Acórdão Nº 5000317-66.2021.8.24.0022 do Primeira Câmara Criminal, 18-11-2021

Número do processo5000317-66.2021.8.24.0022
Data18 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5000317-66.2021.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: SALATIEL DE QUADROS LOPES (AGRAVADO) ADVOGADO: KASSIA COELHO BIZOTTO (OAB SC060371)

RELATÓRIO

Pronunciamento judicial agravado: a juíza de direito Ana Cristina de Oliveira Agustini, da Vara Regional de Execuções Penais da comarca de Curitibanos, indeferiu o pedido do Ministério Público para que fosse reconhecida a reincidência específica do apelado Salatiel de Quadros Lopes em crime hediondo e, por consequência, exigido o cumprimento de 60% da reprimenda para fins de progressão de regime, nos seguintes termos:

Em que pese o entendimento do membro do Ministério Público, razão não lhe assiste.

Isso porque adotar o posicionamento exposto pelo Parquet significa, na prática, retroagir a lei para passar a considerar a conduta, antes de natureza comum, como hedionda.

Ao tempo do fato, o delito de roubo era de natureza comum e assim deve permanecer, sob pena de retroatividade da lei penal maléfica, o que é peremptoriamente vedado pela Constituição Federal (art. 5º, inciso XL).

Praticado novo delito dentro do quinquídio legal (art. 64, inciso I, do Código Penal), configurada está a reincidência, a qual poderá ser específica, caso o segundo delito seja da mesma natureza, ou genérica, caso seja de natureza diversa.

No presente caso, considerando que o delito de tráfico de drogas foi praticado após o delito de roubo, sendo que ambos, naquela oportunidade, eram de naturezas distintas, fixada está a reincidência genérica, com todos os consectários legais dela decorrente.

A propósito, em caso similar ao presente, o e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina determinou a aplicação retroativa da Lei n. 13.964/2019 para estabelecer a fração de 40% para progressão de regime no caso de delito de natureza hedionda e 1/6 no caso de delito de natureza comum, in verbis:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE PROGRESSÃO DE REGIME, AFASTOU A RETROATIVIDADE DA LEI 13.964/19 E MANTEVE A APLICAÇÃO DO PATAMAR DE 3/5 (TRÊS QUINTOS) PARA O RESGATE DA PENA RELATIVA A CONDENAÇÃO POR CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. RECURSO DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE QUE, CONSIDERANDO O AGRAVANTE TER SIDO CONDENADO POR CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO (TRÁFICO DE DROGAS) E SER REINCIDENTE EM CRIME COMUM (ROUBO), SERIA APLICÁVEL O PARÂMETRO PREVISTO NO ART. 112, V, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ACOLHIMENTO. LEI 13.964/19 QUE, EMBORA TENHA REVOGADO O ART. 2º, §2º, DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS, NÃO ESTIPULOU O REQUISITO OBJETIVO AO REINCIDENTE POR CRIME COMUM. INTELIGÊNCIA DO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECONHECIMENTO DE EXISTÊNCIA DE LACUNA LEGAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO INCISO V DO REFERIDO DISPOSITIVO, QUE PREVÊ COMO CUMPRIDO O REQUISITO OBJETIVO QUANDO RESGATADO 40% OU 2/5 (DOIS QUINTOS) DA PENA. DECISÃO REFORMADA. DETERMINAÇÃO PARA QUE SEJA REALIZADO NOVO PROGNÓSTICO DO BENEFÍCIO. Não é possível desconsiderar a notável mudança de redação legal advinda com a edição da Lei 13.694/19, porquanto, no inciso VII do art. 112 da LEP, a palavra "reincidente" foi complementada pela expressão "na prática de crime hediondo ou equiparado", restringindo expressamente sua aplicação ao reincidente nessa espécie de delito. Assim, inexistente previsão legal que estipule a fração de pena a cumprir ao apenado condenado por crime hediondo ou equiparado e reincidente por crime comum, necessária a aplicação, por analogia, daquela estabelecida no art. 112, V, da Lei de Execução Penal, qual seja, 40%. "1. A reincidência exigida pelo art. 112 da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei 13.964/19, para o agravamento das frações de progressão de regime, é a específica em crimes da mesma natureza e, inexistente previsão quanto ao reincidente genérico, deve ser adequado à situação positivada ao condenado primário" (Agravo de Execução Penal n. 0000922-98.2020.8.24.0033, de) Itajaí, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 25.08.2020). "Deve-se entender, portanto, que, para o condenado por crime hediondo que seja reincidente genérico, como se dá no caso em tela, deverá incidir o percentual equivalente ao que é previsto para o primário, vale dizer, de 40% ou 50%, na forma do art. 112, V e VI, a, da LEP, a depender do caso (se houve ou não resultado morte). Sendo o ora paciente condenado pela prática de tráfico de drogas, portanto, sem o resultado morte, seria aplicável, portanto, o contido no inciso V do retrocitado art. 112 da LEP, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 40% da pena para a progressão de regime. Assim, considerando-se, em princípio, a existência de flagrante ilegalidade no decisum do TJSP, defiro a liminar para que seja observado o quantum de 40% do cumprimento de pena do paciente para a progressão de regime, nos termos do art. 112, V, da Lei de Execução Penal" (STJ - decisão monocrática - HC n. 588852/SP, j. em 23.06.2020, Exmo. Min. Sebastião Reis Júnior). "Na hipótese, o apenado foi condenado por crime hediondo e crime comum, de modo que se trata de reincidente genérico. Todavia, os patamares definidos pela legislação atual não contemplam tal hipótese, ou seja, há uma lacuna legal. [...] Dessa forma, dado que a lei não dispõe sobre o lapso de progressão para condenado pela prática de crime hediondo e reincidente genérico, é necessário suprir a lacuna legal, o que se dá por meio da aplicação do patamar referente ao condenado primário, já que o percentual de 50% se destina aos delitos hediondos que resultam em morte da vítima, diferentemente dos autos, que tratam de tráfico de drogas, além do fato de o patamar de 60%, como já apontado pela defesa, fazer referência apenas aos reincidentes específicos, situação também diversa da apresentada. [...] À vista do exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, concedo, in limine, o habeas corpus para determinar a retificação dos cálculos de pena do paciente para que conste o percentual previsto no art. 112, V, da Lei de Execução Penal, qual seja, 40%". (STJ - decisão monocrática - HC n. 609231/SP, Exmo. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 03.09.2020). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0001275-80.2020.8.24.0020, de Criciúma, rel. Ernani Guetten de Almeida, Terceira Câmara Criminal, j. 29-09-2020).

Ademais, é preciso salientar que a natureza da reincidência não só repercute na execução da pena (fração para progressão de regime e livramento condicional), como também na fixação da reprimenda na segunda fase da dosimetria e na substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44 do Código Penal). Quer-se dizer com isso que, para além de se discutir meramente qual a porcentagem para progressão, o que está em análise, também, é a extensão da coisa julgada no direito penal. Ou seja, é possível, em sede de execução penal, modificar a natureza da reincidência reconhecida em sentença transitada em julgado?

Com a devida vênia a eventual entendimento diverso, justamente porque a natureza da reincidência permite o maior ou menor agravamento da pena, além de vedar a aplicação de benefícios penais e poder ser considerada para fixar o regime de pena, entendo não ser possível modificá-la em sede de execução.

Nos termos da Lei n. 7.210/1984, cabe ao Juízo da Execução garantir o cumprimento da reprimenda imposta tal qual fixada na sentença condenatória, aplicando as frações cabíveis e, se for o caso, aplicar a lei penal posterior mais benéfica. Mas não lhe é permitido modificar os fundamentos da sentença e revolver os parâmetros de fixação da pena imposta.

Finalmente, destaco que a utilização da fração de 40% não acarreta na aplicação parcial da nova lei (apenas parte benéfica), visto que tal possibilidade visa, tão somente, suprir lacuna legal.

Sendo assim, seja pela vedação à retroatividade da lei penal maléfica, seja por respeito à coisa julgada, entendo que o entendimento do Ministério Público não comporta acolhimento. (evento 575 dos autos 0007504-27.2013.8.24.0012, em 12-1-2021).

Recurso de Agravo de Execução Penal: o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por meio do Promotor de Justiça Fernando Wiggers, interpôs recurso e argumentou que a Lei 13.964/2019 só pode ser aplicada retroativamente em favor do reeducando de forma integral, isto é, aplicando-se a modificação promovida na Lei de Crimes Hediondos, para considerar que o crime de roubo majorado praticado anteriormente pelo apenado seja também considerado hediondo.

Requereu o conhecimento e provimento do presente recurso a fim de reformar a decisão impugnada, aplicando o percentual de 60% para fins de progressão de regime (evento 1, em 22-1-2021).

Contrarrazões: o apenado Salatiel de Quadros Lopes, por intermédio de sua Defensora nomeada, impugnou os argumentos apresentados sob o fundamento de que "a impossibilidade da mitigação da Lei n.º 13.964/2019 em aplicar apenas a parte que beneficia o agravado é totalmente descabido, uma vez que sua aplicabilidade é permitida no ordenamento jurídico brasileiro."

Postulou a manutenção da decisão objurgada (evento 56, em 2-10-2021).

Juízo de retratação: a juíza de direito Ana Cristina de Oliveira Agustini manteve a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos (evento 58, em 15-10-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Francisco Bissoli Filho manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 12, em 26-10-2021).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido. E, em atenção ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, a apreciação limita-se aos argumentos expostos em sede recursal.

A progressão de regime da pena privativa de liberdade, como se sabe, permite a transferência do condenado para um regime menos gravoso, a fim de que possa comprovar o seu senso de responsabilidade e aptidão à vida em liberdade...

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