Acórdão Nº 5000317-68.2019.8.24.0044 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 06-10-2020

Número do processo5000317-68.2019.8.24.0044
Data06 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000317-68.2019.8.24.0044/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER


APELANTE: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU) APELADO: VORLI ROSA (AUTOR)


RELATÓRIO


Banco Daycoval S.A. interpôs Recurso de Apelação (Evento 42) contra a sentença prolatada nos autos da "ação declaratória de inexistência de relação jurídica, repetição de indébito c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" ajuizada por Vorli Rosa em face do Recorrente, na qual o Juiz de Direito oficiante na 1ª Vara da Comarca de Orleans julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na exordial, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:
Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, com resolução de mérito, julgo procedentes os pedidos iniciais formulados por VORLI ROSA contra BANCO DAYCOVAL S.A. para o fim de:
a) declarar inexistente a relação jurídica exclusivamente com relação ao cartão de crédito com RMC, com o consequente cancelamento do referido cartão;
b) determinar que a parte requerida proceda com a conversão do contrato "cartão de crédito consignado" para "empréstimo consignado", tendo como valor atual do financiamento o decorrente do montante originalmente repassado à parte autora, subtraída a quantia total dos descontos já efetivadas de RMC, sem qualquer acréscimo de encargo moratório, ressaltando-se que as condições desse novo contrato, notadamente o número de prestações, deverão ser recalculadas, levando-se em conta o percentual máximo consignável;
c) condenar o BANCO DAYCOVAL S.A. a restituir em dobro os valores indevidamente descontados da aposentadoria da parte autora em relação ao contrato, corrigidos monetariamente pelo INPC e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados desde o desconto de cada parcela, permitida a compensação com eventual saldo devedor;
d) condenar o BANCO DAYCOVAL S.A. ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a titulo de indenização por danos morais, incidindo juros moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso (03.11.2015) e correção monetária pelo INPC a partir desta data.
Confirmo a tutela concedida.
Ainda que o valor da condenação não tenha sido fixado no valor postulado pela parte, mas em observância à jurisprudência majoritária atual sobre o tema, não haverá sucumbência recíproca, nos termos da Súmula 326 do STJ, razão pela qual condeno a parte ré integralmente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se.
(Evento 38, destaques no original).
Em suas razões recursais, o Banco aduz em apertada síntese, que: a) a sentença deve ser reformada para julgar improcedentes os pleitos vertidos na exordial diante da legalidade do pacto aventado, devendo ser respeitadas as diretrizes do pacta sunt servanda; b) no caso em tela, restou demonstrada a legalidade da conduta realizada pelo Banco ao efetuar a reserva de margem consignada e os descontos no benefício do Consumidor; c) o Autor utilizou o cartão na modalidade saque; d) juntou ao feito toda a documentação necessária que comprova a contratação do cartão de crédito consignado pelo Demandante; e) deve ser afastado ou minorada a condenação em danos morais; f) é cabível no caso em tela a condenação do Autor nas penas da litigância de má-fé; e g) o não cabimento da repetição do indébito no caso em tela e alternativamente sua ocorrência na forma simples.
Vertidas as contrarrazões (Evento 51), os autos volveram conclusos.
É o necessário escorço

VOTO


Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em 05-06-20, isto é, já na vigência do CPC/2015.
1 Do Recurso
1.1 Do pleito de legalidade do pacto firmado
Aduz o Banco em apertada síntese a legalidade do pacto aventado, da reserva de margem e dos descontos efetuados.
Razão não lhe ampara.
O Autor ajuizou ação declaratória em face do Banco Daycoval S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que o Consumidor acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.
O Magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:
No caso dos autos, não há comprovação de que, de fato, foram contraídas despesas com cartão de crédito ou que houve saque por meio de cartão de crédito pela parte autora, observando-se que, ao contrário, a ré foi quem liberou tais valores na conta da parte autora, por meio de transferência eletrônica.
Extrai-se dos autos que: 1) em 03.11.2015, as partes firmaram contrato com autorização para desconto em folha de pagamento (evento 10, doc. 02); 2) na mesma data, foi disponibilizado na conta do autor o valor de R$ 1. 674,00 (evento 10, doc. 3); 3) foi debitado mensalmente o valor aproximado de R$ 70,00 dos proventos de aposentadoria do autor, condizente ao pagamento mínimo da fatura do aludido cartão. Observa-se que tal contrato foi entabulado no mesmo dia da liberação de valores para a parte autora.
Outrossim, dessume-se dos autos que o banco réu sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.
[...]
Com efeito, a parte autora recebeu os valores na íntima convicção de que se tratava de empréstimo consignado cujas parcelas vinham sendo adimplidas por meio de descontos em seu benefício previdenciário, como tantas outras vezes sucedeu. Contudo, verificou posteriormente que se tratava tão somente de uma "parcela mínima" o que lhe acarretou em juros exorbitantes decorrentes de uma mora que sequer sabia ter sido configurada.
Se não bastasse, a prática tem demonstrado que as instituições financeiras vêm, cada vez mais, valendo-se dessa forma de empréstimo junto aos aposentados e pensionistas, normalmente pessoas com idade mais avançada e hipossuficientes, aproveitando-se assim de eventual fraqueza ou ignorância do consumidor, exigindo uma vantagem manifestamente excessiva, práticas estas abusivas, conforme disposto no art. 39, IV e V do CDC.
Diante dessa situação posta, tratando-se de uma "simulação" provocada pela ré, a contratação de empréstimo por meio de cartão de crédito é nula de pleno direito (CDC, art. 51, inciso IV), porque inexistente, mas deve subsistir a verdadeira contratação buscada pelo consumidor, ou seja, o contrato de empréstimo consignado para desconto das parcelas em folha de benefício/pagamento e, diante da flagrante má-fé da instituição financeira, devem ser devolvidos ao consumidor, na forma dobrada, todos os descontos já efetivados, nos termos do art. 42 do CDC, permitindo-se eventual compensação com saldo devedor do empréstimo consignado que passa a ser o efetivo negócio jurídico realizado entre as partes.
(Evento 38).
A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).
Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.
Observo que é incontroverso nos autos a efetiva instrumentalização de negócio jurídico entre as Partes.
Ocorre que o exercício da livre manifestação de vontade do Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.
Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.
Com efeito, o Demandante é detentor da benesse da gratuidade da justiça, e é aposentado por tempo de contribuição.
Do extrato do benefício n. 1315484878 (Evento 1, extrato 5-7), infere-se: (a) a existência de empréstimo consignado ativo; e (b) contrato de cartão de crédito.
É importante notar que o montante emprestado/sacado foi depositado diretamente na conta-corrente do Autor - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.
Gizo que não há qualquer prova no feito que demonstre...

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