Acórdão Nº 5000254-53.2023.8.24.0060 do Quinta Câmara Criminal, 27-04-2023

Número do processo5000254-53.2023.8.24.0060
Data27 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5000254-53.2023.8.24.0060/SC



RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA


RECORRENTE: ADAGIR MENDES DA SILVA (RECORRIDO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRENTE)


RELATÓRIO


O Ministério Público ofereceu denúncia contra Adagir Mendes da Silva, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, conforme o seguinte fato narrado na inicial acusatória (autos da Ação Penal - AP, doc. 2):
No dia 24 de abril de 2022, por volta das 21h15min, na Linha Maratá, s/n, interior, neste Município e Comarca de São Domingos, o denunciado ADAGIR MENDES DA SILVA, com vontade livre e consciente ou pelo menos assumindo o risco, tentou matar Adão Padilha Maciel, desferindo contra ele golpes com um pedaço de madeira e um instrumento perfuro cortante, causando os ferimentos descritos no prontuário médico do evento 1, P_FLAGRANTE1, fl. 23, e somente não alcançando seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade, quais sejam, a intervenção de terceiros e o pronto atendimento médico.
Segundo consta, descontente com o fato de a vítima Adão Padilha Maciel tê-lo repreendido pela desídia no cuidado com sua companheira (grávida) e seu enteado, o denunciado passou a agredi-la com um pedaço de madeira e um instrumento perfuro cortante, causando os ferimentos descritos no prontuário médico1 . O resultado morte apenas não se consumou em razão da interferência de terceiros, que vieram em socorro da vítima, afugentando o denunciado do local, e prontamente levaram-na para receber atendimento médico.
O delito foi praticado por motivo fútil em razão do descontentamento do denunciado por ter sido repreendido pela vítima em virtude da desídia dele para com os cuidados com sua companheira (grávida) e seu enteado.
Recebida a denúncia (autos da AP, doc. 4) e citado pessoalmente (autos da AP, doc. 8), o réu apresentou resposta à acusação (autos da AP, doc. 10).
Processado o feito, sobreveio decisão que admitiu a acusação e que pronunciou "o acusado ADAGIR MENDES DA SILVA como incurso nas reprimendas previstas pelos artigos 121, § 2º, inciso II e 14, caput e inciso II do CP, submetendo-o ao julgamento pelo Tribunal do Júri desta Comarca, em data oportuna" (autos da AP, doc. 227).
Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs recurso em sentido estrito (autos da AP, doc. 229).
Em suas razões (autos da AP, doc. 232), almejou ser impronunciado/absolvido sumariamente, alegando ter agido sob o pálio da excludente da legítima defesa, o que resta demonstrado também "pelo laudo pericial (evento 106), uma vez que as lesões corporais sofridas pela suposta vítima ADÃO, foram de natureza leve e que não houve perigo de vida" (fls. 4, 7 e 30). Não fosse isso, argumentou que estava "em estado de legítima defesa putativa" (fl. 8). Aventou que "A vítima fez diversas ameaças, e mais de uma vez fez sinais, dando a entender que estava portando uma arma de fogo, dado todo o contexto fático de agressividade, e ameaça" (fl. 8).
Subsidiariamente, pretendeu a desclassificação do crime contra a vida para o delito do art. 129, caput, do Código Penal, pois ausente animus necandi. Além disso, aduziu que o ofendido sofreu lesões leves, "as quais não causaram perigo de vida a vítima, conforme laudo pericial" (fl. 9).
No mais, pugnou pelo afastamento da qualificadora do motivo fútil (fls. 24 e 30). Sustentou que: a) sua atitude foi de "somente defender-se de agressão injusta, assim, sua atitude não foi fútil" (fl. 16); b) "as lesões foram precedidas de prévia discussão entre as partes, bem como houve provocações por provocações por parte da vítima" (fl. 21); c) "estava embriagado no momento em que supostamente praticou os fatos descritos na inicial. O que afasta por completo a qualificadora do motivo fútil" (fl. 24).
Em persistindo a sua submissão ao Tribunal Popular, pretendeu a revogação da prisão/concessão de liberdade provisória, porquanto, além das decisões de decretação e manutenção da segregação cautelar não possuírem fundamentação idônea e suficiente, não se fazem presentes os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal (fls. 24-26). Também, aventou que "é ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato", sendo que "não se pode admitir a invocação abstrata da gravidade do delito como fundamento de prisão cautelar" (fl. 26). De mais a mais, afirmou ser réu primário, portador de bons antecedentes, e possuir família constituída, além de residência fixa e emprego lícito (fls. 27 e 30).
Sucessivamente, no caso de manutenção da prisão, pugnou pela substituição por medida cautelar diversa da prisão (fls. 30-31).
Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (autos da AP, doc. 234).
A decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (autos da AP, doc. 240).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (doc. 9).
Este é o relatório

VOTO


O recurso é próprio (Código de Processo Penal, art. 581, IV), tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
O pronunciado almejou ser impronunciado/absolvido sumariamente, por ter agido em legítima defesa real ou putativa e, de maneira subsidiária, pretendeu a desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal, frente à inexistência de intento de matar. Na hipótese de persistência da pronúncia pelo delito de homicídio, pediu pelo afastamento da qualificadora do motivo fútil.
Ab initio, pontuo que a tese do réu voltada à impronúncia/absolvição sumária está fundamentada, em sede de razões recursais, unicamente no fato de ter agido, em tese, sob o pálio de excludentes de ilicitude, sendo que eventual acolhimento do pedido conduz à absolvição sumária e não à impronúncia, de modo que apreciarei o pleito nos exatos termos do art. 415 do Código de Processo Penal.
Pois bem.
Anoto que a decisão de pronúncia, segundo Guilherme de Souza Nucci:
É decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando-se a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 870).
Justamente por não se tratar de decisão que julga procedente ou improcedente a imputação da denúncia - tarefa constitucionalmente delegada ao Conselho de Sentença nos casos de crimes dolosos contra a vida, nos termos do art. 5º, XXXVIII, "d", da Constituição Federal - o julgador não deve expressar juízos definitivos sobre o mérito do delito, mas apenas avaliar se há elementos de prova aptos a confortar a versão apresentada na inicial incoativa.
A propósito, lecionam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ensinam que:
Também em virtude desse caráter restrito da pronúncia, é que se diz que o juiz deve se valer de linguagem sóbria e comedida, sem excessivo aprofundamento na análise da prova, de resto desnecessária porquanto na pronúncia - repita-se - apenas se remete o réu à Júri, cabendo ao Tribunal Popular, este sim, a análise detida do mérito. O excesso de linguagem poderá, mais adiante, exercer indesejável influencia na convicção os jurados que, leigos, decerto podem se deixar impressionar com a terminologia utilizada pelo juiz togado (CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados, 2. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1160).
Aliás, "Para que o acusado seja absolvido sumariamente, é necessário um juízo de certeza. De fato, como se pode perceber pela própria redação dos incisos do art. 415 - provada a inexistência do fato, provado não ser ele autor ou partícipe, o fato não constituir infração penal, ou demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime - a absolvição sumária, por subtrair dos jurados a competência para apreciação do crime doloso contra a vida, deve ser reservada apenas para as situações em que não houver qualquer dúvida por parte do magistrado" (Manual de processo penal: volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p. 1.465).
Por outro lado, havendo substrato mínimo de prova, é dever constitucional do juiz remeter a questão à análise dos jurados, responsáveis por decidir, de forma soberana (Constituição Federal, art. 5º, XXXVIII, "c"), sobre a materialidade do fato; sobre a autoria ou participação; sobre absolvição do acusado; sobre a existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa; e sobre a existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação (Código de Processo Penal, art. 483).
In casu, porém, não há falar em desclassificação da conduta e tampouco em absolvição sumária e nem mesmo em afastamento da motivação do crime, senão vejamos.
A materialidade do crime está demonstrada por meio do auto de prisão em flagrante (autos do Inquérito Policial - IP, doc. 2, fl. 2), boletim de ocorrência (autos do IP, doc. 2, fls. 9-14), termo de recebimento de pessoas e bens (autos do IP, doc. 2, fl. 15), termo de exibição e apreensão (autos do IP, doc. 2, fls. 18-19), documento atendimento vítima (autos do IP, doc. 2, fl. 23), prontuário eletrônico do paciente (autos do IP, doc. 19, fls. 5-7), vídeos do momento dos fatos (autos do IP, docs. 22-26, e autos da AP, docs. 62, 64 e 66), informação (autos do IP, doc. 32) e do laudo pericial lesão corporal (autos do IP, doc. 43).
Os indícios de autoria, da mesma forma, encontram-se presentes, de modo que não foram motivo de insurgência...

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