Acórdão Nº 5000302-34.2020.8.24.0119 do Segunda Câmara Criminal, 09-02-2021

Número do processo5000302-34.2020.8.24.0119
Data09 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5000302-34.2020.8.24.0119/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: JOAO FRANCISCO HUF PEREIRA (RÉU) ADVOGADO: GRAZIELA LIMEIRA (OAB PR073579) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Garuva, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra João Francisco Huf Pereira, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 157, § 2º, II e V, e § 2º-A, I, do Código Penal, nos seguintes termos:
No dia 17 de fevereiro de 2020, por volta das 03h, às margens da Rodovia BR-101, Garuva/SC, dois indivíduos não identificados na investigação criminal, em unidade de vontades e esforços, mediante grave ameaça, consistente no porte ostensivo de armas de fogo, abordaram as vítimas Daniel Alves e Nilzeleide Alves de Almeida, que estavam descansando no interior do caminhão VW/10.160 DRC, placas QHD-3167, rendendo-as e cobrindo seus rostos com cobertores.
Por conseguinte, os dois agentes não identificados acima citados, acompanhados de um terceiro agente que os guiava em um carro, conduziram o caminhão das vítimas, que estava carregado com uma carga de peixe da espécie tilápia, congelada, até um local ermo, próximo a uma fábrica de tratores, ainda no município de Garuva/SC, restringindo, assim, a liberdade dos ofendidos Daniel Alves e Nilzeleide Alves de Almeida.
Já estacionados neste local ermo com o caminhão carregado com a carga de peixe, os três agentes, juntamente com outro indivíduo não identificado e com o denunciado João Francisco Huf Pereira, ainda sob forte aparato de armas de fogo, mantiveram a vítima Nilzeleide Alves de Almeida trancada no interior do caminhão e obrigaram a vítima Daniel Alves a lhes auxiliar a descarregar a carga comercial roubada para outro veículo.
Foi assim que, o denunciando João Francisco Huf Pereira, consciente e voluntariamente, agindo em unidade de desígnios e esforços com pelo menos outros quatro indivíduos não identificados na investigação policial, subtraiu em proveito do grupo, mediante grave ameaça, consistente no emprego de, pelo menos, três armas de fogo, 1 (um) aparelho celular, marca Motorola, modelo Moto G7 power, de propriedade de Nilzeleide Alves de Almeida, 1 (um) aparelho celular, marca Samsung, modelo A2S, de propriedade de Daniel Alves, e 1 (uma) carga de filé de tilápia, de propriedade da empresa de Eduardo José Damásio Filho, bens móveis avaliados no valor de R$ 42.100,00 (quarenta e dois mil e cem reais), conforme auto de avaliação do 'evento 1 - fl. 36', além de R$ 400,00 (quatrocentos reais) em espécie, também de propriedade da empresa de Eduardo José Damásio Filho, tudo mediante longo tempo de restrição da liberdade das vítimas Nilzeleide e Daniel.(Evento 1).
Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito Vivian Carla Josefovicz julgou procedente a exordial acusatória e condenou João Francisco Huf Pereira à pena de 10 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 24 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, além de R$ 2.500,00 a título de valor mínimo de reparação aos Ofendidos, pelo cometimento do delito previsto no art. 157, § 2º, II e V, e §2º-A, I, do Código Penal, por três vezes, na forma do seu art. 70, caput (Evento 201).
Insatisfeito, João Francisco Huf Pereira deflagrou recurso de apelação (Evento214).
Em suas razões, requer a decretação da nulidade dos reconhecimentos pessoais realizados na fase administrativa, por desconformidade com o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal.
Feito isso, anseia a proclamação da sua absolvição por insuficiência probatória.
Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação da imputação à da prática do crime de receptação (CP, art. 180, caput).
Finalmente, requer a aplicação de apenas uma fração de aumento da pena, na forma do art. 68 do Código Penal, ou a redução a 1/6 daquela adotada em referência às majorantes do § 2º do seu art. 157. Se assim se proceder, pretende dar início ao cumprimento da sua pena em regime inicialmente semiaberto (Evento 232).
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 237).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Ernani Dutra, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 6)

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
No mérito, todavia, não cabe lhe dar provimento.
1. A alegação de nulidade dos reconhecimentos pessoais realizados na etapa pré-processual, por desrespeito ao texto do art. 226 do Código de Processo Penal, não procede.
Isso porque os preceitos contidos na norma citada (e nos dispositivos seguintes) não são dotados de caráter vinculante, tratando-se de meras diretrizes, as quais, mesmo não seguidas fielmente, não implicam em vícios capazes de nulificar o ato ou seu conteúdo probatório.
É pacífico na jurisprudência que as regras insertas no referido dispositivo legal não são inflexíveis, e o Superior Tribunal de Justiça "firmou o entendimento no sentido de que as disposições insculpidas no artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato" (HC 316.294, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, j. 2.6.15).
Em idêntico sentido:
A jurisprudência sedimentada desta Corte é a de que "as disposições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da prevista em lei" (AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 13/6/2017) (AgRg no AREsp 1.662.901, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 5.5.20).
E:
A inobservância das formalidades legais para o reconhecimento pessoal e das disposições contidas no art. 226 do CPP configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (AgRg no REsp 1.808.455, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 12.11.19).
Com efeito, a inobservância de tais disposições tem somente um reflexo: a prova "apenas não receberá o cunho de reconhecimento de pessoa ou coisa, podendo constituir-se numa prova meramente testemunhal, de avaliação subjetiva, que contribuirá ou não para a formação do convencimento do magistrado" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 528).
A esse respeito, desta Corte:
APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU SOLTO - CRIME DE ROUBO IMPRÓPRIO (CP, ART. 157, § 1º) - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - CONDENAÇÃO PELO DELITO DE ROUBO SIMPLES NA FORMA TENTADA (CP, ART. 157, CAPUT, C/C ART. 14, II). RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL - REGRAMENTO DO ART. 226 DO CPP QUE CONSTITUI MERA ORIENTAÇÃO - VÍCIO INEXISTENTE. "A inobservância das formalidades legais para o reconhecimento pessoal do acusado não enseja nulidade, por não se tratar de exigência, apenas recomendação, sendo válido o ato quando realizado de forma diversa da prevista em lei" (STJ, Min. Rogério Schietti Cruz). [...] (Ap. Crim. 0006171-85.2015.8.24.0039, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 12.5.20).
Ou:
APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO MAJORADO (CP, ART. 157, § 2º, I E II) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - INSURGÊNCIA DEFENSIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL...

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