Acórdão Nº 5000158-64.2020.8.24.0053 do Primeira Câmara Criminal, 01-12-2022

Número do processo5000158-64.2020.8.24.0053
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5000158-64.2020.8.24.0053/SC

RELATOR: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO

APELANTE: CLAUDINEI TALASKA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Inquérito Policial, ofereceu denúncia contra Claudinei Talaska, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso VI, c/c § 2º-A, inciso I, § 7º, inciso III, art. 347, parágrafo único, todos do Código Penal, e do art. 12 da Lei n. 10.826/03, pelos fatos assim narrados na preambular acusatória, in verbis (Evento 1 dos autos da ação penal):

ATO 1

No dia 7 de janeiro de 2020, por volta das 04h00min, na Linha São João, s/n, Interior do município de Quilombo/SC, o denunciado CLAUDINEI TALASKA, com evidente animus necandi, matou sua companheira Maiquéli Ramos da Silva Machado, por razões da condição de sexo feminino, desferindo contra esta 1 (um) disparo de arma de fogo, atingindo-lhe na altura do pescoço, causando-lhe as lesões descritas no laudo pericial do (Evento 1, INQ2, p. 2-5), consistentes em "ferida perfurocontusa oblíqua com bordas invertidas em localização ântero lateral esquerda da região cervical. Presença de orla de escoriação, zona de tatuagem, zona de esfumaçamento, areóla equimótica e halo de enxugo", além de "hemotórax ferida perforocontusa transfixante em lobo inferior do pulmão direito, laceração de veia cava e artéria aorta (segmento torácico), ferida perforocontusa transfixante na região direita do diafragma e fígado, laceração em polo renal superior direito", com "presença de um projétil de arma de fogo, alojado no rim direito".

Segundo consta, a Polícia Militar foi acionada para comparecer no Hospital São Bernardo, pois lá teria sido deixada uma mulher, já sem vida, com vestígio de disparo de arma de fogo na região do pescoço.

Posteriormente, apurou-se a identidade da vítima como sendo Maiquéli Ramos da Silva e que ela foi conduzida até o hospital por Claudecir Talaska, o qual relatou que após ter escutado um estampido de arma de fogo, dirigiu-se até a residência do casal e encontrou o irmão ora denunciado CLAUDINEI TALASKA com a vítima Maiquéli Ramos da Silva desfalecida.

Na sequência, utilizando-se de um veículo Fiat/Bravo, Claudecir Talaska levou a vítima para atendimento médico, que chegou ao hospital já em óbito. O denunciado CLAUDINEI TALASKA confessou a autoria durante o interrogatório policial, contudo, alegou que o disparo foi acidental.

Ademais, cumpre mencionar que o crime foi cometido em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo em vista que, conforme o depoimento de Marciéli Ramos da Silva Machado e Marilene Ramos da Silva, irmã e mãe da vítima, respectivamente, há pelo menos três meses antes de ser assassinada, Maiquéli Ramos da Silva relatou a elas que estava sendo ameaçada e agredida por CLAUDINEI TALASKA, além de que ele possuía arma de fogo em casa, e chegou a encaminhar para a familiar imagens dela com marcas de agressão física, as quais atribuiu ao companheiro ora denunciado.

Não obstante, os próprios familiares do denunciado, Pedro Talaska (pai) e Claudecir Talaska (irmão), também relataram o contexto de violência doméstica que permeava a relação do casal, afirmando que, após ter descoberto que Maiquéli Ramos da Silva estava conversando com um "ex-companheiro", CLAUDINEI TALASKA quebrou o telefone celular da vítima.

Por fim, registre-se que o crime foi praticado na presença física de Letícia Machado Talaska, nascida em 14.3.2017, filha da vítima e do denunciado, considerando que a criança estava na casa no momento do feminicídio.

ATO 2

No dia 7 de janeiro de 2020, em horários a serem melhor esclarecidos durante a instrução processual, mas certo que entre as 7h e as 12h, na Linha São João, s/n, Interior do município de Quilombo/SC, o denunciado CLAUDINEI TALASKA inovou artificiosamente o estado de lugar e de coisa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito e destinando-se a produzir efeito em processo penal ainda não iniciado.

Segundo consta, o Delegado de Polícia Civil relatou que quando da chegada da equipe policial ao local, por volta das 7h00min do dia 7/1/2020, "na cozinha da casa havia duas cadeiras, dispostas logo à frente de um fogão à lenha, com as costas para esse, e ambas as cadeiras estavam de frente para a pia, com a mesa no meio".

Posteriormente, quando os policiais retornaram ao local, em torno das 9h30min, verificaram que o cenário foi alterado, pois "foi notado que o cigarro em cima do fogão à lenha não estava mais e uma carteira de cigarro que estava em cima da geladeira havia sumido".

Por fim, tendo sido deixado o local novamente desguarnecido, ao retornarem, já pelas 12h00min, para realização da perícia, verificou-se que o local do crime foi alterado novamente: "a mesa e as cadeiras que se encontravam na cozinha foram retiradas, destruídas e jogadas em torno da casa", sendo que "uma parte da mesa foi jogada em cima de uma barraca que estava montada em frente a casa e ateado fogo na mesa e na própria barraca", danificando parcialmente os objetos.

Durante o seu interrogatório na Delegacia de Polícia, o denunciado admitiu ter sido ele quem promoveu as alterações na cena do crime

ATO 3

Em período a ser melhor apurado durante a instrução processual, mas certo que pelo menos seis meses antes do dia 7 de janeiro de 2020, na Linha São João, s/n, Interior do município de Quilombo/SC, o denunciado CLAUDINEI TALASKA possuiu e manteve sob sua guarda arma de fogo e munições, de uso permitido, em desacordo com determinação legal e regulamentar, no interior de sua residência.

Segundo consta, de acordo com as declarações prestadas pelo próprio denunciado, a arma de fogo utilizada para o cometimento do crime de feminicídio por ele praticado tratava-se de um revólver de marca Rossi, com cinco munições, o qual teria sido adquirido por ele e estava em sua residência há cerca de 6 (seis) meses.

Foragido, o denunciado restou citado por edital (Eventos 8 e 9 dos autos da ação penal), mas não compareceu aos autos, tampouco constituiu defensor. Tempos depois, foi noticiado o cumprimento do mandado de prisão preventiva em desfavor do réu (Evento 21 dos autos da ação penal), circunstância que possibilitou a sua regular citação e a continuidade da marcha processual (Evento 29 dos autos da ação penal).

Encerrada a primeira etapa da instrução processual, a MMa. Juíza a quo, convencida da existência de prova da materialidade e de indícios suficientes da autoria em relação ao crime contra a vida, pronunciou o acusado, para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso VI, c/c § 2º-A, inciso I, e § 7º, inciso III, art. 347, parágrafo único, todos do Código Penal, e do art. 12 da Lei n. 10.826/03, negando-lhe o direito de recorrer em liberdade (Evento 164 dos autos da ação penal).

Contra referida decisão, o acusado, por intermédio de defesa constituída, interpôs recurso em sentido estrito (Eventos 173 e 178 dos autos da ação penal), o qual restou conhecido e parcialmente provido à unanimidade pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por meio de voto da lavra deste Relator, apenas para afastar da decisão de pronúncia a majorante prevista no art. 121, § 7º, inciso III, do Código Penal (Evento 43 dos autos em segundo grau).

Transitada em julgado a decisão, o acusado foi submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri. Na aludida oportunidade, fiel à deliberação do Conselho de Sentença, o Juízo a quo julgou procedente a denúncia, para condenar o réu às penas de 21 (vinte e um) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de detenção, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de 45 (quarenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos crimes previstos no artigo 121, § 2º, inciso VI, c/c § 2º-A, inciso I, do Código Penal, no artigo 347, parágrafo único, do Código Penal e no artigo 12 da Lei n. 10.826/03, negando-lhe o direito de recorrer em liberdade (Evento 939 dos autos da ação penal).

A defesa interpôs recurso de apelação, manifestando o interesse em arrazoar a insurgência na forma do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal (Evento 941 dos autos da ação penal).

Após a ascensão dos autos, sobrevieram as respectivas razões recursais. A defesa, de partida, pugnou pela anulação do julgamento, ao argumento de que as condenações relativas ao homicídio e à fraude processual mostraram-se frontalmente contrária à prova dos autos. Para tanto, afirmou que o réu agiu sem animus necandi e alterou a cena dos fatos sem o propósito de destruir evidencias do ocorrido. Também se opôs à dosimetria da pena: sustentou que os aumentos empreendidos na primeira e na segunda fases do cálculo foram lastreados em fundamentação inidônea e configuradora de bis in idem; além disso, pugnou pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal) em relação ao crime de homicídio (Evento 60 dos autos em segundo grau).

Em contrarrazões, o representante do Ministério Público requereu o conhecimento e o desprovimento do recurso defensivo (Evento 63 dos autos em segundo grau).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo conhecimento e provimento parcial do inconformismo, para que, na primeira etapa da dosimetria, haja o afastamento do aumento calcado na personalidade do agente e, na segunda fase do cálculo relativo ao crime de homicídio, incida em favor do réu a atenuante da confissão espontânea (Evento 67 dos autos em segundo grau).

É o relatório.

Documento eletrônico assinado por PAULO ROBERTO SARTORATO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A...

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