e cinco centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores finais, o que fez com o intuito de obter vantagem ilícita mediante a apropriação de tais valores e em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo próprio denunciado nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2015, através do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório (PGDAS-D).

Ressalte-se que o PGDAS-D1 é um aplicativo colocado à disposição dos contribuintes no Portal do Simples Nacional, através do qual estes efetuam o cálculo dos tributos devidos mensalmente na forma do Simples Nacional, declaram o valor devido e imprimem o respectivo documento de arrecadação (DAS). A apuração no PGDA's deve ser realizada e transmitida mensalmente, até o dia 20 (vinte) de cada mês, ou seja, até o vencimento do prazo para pagamento dos tributos devidos no SIMPLES NACIONAL, relativamente aos fatos geradores ocorridos no mês anterior.

Portanto, no caso sub examen, o denunciado não efetuou os recolhimentos do ICMS por ocasião da entrega das PGDA's, sendo então emitido o respectivo Termo de Inscrição em Dívida Ativa.

Por tal motivo foi emitida a Dívida Ativa n. 200002302139 (fls. 62-63), a qual, computando-se o imposto apropriado e os acréscimos de multa e juros, alcançou o montante histórico de R$ 21.003,26 (vinte um mil e três reais e vinte e seis centavos), sendo que o valor atualizado até a presente data perfaz o total de R$ 21.195,11 (vinte e um mil cento e noventa e cinco reais e onze centavos)2 .

Importante frisar que o denunciado apresenta um longo histórico de inadimplência do imposto ICMS, o qual tem início em outubro de 20093 e perdura até os dias atuais.

E, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, "O contribuinte que deixa de recolher o valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90." (Habeas Corpus n. 163334).

III - DOS PARCELAMENTOS.

O débito tributário decorrente do lançamento fiscal acima mencionado foi submetido a parcelamentos, conforme tabela a seguir, ressaltando-se que todos restaram cancelados em virtude de inadimplência, e que "É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída em regime de parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal"4 .

Registre-se, ainda, que "A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva" [...]".

Conclusos os autos ao juiz competente, a denúncia foi rejeitada sob o argumento de atipicidade da conduta e, consequentemente, ausência de justa causa para o exercício da persecução penal, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, conforme dispositivo decisório (Evento 03, idem):

"[...] Ante o exposto, REJEITO A DENÚNCIA face a ausência de justa causa para o exercício da presente persecução penal, o que faço com arrimo no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

Intime-se.

Sem custas.

Transitando em julgado, arquivem-se [...]".

Irresignado, o Órgão Ministerial interpôs o presente Recurso em Sentido Estrito, nos termos do inciso I, do artigo 581, do Código de Processo Penal, objetivando, em síntese, a reforma da decisão objurgada, com o consequente recebimento da denúncia e regular prosseguimento da ação penal, sob o argumento de que o ICMS é um tributo indireto que incide sobre parte da renda aplicada ao consumo, motivo pelo qual cabe ao consumidor recolher o valor do imposto e ao fornecedor de bens ou serviços repassá-lo ao Fisco Estadual. Logo, a ausência de repasse destes valores configura o delito de apropriação indébita tributária previsto no inciso II, do artigo 2º, da Lei 8.137/90.

Contrarrazões da defesa pela manutenção incólume da decisão que reejeitou a denúncia em questão (Evento 25, dos autos da Ação Penal).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. JORGE OROFINO DA LUZ FONTES, que se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso interposto (Evento 21, dos autos do Recurso em Sentido Estrito).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pela acusação em face de decisão proferida pelo juízo criminal da 2ª Vara da Comarca de Jaguaruna que rejeitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Santa Catarina em face de LINDOMAR SALVAN, pelo comentimento, em tese, do crime de apropriação indébita tributária (artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90), na forma continuada (por três vezes) prevista no artigo 71, do Código Penal.



1. Da admissibilidade.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do pleito recursal.



2. Do mérito recursal.

Da decisão que rejeitou a denúncia oferecida, extrai-se a seguinte fundamentação (Evento 03, dos autos da Ação Penal):

"[...] A priori, insta destacar o que preceitua o fato típico apontado pela Autoridade Ministerial:

"Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza: II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres público;"

De tal expressividade legal, é passível extrair que o ilícito em questão assemelha-se à conduta da apropriação indébita (artigo 168, CP), inclusive é denominado pela doutrina e jurisprudência de apropriação indébita tributária, sendo que, para sua configuração, tem-se como imprescindível que o tributo cobrado de pessoa diversa (seja do consumidor final, seja de outro comerciante) permaneça com o contribuinte praticante do fato gerador sem que haja o devido repasse ao fisco.

Entretanto, a sanção penal justa me afigura apenas se o sujeito passivo da obrigação tributária cometer a conduta descrita pela norma em seus exatos termos, isto é, se deixar de recolher ICMS que fora repassado pelo contribuinte de fato ao contribuinte de direito conquanto a incidência do fato gerador, o que, adianto, não verifico no caso em apreço.

Isso porque entendo que o procedimento deve ser analisado a partir de um escopo diverso, se não vejamos.

Com efeito, os artigos 114 e 121, caput, ambos do Código Tributário Nacional, denotam, respectivamente, que o "fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência" e que o "sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária".

O ICMS, como é cediço, trata-se de um tributo que compete ao Estado sua regulamentação, pois a ele serão endereçados os valores cobrados em razão da ocorrência do fato gerador incidente. Deste modo, cabe a este Juízo também analisar o que prevê a legislação estadual.

A Lei Estadual nº 10.297/96, que trata da referida matéria, prevê, em seu artigo 2º, as hipóteses em...

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