Acórdão Nº 5000315-64.2020.8.24.0044 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 08-07-2021

Número do processo5000315-64.2020.8.24.0044
Data08 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000315-64.2020.8.24.0044/SC



RELATOR: Desembargador TULIO PINHEIRO


APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU) APELADO: ZULEIDES MARIA DA SILVA CAETANO (AUTOR)


RELATÓRIO


Perante o Juízo da 1ª Vara da Comarca de Orleans, ZULEIDES MARIA DA SILVA CAETANO promoveu "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" contra BANCO PAN S.A., autuada sob o n. 5000315-64.2020.8.24.0044.
Na inicial, alegou a parte autora, em síntese, ter sido induzida em erro pela casa bancária, ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável, operação bancária diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado que acreditou ter celebrado. Sustentou, a respeito, que não teve a intenção de celebrar contrato de cartão de crédito e não foi comunicada a respeito dos débitos referentes à reserva da margem consignável. Quanto ao pacto de "cartão de crédito consignado", aduziu que esta modalidade é ilegal, por ensejar onerosidade excessiva ao consumidor, ao restringir a sua liberdade em efetuar outros negócios jurídicos, bem como ao tornar o empréstimo impagável, em razão de o valor descontado corresponder apenas ao pagamento mínimo do cartão, contexto que enseja a prorrogação e o reajuste do restante do débito no mês subsequente. Defendeu, ainda, a ilegalidade na contratação, por não ter autorizado expressamente a cobrança da RMC e por ter sido induzida em erro pelo fornecedor, quando celebrou avença diversa e mais onerosa, havendo violação ao seu direito à informação. Pelo exposto, pleiteou, em sede de tutela provisória de urgência antecipada, a abstenção do banco em efetuar os descontos referentes a "RMC" e a "Empréstimo sobre a RMC". No mérito, requereu a declaração de inexistência de contratação, a repetição do indébito em dobro e a condenação da demandada no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Subsidiariamente, almejou a conversão da avença formalizada para empréstimo consignado, com a amortização do saldo devedor com as quantias já pagas a título de RMC. Pediu, por fim, a concessão da gratuidade judiciária (petição inicial, evento 1).
Sua Excelência concedeu a gratuidade da justiça, decretou a inversão do ônus da prova e deferiu a tutela antecipada (evento 3).
Citada, a instituição financeira ré apresentou contestação, bem como acostou documentos (evento 11).
Houve réplica (evento 16).
Após manifestações das partes (eventos 21 e 23), a MM.ª Juíza RACHEL BRESSAN GARCIA MATEUS exarou sentença (evento 32), o que fez nos seguintes termos, consoante se extrai de sua porção dispositiva:
(...) Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, com resolução de mérito, julgo parcialmente procedentes os pedidos iniciais formulados por ZULEIDES MARIA DA SILVA CAETANO contra BANCO PAN S.A. para o fim de:
a) declarar inexistente a relação jurídica exclusivamente com relação aos cartões de crédito com RMC, com o consequente cancelamento dos referidos cartões (evento 11, doc. 02);
b) determinar que a parte requerida proceda com a conversão dos contratos "cartão de crédito consignado" para "empréstimo consignado", tendo como valor atual dos financiamentos os decorrentes dos montantes originalmente repassados à parte autora, subtraída a quantia total dos descontos já efetivados de RMC, sem qualquer acréscimo de encargo moratório, ressaltando-se que as condições desses novos contratos, notadamente o número de prestações, deverão ser recalculadas, levando-se em conta o percentual máximo consignável;
c) condenar o banco réu, caso haja valores remanescentes em favor da parte autora após o cálculo mencionado na alínea anterior, a restitui-los, em dobro, corrigidos monetariamente pelo INPC e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados desde o desconto de cada parcela.
d) Somente em caso de impossibilidade de conversão em virtude de se extrapolar a margem consignável, o banco réu deverá proceder à devolução em dobro dos montantes descontados, corrigidos monetariamente pelo INPC e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados desde o desconto de cada parcela. Fica permitida a compensação com os valores repassados em favor da parte autora. Se, após, após o cálculo compensatório, restar saldo devedor remanescente em favor da ré, a quitação deverá ser efetivada mediante boleto bancário;
e) condenar o banco réu ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a titulo de indenização por danos morais, incidindo juros moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso e correção monetária pelo INPC a partir desta data;
Confirmo a decisão que antecipou os efeitos da tutela (evento 03).
Considerando que a autora decaiu em parte mínima de seu pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. (...).
Irresignada, apelou a parte acionada. Em suas razões, defendeu a legalidade da contratação de cartão de crédito, com reserva de margem consignável. Argumentou, para tanto, que a parte recorrida, por vontade própria, contratou cartão de crédito consignado, conforme termo de adesão anexado ao processado, tendo recebido e usufruído do valor que lhe foi disponibilizado, mediante saque. Após fazer alusão às normas que amparam a modalidade de contratação defendida, bem como as características desta, pugnou pelo julgamento de improcedência da demanda. Outrossim, além de insurgir-se em face do comando de repetição dobrada de valores, suplicou pela declaração de inexistência de danos morais ou pela mitigação do importe arbitrado a tal títul. Ainda, requereu a fixação do termo a quo de incidência dos juros de mora atinentes à indenização moral à data de seu arbitramento. Por fim, pleiteou a reforma da sentença para "determinar a devolução ao Banco recorrente dos valores depositados na conta da recorrida, ou, alternativamente, a compensação dos valores arbitrados à título de danos morais do valor depositado ao recorrido, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do recorrido"(evento 40).
Por fim, restou contra-arrazoada a insurgência (evento 44)

VOTO


Ab initio, antes de se passar à apreciação do mérito do reclamo, esclarece-se que a análise sob enfoque é realizada em consonância com o posicionamento mais atual que vem sendo aplicado neste Órgão Colegiado acerca do tema.
Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO PAN S.A. contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de inexistência de débito, com pedidos de repetição do indébito e indenização por danos morais (Autos n. 5000315-64.2020.8.24.0044), promovida por ZULEIDES MARIA DA SILVA CAETANO.
Na petição inicial, a parte autora defende, em síntese, a nulidade da avença celebrada, por vício de consentimento, sustentando ter sido induzida em erro pela casa bancária, ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável, operação bancária diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado que acreditou ter celebrado.
A instituição financeira ré, por sua vez, sustenta a validade do contrato de cartão de crédito entabulado entre as partes e, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no benefício previdenciário da parte autora.
Infere-se dos autos que os litigantes formalizaram documentos intitulados "Termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão de crédito consignado PAN" e "Solicitação de saque via cartão de crédito - transferência de recursos do cartão de crédito PAN", em que foi avençado saque de valor, bem como autorizada a reserva de margem consignável (RMC) no benefício previdenciário da parte demandante, para o pagamento do valor mínimo da fatura mensal do cartão (vide documento 2 do evento 11).
Em que pese tal documentação conferir substrato à celebração de negócio jurídico entre as partes, as circunstâncias do caso evidenciam a existência de vício de consentimento do consumidor, decorrente da ausência de informação clara e adequada, e a ocorrência de prática abusiva perpetrada pela casa bancária, contexto que enseja a nulidade contratual.
Isso porque, muito embora as avenças de cartão de crédito e de empréstimo consignado sejam modalidades contratuais distintas, a forma como a instituição financeira realizou a contratação de cartão de crédito consignado na presente hipótese acabou por levar o consumidor a erro, de tal maneira que se mostra razoável que pessoas habituadas a contratar empréstimo consignado acreditassem estar celebrando pacto desta natureza.
De fato, além de a forma de pagamento em ambas as avenças ser semelhante (desconto direto em benefício previdenciário), observa-se que, nos ajustes debatidos nos autos, em vez de haver a indicação do limite de crédito para utilização - informação essencial nos contratos de cartão de crédito -, há a menção de valor...

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