Acórdão Nº 5000200-45.2021.8.24.0032 do Primeira Câmara de Direito Civil, 11-08-2022

Número do processo5000200-45.2021.8.24.0032
Data11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000200-45.2021.8.24.0032/SC

RELATOR: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTO

APELANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU) APELADO: JULIO SPERUN (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por C. D. S.A. em face da sentença proferida pelo juízo da Vara Única da comarca de Itaiópolis que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais n. 5000200-45.2021.8.24.0032 ajuizada por J. S., julgou procedente o pedido, nos seguintes termos (Evento 84 - autos de origem):

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora para CONDENAR a requerida CELESC a lhe pagar, a título de indenização por danos materiais, o valor de R$ 12.986,61 (doze mil, novecentos e oitenta e seis reais e sessenta e um centavos) no total, corrigidos pelo INPC desde a data do prejuízo até a data do efetivo pagamento, mais juros de mora de 1,00% (hum por cento) ao mês contados, estes, da citação.

Condeno, ainda, a requerida Celesc ao pagamento das custas processuais, honorários periciais antecipados pela parte autora - e advocatícios, que fixo em 15,00% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, forte no §2º do artigo 85 do CPC. O percentual se me afigura adequado considerando que o advogado houve-se com adequado zelo profissional que prestou os serviços na própria comarca onde mantém escritório, necessitou de muito tempo de serviço, tendo ajuizado ação cautelar de produção antecipada de provas, manifestação sobre as conclusões, formulação do pedido principal e apresentação de alegações finais por memoriais.

Transitada em julgado, proceda-se a baixa dos autos.

Inconformada, a apelante sustentou a inexistência da falha na prestação do serviço; a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; incompatibilidade da quantidade de fumo produzido e a perda; a ocorrência de excludentes de responsabilidade por problemas climáticos e manutenção da rede elétrica; a perda da qualidade do fumo por outras circunstâncias, sem relação com a interrupção do serviço de energia elétrica; a observância das metas e índices estabelecidos pela ANEEL; a impugnação aos cálculos utilizados pelo perito judicial, não devendo o magistrado ficar adstrito somente à prova pericial; a necessidade de avaliação da perícia de acordo com os dados gerais da fumicultura; a necessidade de liquidação por arbitramento para apuração dos valores e, por fim, caso mantida a condenação, a redução dos danos materiais (Evento 92 - autos de origem).

Em resposta, o apelado apresentou contrarrazões, arguindo preliminar de inovação recursal, diante da apresentação de teses não debatidas no juízo de origem. No mérito, argumenta que o laudo pericial foi realizado sob o crivo do contraditório e ampla defesa, não tendo a ré acompanhado ou se insurgido quando deveria, sendo infundado o requerimento de liquidação por arbitramento, pugnando pela manutenção da sentença (Evento 98 - autos de origem).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Preliminar de Inovação Recursal

Em contrarrazões, a parte apelada insurge-se quanto à ocorrência de inovação recursal do presente reclamo, diante da apresentação da tese "dados gerais da fumicultura" não debatida no juízo de origem.

De fato, tais informações lançadas na apelação não foram objeto de discussão no primeiro grau, tampouco foram levantadas na contestação, não sendo caso de aplicação do art. 435 do Código de Processo Civil (documentos novos).

Assim, inviável o conhecimento da tese levantada no pleito recursal, porquanto não suscitada em primeiro grau de jurisdição, revelando-se inovação recursal sem comprovação de força maior ou fato superveniente capaz de justificar a omissão, nos termos do art. 1.014 do CPC.

A propósito, "Descabida em sede recursal a análise de teses não suscitadas em primeiro grau de jurisdição pelo Apelante, por tratar-se de inovação recursal, o que somente é permitido se demonstrado motivo de força maior capaz de justificar a omissão anterior (art. 1.014 do novo Código de Processo Civil) ou a ocorrência de fato superveniente" (TJSC, Apelação Cível n. 0300139-67.2015.8.24.0046, de Palmitos, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 27-04-2017).

Portanto, configurada a inovação recursal quanto ao tópico de "dados gerais da fumicultura", o recurso preenche parcialmente os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido em parte.

Mérito

O cerne da questão jurídica cinge-se ao pedido de danos materiais ocasionado pela interrupção do serviço de energia elétrica.

O recurso, adianta-se, não comporta provimento.

Responsabilidade Civil Objetiva

A Constituição da República, em seu art. 175, preconiza que: "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."

Os serviços públicos são aqueles voltados a suprir a necessidade da sociedade, assumindo o Estado o dever de prestá-los direta ou indiretamente. Desse modo, é necessário especificar a responsabilidade das pessoas jurídicas que prestam serviços públicos, o que está expressamente disposta no art. 37, § 6º, da CFRB/1988. Veja-se:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Nesse sentido, a CFRB/1988 adotou a teoria do risco administrativo, a qual assevera que o Estado responde pelos danos que vier a causar, independentemente de culpa, ressalvadas a existência de causas excludentes.

Outrossim, não há falar em inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, cabendo a regra disposta nos arts.14, caput, e 22, parágrafo único:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

A respeito da responsabilidade civil de concessionárias de serviço público e da aplicabilidade do CDC, assim já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

(...) RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA REQUERIDA PELA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS BEM EVIDENCIADA. EXEGESE DO ART. 37, § 6º, DA CARTA MAGNA E DO ART. 14 DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. "Por força da responsabilidade civil objetiva consagrada pelo art. 37, § 6º, da CF/88, a fazenda pública e os concessionários de serviços públicos estão obrigados a indenizar os danos causados em virtude de seus atos, e somente se desoneram se provarem que o ato ilícito se deu por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior (TJSC, Apelação n. 0300782-69.2017.8.24.0041, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 12-08-2021).

Feitas tais considerações, aplicável in casu a responsabilidade objetiva do prestador de serviços públicos.

Excludente de Responsabilidade

Extrai-se dos autos que a controvérsia cinge-se na apuração dos danos ocorridos na plantação de fumo da parte autora, em decorrência da interrupção do serviço de energia elétrica nos dias 19 de dezembro de 2019, 14 e 15 de janeiro de 2020, pelo período de 14h54min.

Consoante informações dos autos, a apelante não comprovou que os serviços foram devidamente prestados, apenas sustentando sua ausência do dever de indenizar e a ocorrência de caso fortuito e força maior.

In casu, verifica-se que não há provas de que o ato danoso ocorreu por eventos da natureza...

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