Acórdão Nº 5000229-72.2020.8.24.0051 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 30-03-2021

Número do processo5000229-72.2020.8.24.0051
Data30 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000229-72.2020.8.24.0051/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: LUCIA APARECIDA RODRIGUES (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: SABRINA DOS SANTOS SCHULLER (OAB SC049830) ADVOGADO: MARIANA OLTRAMARI POTRICH (OAB SC046911) ADVOGADO: KARINA APARECIDA MARINI RIBEIRO (OAB SC028035) ADVOGADO: NELCIRIA SACCHETTI (OAB SC037733) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Banco Pan S.A. e Lucia Aparecida Rodrigues contra sentença de parcial procedência (evento 33) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, para o fim de:
a) declarar a nulidade da avença firmada entre as partes e determinar que a parte ré suspenda/cesse a cobrança de quaisquer valores a título de "reserva de margem consignada - RMC" (ou variações nominais) do benefício previdenciário percebido pela parte autora, sob o n. 159.128.710-0, promovendo, também, a retirada de quaisquer apontamentos a tal título do benefício referido e a liberação da reserva de margem consignável de cartão de crédito junto à previdência da parte autora.
b) condenar a parte ré ao pagamento dos valores cobrados indevidamente a título de RMC, na forma simples, e que deverão ser atualizados (pelo INPC), desde a data de cada cobrança indevida, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação válida (em 08/07/2020 - Evento 17, AR1), e determinar que a parte autora devolva à instituição financeira o valor que recebeu a título de empréstimo, na forma simples, atualizado pelo INPC, desde a data da disponibilização. É admitida a compensação entre as quantias, na forma do art. 368, do Código Civil.
c) condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de dano moral, que deverá ser corrigido monetariamente (pelo INPC), a partir desta data (Súmula 362 do STJ), incidindo juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês, desde o dia 18/04/2018 (data do início dos descontos - Evento 1, OUT5), tendo em vista a declaração de nulidade da avença (Súmula 54 do STJ).
Condeno a parte ré ao pagamento das custas/despesas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Em caso de interposição de recurso de apelação, bem como de apelação adesiva, por qualquer das partes, observe-se o disposto no art. 1.010 §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil.
Em suas razões recursais (evento 41), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Por sua vez, a autora (evento 47) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 49 e 53).
Este é o relatório

VOTO


Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:
[...] a requerente entrou em contato com a requerida solicitando alguns esclarecimentos acerca da cobrança indevida desses valores, e foi informado que se tratavade uma retirada de valores em um cartão de crédito, que deu origem a constituição da reserva de margem consignável (RMC) e que desde então a empresa tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% sobre o valor de seu benefício, tratando-se de verdadeira FRAUDE CONTRATUAL. VALE RESSALTAR EXCELÊNCIA, QUE OS REFERIDOS SERVIÇOS NUNCA FORAM CONTRATADOS PELAREQUERENTE. Destaca-se que apesar darequerente sofrer descontos mensais em seu benefício, não há redução do valor de nenhum dos empréstimos consignados que contratou, de maneira que, na prática, a modalidade de empréstimo via cartão de crédito, é IMPAGÁVEL, gerando lucros exorbitantes à instituição financeira. Registre-se que em momento algum arequerente recebeu o referido cartão de crédito, e se eventualmente recebeu, nunca o desbloqueou, afastando-se por completo qualquer possibilidade de eventual contratação e uso deste.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de...

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