Acórdão Nº 5000283-53.2019.8.24.0025 do Primeira Câmara de Direito Público, 26-03-2024

Número do processo5000283-53.2019.8.24.0025
Data26 Março 2024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 5000283-53.2019.8.24.0025/SC



RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA


APELANTE: MUNICÍPIO DE GASPAR (RÉU) APELADO: AGAPA - ASSOCIAÇÃO GASPARENSE DE AMPARO AOS ANIMAIS (AUTOR)


RELATÓRIO


Trata-se de reexame necessário e de recurso de apelação interposto pelo Município de Gaspar à sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível que, nos autos da Ação Civil Pública que lhe move Associação Gasparense de Amparo aos Animais - Agapa, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, nestes termos (evento 48 na origem):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), os pedidos formulados por AGAPA - ASSOCIAÇÃO GASPARENSE DE AMPARO AOS ANIMAIS em face da parte ré MUNICÍPIO DE GASPAR, para determinar que o réu:
a) realize 50 procedimentos cirúrgicos de castração por mês de animais resgatados da rua ou sob a guarda de pessoas de baixa renda ou de entidades de causa animal;
b) realize 50 atendimentos veterinários por mês, incluindo de urgência ou emergência, aos animais resgatados da rua ou sob a guarda de pessoas de baixa renda ou de entidades de causa animal;
c) promova ações ou campanhas de educação ambiental, voltadas para guarda e adoção responsável de animais domésticos e bem estar animal.
Estabeleço o prazo de 90 (noventa) dias para que o Município cumpra o determinado nesta sentença. Em caso de descumprimento, fixo multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).
Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3º, I, do CPC.
A Fazenda Pública e as respectivas autarquias e fundações são isentas das custas processuais, consoante art. 7º, I, da Lei Estadual n. 17.654/2018.
Nas suas razões (evento 57 na origem), o apelante alegou que não há omissão sua que justifique a interferência do Judiciário; que a demandante "recebe auxílio financeiro da população Gasparense por meio de campanhas e ações, sendo esses suficientes para manter suas atividades, não sendo verídica a alegação de que estaria sempre em dívida com clínicas veterinárias" (fls. 10-11); que não se comprovou a necessidade de castrações e de atendimentos veterinários na quantidade estabelecida na sentença; que deve ser respeitada a previsão orçamentária para a execução das obrigações impostas na decisão; que a multa cominatória deve ser substituída pelo sequestro de valores ou, se mantida, fixada em valor menor. Requereu "seja conhecido e provido o presente recurso, reformando-se a r. sentença, para julgar improcedentes os pedidos constantes na inicial" (fl. 21).
Ofertadas contrarrazões (evento 61), o feito ascendeu a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Exmo. Sr. Dr. Rogê Macedo Neves, opinou pelo desprovimento do recurso e da remessa (evento 11).
O recurso foi submetido a julgamento em 2-8-2022, sendo parcialmente provido apenas para reduzir o valor da multa diária em caso de descumprimento da obrigação imposta (e. 18).
Houve interposição de recurso especial pelo Município de Gaspar (e. 28) e os autos foram sobrestados até deliberação acerca do Tema 698/STF (e. 40).
As partes foram intimadas e se pronunciaram (e. 57 e 58).
Após o representante da Procuradoria-Geral de Justiça opinar pelo prosseguimento do processo (e. 59), a 2ª Vice-Presidência determinou a devolução dos autos ao Órgão Colegiado para fins de juízo de retratação, com fulcro no art. 1.030, II, do CPC, para confirmar se o entendimento adotado está alinhado com aquele atribuído à matéria no Tema 698/STF (e. 61).
Vieram os autos à conclusão para julgamento

VOTO


Consta na decisão da 2ª Vice-Presidência (e. 61):
O presente recurso versa sobre controvérsia com repercussão geral reconhecida pertinente ao Tema 698/STF (leading case RE n. 684.612).
Em 07.02.2014, sob relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, restou delimitada a seguinte questão a ser submetida a julgamento: "Limites do Poder Judiciário para determinar obrigações de fazer ao Estado, consistentes na realização de concursos públicos, contratação de servidores e execução de obras que atendam o direito social da saúde, ao qual a Constituição da República garante especial proteção" (Tema 698/STF).
No dia 03.07.2023, o STF julgou o paradigma firmando as seguintes teses:
1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes. 2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado. 3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP).
A propósito, destaco a ementa do leading case, que transitou em julgado na data de 17.11.2023:
Direito constitucional e administrativo. Recurso extraordinário com repercussão geral. Intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas. Direito social à saúde. 1. Recurso extraordinário, com repercussão geral, que discute os limites do Poder Judiciário para determinar obrigações de fazer ao Estado, consistentes na realização de concursos públicos, contratação de servidores e execução de obras que atendam o direito social da saúde. No caso concreto, busca-se a condenação do Município à realização de concurso público para provimento de cargos em hospital específico, além da correção de irregularidades apontadas em relatório do Conselho Regional de Medicina. 2. O acórdão recorrido determinou ao Município: (i) o suprimento do déficit de pessoal, especificamente por meio da realização de concurso público de provas e títulos para provimento dos cargos de médico e funcionários técnicos, com a nomeação e posse dos profissionais aprovados no certame; e (ii) a correção dos procedimentos e o saneamento das irregularidades expostas no relatório do Conselho Regional de Medicina, com a fixação de prazo e multa pelo descumprimento. 3. A saúde é um bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve zelar o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 4. A intervenção casuística do Poder Judiciário, definindo a forma de contratação de pessoal e da gestão dos serviços de saúde, coloca em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, já que desorganiza a atividade administrativa e compromete a alocação racional dos...

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