Acórdão Nº 5000226-61.2022.8.24.0047 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 22-09-2022

Número do processo5000226-61.2022.8.24.0047
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000226-61.2022.8.24.0047/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

APELANTE: NEIVA SALETE ZAMBONI (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

NEIVA SALETE ZAMBONI ajuizou "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, com pedido de tutela de urgência e indenização por dano moral" contra BANCO BMG S.A., na qual sustenta ter formalizado contrato de empréstimo consignado com o banco réu, pressupondo, assim, que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento de empréstimos consignados. No entanto, alegou que a instituição financeira realizou operação bancária diversa, com reserva de margem de cartão de crédito, em nítida falha na prestação do serviço.

Pugnou, dessa maneira, pela declaração da inexistência da relação jurídica relativa ao empréstimo via cartão de crédito, bem como da reserva de margem consignável (RMC) ou, subsidiariamente, a sua conversão para empréstimo consignado, com a condenação do réu à restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente.

Além disso, pleiteou a condenação do banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a concessão da justiça gratuita e a inversão do ônus da prova (evento 1, INIC1).

Deferiu-se a gratuidade da justiça e indeferiu-se o pedido de tutela antecipada (evento 4, DESPADEC1).

Citada, a instituição financeira apresentou resposta em forma de contestação (evento 9, CONT1) e juntou documentos.

Houve réplica (evento 13, RÉPLICA1).

Sentenciando (evento 16, SENT1), o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:

[...] Ante o exposto, julgo improcedente o pedido.

Condeno a parte autora, ainda, ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor da causa, com espeque no art. 85, §2º do CPC. Fica suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais, haja vista a concessão do benefício da justiça gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 21, APELAÇÃO1), no qual pretende, em suma: a) o reconhecimento da ilegalidade da avença, com a conseguinte declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC); b) a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados; c) a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais); e d) a condenação da instituição financeira em honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa.

Apresentadas contrarrazões (evento 25, CONTRAZ1), a instituição financeira requereu a expedição de mandado de intimação à parte autora, a fim de que informe se tem conhecimento do ajuizamento da presente ação e para que seja designada audiência de instrução e julgamento. Caso negativa a resposta, pleiteou a condenação do advogado da autora por litigância de má-fé, nos termos do art. 80 do CPC c/c art. 32, parágrafo único, do Estatuto da OAB, bem como a expedição de ofícios à OAB, ao Ministério Público e à Autoridade Policial competente, para que se apurem os indícios de infrações disciplinares e a ocorrência de conduta típica.

Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de apelação cível interposta por NEIVA SALETE ZAMBONI, contra a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Papanduva que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, com pedido de tutela de urgência e indenização por dano moral", julgou improcedentes os pedidos exordiais.

Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.

1. Contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável

No caso em análise, denota-se da narrativa inicial e das razões recursais que a parte autora pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual restaram promovidos descontos no seu benefício previdenciário, realizados a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.

O banco, por sua vez, defende a validade do contrato de cartão de crédito firmado entre as partes e a licitude dos descontos realizados diretamente no benefício previdenciário da autora. Aduz, ainda, que o contrato de empréstimo via emissão de cartão de crédito com reserva de margem está previsto legalmente, não se tratando de prática abusiva, bem como que a consumidora foi devidamente informada da modalidade contratada.

Pois bem. De início, cumpre ressaltar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos da autora, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º, inc. VIII, do CDC).

In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que as partes firmaram "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento", sob o nº 1498331766 (evento 9, CONTR2).

As faturas anexadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido à requerente jamais foi utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo (evento 9, FATURA4). Resta evidente, portanto, que a autora, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Assim, em que pese o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável, tal fato, por si só, não confere legitimidade à avença, tampouco permite inferir-se, extreme de dúvidas, que efetivamente a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada.

Até porque, não é crível que a autora, devidamente munida das informações necessárias que lhe deveriam ter sido repassadas na fase pré-contratual, submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito, cujas taxas são as mais elevadas do mercado.

Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito.

Tais situações são práticas consideradas abusivas e vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor. É o que se extrai do art. 39, incs. I, III e IV e art. 51, inc. IV, ambos da mencionada Lei:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

[...]

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

[...]

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...];

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Cumpre destacar que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os clientes a riscos, o que impõe deveres e redobrados cuidados aos prestadores. Bem por isso, a Resolução nº 3.694/2009, do Conselho Monetário Nacional, estabelece:

Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar:

[...]

III - a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de clientes e usuários, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos existentes na execução de operações e na prestação de serviços; [...];

V - a utilização de redação clara, objetiva e adequada à natureza e à complexidade da operação ou do serviço, em contratos, recibos, extratos, comprovantes e documentos destinados ao público, de forma a permitir o entendimento do conteúdo e a identificação de prazos, valores, encargos, multas, datas, locais e demais condições.

Além da necessidade de cumprimento dessas determinações, no que se refere especificamente ao...

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