Acórdão Nº 5000299-08.2020.8.24.0175 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 18-08-2022

Número do processo5000299-08.2020.8.24.0175
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000299-08.2020.8.24.0175/SC

RELATORA: Desembargadora ANDREA CRISTINA RODRIGUES STUDER

APELANTE: JOSE GARCIA FILHO (AUTOR) APELANTE: BANCO INTER S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Inicialmente, adoto o relatório da sentença proferida (evento 23), in verbis:

JOSE GARCIA FILHO ajuizou ação contra BANCO INTER S.A., na qual sustentou, em suma, que percebeu a averbação de um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável em seu benefício previdenciário, firmado com a parte ré, que jamais desejou ter contratado.

Requereu, em sede de tutela provisória de urgência antecipada, a suspensão dos descontos realizados a título de RMC. Ao final, postulou: i) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito RMC; ii) a condenação da restituição em dobro dos descontos realizados; iii) a readequação do empréstimo de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de reserva de margem consignável utilizado para amortizar o saldo devedor; iv) a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00.

Em decisão interlocutória, foi indeferida a tutela provisória de urgência. Na oportunidade, ainda, deferiu-se os benefícios da justiça gratuita.

Citada, a parte ré apresentou resposta na forma de contestação, na qual arguiu, preliminarmente: i) a prescrição da pretensão da parte autora; ii) a ausência de interesse processual. No mérito, sustentou, em suma: i) a regularidade da contratação do cartão de crédito, e a ausência de vício de consentimento da parte autora; ii) a impossibilidade de inverter o ônus da prova; iii) a ausência de danos morais. Por fim, requereu a condenação da parte autora em litigância de má-fé.

Houve réplica.

Na continuidade, resultou a parte dispositiva da sentença, que assim dispõe:

Ante o exposto, com resolução de mérito, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

I - Declarar a nulidade da modalidade contratual apresentada (contrato de cartão de crédito consignado) e, por consequência, determinar que as partes voltem ao status quo ante, devendo, os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC, ser compensados com a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente pela parte ré a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

II - Condenar a parte ré a efetuar o pagamento em favor da parte autora, a título de danos morais, da quantia de R$ 5.000,00, acrescida de correção monetária pelo INPC a partir desta sentença e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora.

III - Em razão da procedência dos pedidos, e presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, conceder a tutela de urgência para determinar: (i) a suspensão dos descontos a título de RMC, relativos ao contrato objeto da lide; (ii) a proibição da parte ré de realizar qualquer tipo de depósito ou transferência em favor da parte autora no decorrer do processo;

Arbitro, em caso de descumprimento, multa mensal no valor de R$ 2.000,00, limitada no patamar máximo de R$ 100.000,00.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitado em julgado e havendo pagamento voluntário da obrigação, intime-se a parte autora para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. Havendo concordância com o montante depositado, expeça-se o respectivo alvará em favor da parte autora.

Oportunamente, arquivem-se.

Inconformado, o banco requerido apelou (evento 44), aduzindo, em síntese: a) a legalidade das condutas do banco e a ausência de qualquer falha na prestação de serviços; b) a impossibilidade de conversão de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado; c) não cabimento da repetição de indébito; d) enriquecimento sem causa em caso de manutenção da sentença; e) cerceamento de defesa, uma vez que não houve intimação para especificação de provas; f) ausência de ato ilícito e a inexistência de responsabilidade civil do banco diante da ausência de comprovação do prejuízo moral alegado.

Em contrarrazões, a parte autora impugnou os termos do recurso alegando que: a) nunca recebeu/desbloqueou qualquer cartão de crédito relacionado ao suposto empréstimo b) que deve ser declarada a ilegalidade da vinculação do cartão de crédito ao empréstimo da parte Autora e a condenação do banco em indenização por danos morais; c) da prática abusiva - venda casada; d) nulidade contratual; e) ausência de contratação e informação de serviço ofertado - falha na prestação de serviço; f) da responsabilidade objetiva da instituição financeira - dano moral.

Irresignada, por sua vez, a parte autora ingressou com recurso de apelação cível (evento 45), em que aduziu, em síntese: a) a majoração da indenização a título de dano moral; b) que não teve conhecimento da operação celebrada com a financeira, tanto que nunca recebeu/desbloqueou qualquer cartão de crédito relacionado ao suposto empréstimo; c) da prática abusiva - venda casada; d) nulidade contratual; e) ausência de contratação e informação de serviço ofertado - falha na prestação de serviço; f) da responsabilidade objetiva da instituição financeira - dano moral. Ao final requereu o provimento do recurso, com os efeitos do ônus sucumbencial.

Em contrarrazões, a parte apelada impugnou os termos do recurso alegando que: a) a legalidade das condutas do banco e a ausência de qualquer falha na prestação de serviços; b) ausência de ato ilícito e a inexistência de responsabilidade civil do banco diante da ausência de comprovação do prejuízo moral alegado; c) da impossibilidade de condenação em ônus da sucumbência; d) a impossibilidade de conversão de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado; e) litigância de má-fé e enriquecimento ilícito.

Após, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça e vieram-me, então, conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Tratam-se de recursos de apelação cível interpostos por José Garcia Filho e Banco Inter S.A. contra a sentença que julgou procedente o pedido da ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada, movida por José Garcia Filho contra Banco Inter S.A.

Em análise aos argumentos das peças recursais, tem-se que:

1. Da regularidade da operação contratada entre as partes

Alega a instituição financeira, em seu recurso, que a parte autora tinha ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido.

Analisados os autos, verifica-se que razão assiste ao banco recorrente.

A princípio, necessário destacar que o autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei nº 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.4.52, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartão de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1o O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por...

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