Acórdão Nº 5000162-82.2019.8.24.0103 do Quinta Câmara de Direito Público, 09-12-2021

Número do processo5000162-82.2019.8.24.0103
Data09 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000162-82.2019.8.24.0103/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD (REQUERENTE) APELADO: SP EVENTOS LTDA (REQUERIDO) E OUTRO

RELATÓRIO

Na origem, o Juiz de Direito resumiu o feito nestes termos:

O ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO (ECAD) aforou "ação declaratória condenatória com pedido de antecipação de tutela e de tutela inibitória" contra MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO BARRA DO SUL e SP EVENTOS LTDA. Alegou que os réus deixaram de recolher previamente os valores referentes aos direitos autorais das obras musicais tocadas na 26ª e 27ª Festa da Tainha.

Pugnou, liminarmente, pela concessão de ordem de suspensão/interrupção da execução de obras musicais, litero-musicais e fonogramas em eventos do Município enquanto não for providenciada autorização dos direitos autorais, sob pena de multa; alternativamente, a concessão de ordem liminar consistente no imediato recolhimento de 15% da receita bruta estimada para o evento, se houver cobrança de ingressos e se tratar de som mecânico ou 10% em caso de música ao vivo; ou 10% sobre o orçamento total do evento.

Por meio da decisão inserta no evento 8, o juízo da 1ª Vara desta Comarca declinou da competência do julgamento para a 2ª Vara.

Acolhida a competência, foi deferida a tutela de urgência para que os réus se abstenham de executar obras musicais, litero-musicais e fonogramas em todo e qualquer evento que vierem a promover, enquanto não for providenciada a prévia e expressa autorização dos direitos autorais, sob pena de multa diária (Evento 15).

O Município réu apresentou resposta em forma de contestação, na qual aventou as preliminares de ilegitimidade ativa e passiva. No mérito, requereu a improcedência dos pedidos.

Embora devidamente citada (evento 26), a ré SP EVENTOS LTDA não apresentou resposta tempestiva (evento 33).

Réplica no evento 30.

Adito que a sentença foi de parcial procedência e a empresa SP Eventos Ltda foi condenada ao pagamento do débito, cujo valor haveria de ser apurado em liquidação. Houve improcedência dos pedidos quanto ao Município de Balneário Barra do Sul.

O recurso é do Ecad, que defende a procedência também em relação ao Poder Público, pois, no seu entender, o "art. 110 da Lei n. 9.610/98 garante a responsabilização solidária dos Ente Públicos quando promovidos eventos sem fins lucrativos de caráter público". Diz que a municipalidade tem o dever de fiscalizar execução de contrato com o promotor do eventos e, caso o repasse de valores ao Ecad não ocorra, deve ser ser também responsabilizada. Apresenta julgados do STJ sobre o tema e afirma que há "entendimento consolidado" sobre o matéria no âmbito daquele Corte Superior.

Por outro lado, insiste na desnecessidade de submeter às partes à fase de liquidação de sentença por entender que, além de inexistir impugnação dos réus quanto aos valores exigidos, a apuração exige "meros cálculos aritméticos", o que já foi apresentado na petição inicial e dispensa a fase subsequente.

Pretende reforma também quanto aos honorários advocatícios, pois a estipulação do estipêndio deve observar a condenação principal e não ser atrelada ao valor atribuído à ação, assim como posto na sentença.

Em contrarrazões, o Município de Balneário Barra do Sul defende que o art. 110 da Lei 9.610/98 deve se interpretado à luz da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a qual prevê em seu art. 71 que "o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato". Por isso, o Poder Público não é responsável pela ausência de pagamento dos valores devidos ao Ecad.

A SP Eventos Ltda não apresentou contrarrazões.

VOTO

1. O Município de Balneário Barra do Sul promoveu festejo de caráter público por meio de sociedade empresária contratada, mas não houve o recolhimento dos direitos autorais merecidos pelo Ecad.

A empresa admitida para a empreitada foi condenada; o Município, não.

O ponto principal está na legitimidade solidária da Fazenda Pública.

Vejo a tese com muito simpatia, podendo-se obter essa responsabilidade conjunta a partir, estimo, da Lei 9.619/98 e da Constituição Federal, que resguardem os direitos autorais. Proponho, em outros termos, uma interpretação hierarquizada, que se deixe conduzir pelo aspecto ascendente - o status dado às consequências patrimoniais das obras artísticas.

O art. 110 da Lei de Direitos Autorais, estimo, merece essa compreensão ampliativa ("Pela violação de direitos autorais nos espetáculos e audições públicas, realizados nos locais ou estabelecimentos a que alude o art. 68, seus proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários respondem solidariamente com os organizadores dos espetáculos"), do mesmo modo que a Constituição, por razões evidentes, deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada ("aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar": art. 5°, inc. XXVII).

Observo, em outros termos, uma amalgamada perspectiva de resguardo da propriedade intelectual, que deve ser preservada não apenas na dimensão moral dos direitos do autor, mas especialmente na sua perspectiva econômica. Os esforços devem ser para a proteção e eficácia, não para criar empecilhos. Com antipatia não se interpreta; ataca-se, falava aproximadamente Pontes de Miranda, que também dizia da necessidade de um processo de contaminação constitucional na introdução de seus Comentários à Constituição.

Além disso, um evento aberto, em local público e promovido pelo municipalidade como um acontecimento oficial não pode ser tratado como algo paradoxalmente estranho à Administração. A delegação do gerenciamento material das atividades correlatas é para o fim da constituição de obrigações por direitos autorais circunstancial. O que prepondera é a execução de obras que gerará direta vantagem para o Poder Público, que não pode as ignorar como se fosse uma emboscada para o artista.

Ainda que seja lugar comum nas defesas apresentadas pelo Poder Publico, a falta de lucro financeiro pelo Município é indiferente. Não há um compromisso do artista com atividades caritativas. Ele tem o direito de manter suas produções sob sigilo ou, permitindo a publicidade, reclamar pagamento. Se alguém deseja se servir do esforço alheio é justo que o remunere.

Em resumo, a dimensão superior dos direitos autorais e mesmo seu tratamento na legislação ordinária permitem, vejo, uma visão que os coloque mesmo em um proscênio, uma garantia quanto ao adimplemento de sua face material.

2. A compreensão jurisprudencial, todavia, é mais restritiva.

Isso deve ser respeitado, não apenas por segurança jurídica, mas por deferência à inteligência que vem da compreensão que vai gradativamente sendo moldada. O Direito não vem de uma visão, vem de várias compreensões. É um sistema.

Pela jurisprudência, volto ao ponto, delega-se à empresa contratada a responsabilidade primária perante o Ecad. A convocação do Poder Público deve ser revelada a partir da legislação comum, mais exatamente a Lei 8.666/91:

Art. 71 O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

(...)

Essa regra, inclusive, foi reconhecida como constitucional pelo STF em controle concentrado:

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.

Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (ADC 16, rel. Min. Cezar Peluso)

Há também tese firmada em repercussão geral no mesmo sentido: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93" (Tema 246).

A partir dessas premissas, o STJ tem entendido nestes termos, servindo este julgado de um bom guia:

RECURSO ESPECIAL...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT