Acórdão Nº 5000353-69.2020.8.24.0014 do Segunda Câmara de Direito Público, 16-11-2021

Número do processo5000353-69.2020.8.24.0014
Data16 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000353-69.2020.8.24.0014/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: DENISE TEREZINHA MOCELIN (REQUERENTE) ADVOGADO: JANAINA DIAS DE DEUS (OAB SC013281) APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (REQUERIDO) APELADO: OS MESMOS MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Denise Terezinha Mocelin ajuizou ação indenizatória contra o Estado de Santa Catarina por conta do falecimento de Natanael Mocelin dos Santos, filho da autora, que se encontrava preso temporariamente na unidade prisional de Campos Novos/SC.

Relatou, para tanto, que o seu filho esteve custodiado no estabelecimento penal durante o período de 27.10.17 a 24.04.19. Disse que, em abril de 2018, Natanael passou a relatar "muitas dores no peito, falta de ar e muita tosse", razão pela qual a genitora providenciou a entrega de medicamentos ao presídio que, no entanto, raramente foi fornecido ao detento pelos agentes estatais.

Aduziu que, com o agravamento do quadro de saúde de Natanael, agendou consulta médica com pneumologista, informando à autoridade policial a data e o horário do atendimento. Asseverou que, contudo, seu filho não foi encaminhado à consulta agendada. Afirmou que, em 2019, agendou duas novas consultas médicas, e que, novamente, o réu não o encaminhou para os atendimentos.

Narrou que, em 18.05.19, ocorreu uma rebelião dos detentos que agravou o quadro de saúde já debilitado de Natanael, motivo pelo qual foi transferido para a enfermagem da unidade prisional de Itajaí/SC com estado de saúde já irreversível.

Após o retorno à unidade de Campos Novos/SC, destacou que o interno permaneceu na UPA do dia 12.06.19 até 18.06.19, quando foi encaminhado para o Hospital Dr. José Athanázio ficando internado até o dia 25.06.19. Por conta do quadro grave, Natanael foi encaminhado à UTI do Hospital Salvatoriano Divino Salvador na cidade de Videira/SC, local que veio à óbito, em 30.06.19, por insuficiência respiratória aguda (CID10 J96.0).

Defendeu que, por conta da omissão e do descaso dos agentes públicos em relação ao estado de saúde do falecido enquanto estava sob custódia do Estado, o réu deve ser responsabilizado pela morte de Natanael.

Assim, pleiteou a condenação do Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização por danos morais "ante as incontáveis tentativas de chamar a atenção e pedir para que levassem o filho às consultas a fim de tentar evitar o sofrimento do filho, que foram repelidas".

Nesses termos, pugnou pela concessão do benefício da justiça gratuita e pela total procedência dos pedidos iniciais (Evento 1).

O pedido de justiça gratuita foi deferido e determinada a citação do Estado de Santa Catarina (Evento 3).

Citado, o réu contestou argumentando que responde de forma subjetiva pelas suas condutas omissivas, de modo que a parte autora deve demonstrar a existência de conduta culposa, além do dano e do nexo de causalidade.

Nesse contexto, asseverou que não restam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil subjetiva, sobretudo a conduta culposa e o nexo de causalidade entre a suposta desídia no tratamento do detento e o seu posterior falecimento.

Aduziu que durante os meses de maio/junho de 2018 e janeiro/fevereiro 2019 o detento foi submetido a inúmeras consultas e atendimentos médicos na unidade prisional, tendo, inclusive, sido conduzido ao Hospital Dr. José Athanásio em 16.03.19. Relatou que, em razão do motim que ocorreu em 18.05.19, Natanael foi transferido para o Presídio de Itajaí - Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, onde também recebeu atendimentos médicos e realizou exames.

Narrou que o detento foi encaminhado à UPA de Campos Novos em 19.06.19 e que, em 21.06.19, solicitou atendimento médico sendo internado no Hospital Dr. José Athanázio durante os dias 22.06.19 a 25.06.19.

Afirmou que durante o quadro de insuficiência respiratória a unidade manteve a escolta e custódia de Natanael desde a data de 25.06.19 até a data de cumprimento da decisão que concedeu ao detento o regime de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica (29.06.19).

Relatou que, em 28.06.19, em virtude do agravamento do quadro clínico, o detento foi encaminhado à UTI do Hospital Salvatoriano Divino Salvador em Videira/SC.

Aduziu que todos os atendimentos narrados constam do currículo prisional do detento, a comprovar que não procede a alegação de negligência com a saúde de Natanael.

Enfatizou que "em nenhum momento houve falha em garantir a saúde e integridade física de Natanael durante o período que esteve sob a custódia do Estado. Pelo contrário, o atendimento que lhe foi dispensado enquanto esteve na unidade prisional foi exatamente aquele preconizado pela literatura médica para o manejo da patologia de que padecia. Não pode o Estado ser responsabilizado pela eventual piora do quadro de saúde do filho da autora".

Eventualmente, requereu a minoração da verba indenizatória postulada pela autora, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa da demandante em detrimento do erário.

No mais, pugnou pela incidência dos encargos moratórios a partir da data do arbitramento, devendo ser observados os índices do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97.

Ao final, requereu a improcedência dos pedidos (Evento 6).

Houve réplica (Evento 10).

Em decisão saneadora, o juízo de primeira instância deferiu a produção de prova oral, além da documental já constante dos autos, bem como designou a data de audiência de instrução e julgamento (Evento 14).

Realizada a audiência de instrução e julgamento (Eventos 35 e 36), as partes apresentaram alegações finais (Eventos 37 e 38).

Conclusos os autos, o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Campos Novos proferiu sentença julgando procedentes os pedidos iniciais do seguinte modo:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados, resolvendo o mérito com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, e, em consequência, CONDENO o demandado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), corrigido monetariamente pelo IPCA-E a partir desta data e acrescido de juros de mora pelos índices da poupança a partir do evento danoso.CONDENO o requerido, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, considerando o trabalho despendido e a natureza da causa (art. 85, § 2º, do CPC). Ressalta-se que o Estado de Santa Catarina é isento do pagamento das custas processuais (Lei 17.654/2018, art. 7º, I).Sentença não sujeita a reexame necessário (art. 496, § 3º, II, do CPC).Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Transitada em julgado, certifique-se e, após, em nada sendo requerido, arquivem-se os autos, dando-se baixa na estatística." (Evento 42).

Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação alegando, em síntese, que não restaram preenchidos os requisitos exigidos para a configuração da responsabilidade civil subjetiva, quais sejam, a conduta culposa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o prejuízo sofrido.

Enfatizou que, na hipótese de ser aplicada a teoria da responsabilidade civil objetiva, há que ser verificado o nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado e o dano sofrido pelo particular, uma vez que "a responsabilização objetiva do Estado em caso de morte de detento somente pode se dar quando restar cabalmente comprovada a inobservância do dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, sob pena de inconstitucional aplicação da teoria do risco integral, o que não ocorreu no presente caso".

Defendeu que as provas nos autos indicam que Natanael foi adequadamente encaminhado para atendimento médico no período de custódia, daí porque ausentes os requisitos relacionados à omissão específica da administração prisional em garantir a saúde do custodiado.

Por fim, pré-questionou dispositivos e requereu a reforma da sentença, com a improcedência dos pedidos iniciais e, subsidiariamente, a minoração do quantum arbitrado a título de condenação por danos morais, bem como a incidência de juros a partir do trânsito em julgado da sentença, da data do arbitramento ou da citação (Evento 46).

A parte autora também apresentou recurso de apelação, requerendo tão somente a majoração da verba indenizatória fixada na origem (R$ 25.000,00) para o valor de R$ 50.000,00, argumentando que o montante está em consonância julgados análogos e que "a indenização ora requerida é medida justa e equivale ao sofrimento da mãe, que em decorrência de tanto incômodo, hoje se encontra em cadeiras de rodas, vítima de AVC em face da situação enfrentada e frustrada na tentativa de salvar o filho" (Evento 49).

As partes apresentaram contrarrazões (Eventos 51 e 54).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Eliana Volcato Nunes, deixou de se manifestar acerca do mérito recursal ante a sua ausência de interesse no feito (Evento 10).

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é no sentido de desprover o recurso do Estado e prover em parte o recurso da autora.

2. Do não conhecimento do reexame necessário:

De início, importa ressaltar que a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório, uma vez que o valor da condenação evidentemente não ultrapassa o patamar previsto para remessa necessária no art. 496, § 3º, II, do CPC/15 - 500 (quinhentos) salários mínimos -, que à época da prolação do decisum equivalia a R$ 1.100,00 (mil e cem reais).

3. Da responsabilidade civil do Estado:

A responsabilidade a que está sujeito o Estado de Santa Catarina, em regra geral, é aquela prevista no art. 37, § 6º, da CF, ou seja, de caráter objetivo, in verbis:

"Art. 37. [...][...]§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros...

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