Acórdão Nº 5000321-63.2020.8.24.0079 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 21-10-2021

Número do processo5000321-63.2020.8.24.0079
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000321-63.2020.8.24.0079/SC

RELATOR: Desembargador TULIO PINHEIRO

APELANTE: JOCENIRA APARECIDA DO NASCIMENTO (AUTOR) APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Perante o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Videira, JOCENIRA APARECIDA DO NASCIMENTO promoveu "ação de obrigação de não fazer c/c repetição de indébito, indenização por danos morais" contra BANCO PAN S.A., autuada sob o n. 5000321-63.2020.8.24.0079.

Na inicial, alegou a parte autora, em síntese, ter sido induzida em erro pela casa bancária, ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável, operação bancária diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado que acreditou ter celebrado. Sustentou, a respeito, que não teve a intenção de celebrar contrato de cartão de crédito e não foi comunicada a respeito dos débitos referentes à reserva da margem consignável. Quanto ao pacto de "cartão de crédito consignado", aduziu que esta modalidade é ilegal, por ensejar onerosidade excessiva ao consumidor, ao restringir a sua liberdade em efetuar outros negócios jurídicos, bem como ao tornar o empréstimo impagável, em razão de o valor descontado corresponder apenas ao pagamento mínimo do cartão, contexto que enseja a prorrogação e o reajuste do restante do débito no mês subsequente. Defendeu, ainda, a ilegalidade na contratação, por não ter autorizado expressamente a cobrança da RMC e por ter sido induzida em erro pelo fornecedor, quando celebrou avença diversa e mais onerosa, havendo violação ao seu direito à informação. Pelo exposto, pleiteou, em sede de tutela provisória de urgência antecipada, a abstenção do banco em efetuar os descontos referentes a "RMC" e a "Empréstimo sobre a RMC". No mérito, requereu a declaração de inexistência de contratação, a repetição do indébito e a condenação da demandada no pagamento de indenização por danos morais em valor não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Pediu, por fim, a concessão da gratuidade judiciária (petição inicial, evento 1).

Sua Excelência concedeu parcialmente a gratuidade da justiça e decretou a inversão do ônus da prova (evento 3).

Citada, a instituição financeira ré apresentou contestação, bem como acostou documentos (evento 9).

Houve réplica (evento 13).

Na sequência, o MM. Juiz RAFAEL GOULART SARDA exarou sentença (evento 17), o que fez nos seguintes termos, consoante se extrai de sua porção dispositiva:

(...) Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para:

I- Determinar seja oficiado ao INSS para que proceda ao cancelamento dos descontos à título de "reserva de margem consignável" e "empréstimo sobre a RMC" efetivados pela instituição financeira ré nos benefícios da parte autora;

II- Declarar a ineficácia da relação jurídica unicamente quanto ao contrato de cartão de crédito com "Reserva de Margem Consignável" (RMC), com o cancelamento do cartão de crédito, preservando-se a relação contratual na modalidade de empréstimo consignado, com o recálculo do saldo devedor pelo agente financeiro, observados os seguintes parâmetros: (a) os juros remuneratórios deverão ser limitados conforme a tabela da taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil no mês da contratação; (b) os valores adimplidos até a presente data deverão ser abatidos do saldo devedor do contrato; (c) o valor da parcela deverá limitar-se ao montante descontado mensalmente do benefício previdenciário da parte autora;

III - Condenar a parte ré à repetição de indébito na forma simples, somente se, observados os parâmetros estabelecidos no item II, for constatada a existência de saldo em favor da parte autora; o valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do desconto de cada parcela e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data da citação;

IV - Condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 3.000,00 a título de danos morais, incidindo juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (data da inclusão da reserva de margem para cartão de crédito) e correção monetária pelo INPC a partir da presente data (enunciados das Súmulas n. 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça), autorizada a aplicação do valor no abatimento do saldo devedor do empréstimo consignado contratado, acaso existente, observados os parâmetros estabelecidos no item II.

Considerando que a parte autora decaiu em parte mínima de seus pedidos, condeno a parte ré ao pagamento da integralidade das despesas processuais pendentes, além daquelas adiantadas no curso do processo pelo vencedor.

Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte ré ao advogado da parte autora, no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, em atenção aos critérios previstos no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. (...).

Irresignados, apelaram os contendores.

A casa bancária acionada, em suas razões, sustentou, preliminarmente, a inépcia da inicial. Quanto ao mais, defendeu a legalidade da contratação de cartão de crédito, com reserva de margem consignável. Argumentou, para tanto, que a parte recorrida, por vontade própria, contratou cartão de crédito consignado, conforme termo de adesão anexado ao processado, tendo recebido e usufruído do valor que lhe foi disponibilizado, mediante saque. Após fazer alusão às normas que amparam a modalidade de contratação defendida, bem como as características desta, pugnou pelo julgamento de improcedência da demanda. Sucessivamente, suplicou pela declaração de inexistência de danos morais, ou por sua mitigação ou mesmo a fixação do termo a quo de incidência dos juros de mora à data do arbitramento da indenização. Outrossim, pugnou "a devolução ao Banco recorrente dos valores depositados na conta da recorrida, ou, alternativamente, a compensação dos valores arbitrados à título de danos morais do valor depositado ao recorrido"(evento 25).

De seu turno, propugnou o polo acionante, no arrazoado recursal que ofertou, a reforma da sentença para majorar a indenização por danos morais. Ainda, defendeu a impossibilidade de compensação de possíveis débitos com a condenação por danos morais. Por fim, pleiteou a majoração da verba advocatícia sucumbencial, além do prequestionamento das temáticas (evento 21).

Com as contrarrazões (eventos 30 e 37), os autos ascenderam a esta Corte.

VOTO

Ab initio, antes de se passar à apreciação do mérito dos reclamos, esclarece-se que: a análise sob enfoque é realizada em consonância com o posicionamento mais atual que vem sendo aplicado neste Órgão Colegiado acerca do tema; não haver razão para acolhe-se a tese deduzida em contrarrazões pela financeira ré de ofensa à dialeticidade recursal por parte do polo adverso, que, rebateu o desfecho da sentença de forma dialética.

Trata-se de recursos de apelação interpostos por BANCO PAN S.A. e por JOCENIRA APARECIDA DO NASCIMENTO contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de inexistência de débito, com pedidos de repetição do indébito e indenização por danos morais (Autos n. 5000321-63.2020.8.24.0079), promovida pela última contra o primeiro.

Na petição inicial, a parte autora defende, em síntese, a nulidade da avença celebrada, por vício de consentimento, sustentando ter sido induzida em erro pela casa bancária, ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável, operação bancária diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado que acreditou ter celebrado.

A instituição financeira apelada, por sua vez, prefacialmente, aduziu a inépcia da petição inicial, sob a arguição de que o pedido declaratório está em desalinho com a narrativa exposta, pois a incontroversa existência de contratação entre as partes permite apenas que se busque a revisão da avença, e não a pedir sua inexistência. Quanto ao mais, sustenta a validade do contrato de cartão de crédito entabulado entre as partes e, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no benefício previdenciário da parte autora.

Antes de se passar à apreciação do reclamo, valer consignar que a isagoge de inépcia da exordial flagrantemente não procede, dada a natureza da própria demanda, que em nada se assemelha a mera lide de revisão de encargos contratuais.

Infere-se dos autos que os litigantes formalizaram "Termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão de crédito consignado PAN" e "Solicitação de saque via cartão de crédito - transferência de recursos do cartão de crédito PAN", em que foi avençado saque de valor, bem como autorizada a reserva de margem consignável (RMC) no benefício previdenciário da parte demandante, para o pagamento do valor mínimo da fatura mensal do cartão (vide documento 8 do evento 9).

Em que pese tal documentação conferir substrato à celebração de negócio jurídico entre as partes, as circunstâncias do caso evidenciam a existência de vício de consentimento do consumidor, decorrente da ausência de informação clara e adequada, e a ocorrência de prática abusiva perpetrada pela casa bancária, contexto que enseja a nulidade contratual.

Isso porque, muito embora as avenças de cartão de crédito e de empréstimo consignado sejam modalidades contratuais distintas, a forma como a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT