Acórdão Nº 5000358-59.2019.8.24.0036 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 29-04-2021

Número do processo5000358-59.2019.8.24.0036
Data29 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000358-59.2019.8.24.0036/SC



RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN


APELANTE: REGIANE PEREIRA DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


1.1) Da inicial
Regiane Pereira da Silva ajuizou "ação ordinária de revisão de cláusulas contratuais com pedido de tutela de urgência" em face de Banco Bradesco Financiamentos S/A contando, em síntese, que as partes firmaram um contrato de alienação fiduciária tendo como garantia o veículo de placas MII-1787.
Alegou que a relação entabulada entre as partes é amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo ser invertido o ônus da prova. Disse que o contrato possui cláusulas abusivas que autorizam sua revisão, razão pela qual defendeu: (i) limitar dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação; (ii) declarar a ilegalidade da capitalização de juros; (iii) modificar o índice de correção monetária para o INPC ao invés da TR ou TBF; (iv) fixar a multa contratual em 2%, bem como impedir sua incidência sobre os juros moratórios; (v) extirpar a comissão de permanência. Ainda, disse da repetição do indébito e pediu pela justiça gratuita.
Ao final, requereu a antecipação de tutela para impedir a inserção ou manutenção de seu nome em cadastro de restrição de crédito e possibilitar a consignação do proposto, em juízo, e o acolhimento de seus pedidos.
1.2) Da contestação
Citado, o Banco apresentou contestação (evento 13) alegando, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, defendeu a legalidade das cláusulas pactuadas, dizendo inexistir abusividade e direito a repetição de indébito. Por fim, requereu a improcedência da demanda.
1.3) Do encadernamento processual
O pedido de justiça gratuita foi deferido, mas o pleito de tutela de urgência antecipada foi negado (evento 9).
Manifestação sobre a contestação (evento 17).
1.4) Da sentença
No ato compositivo da lide (evento 19), proferido em 15/10/2020, a Juíza de Direito Graziela Shizuiho Alchini, exintgiu o processo sem resolução do mérito, nos seguintes termos:
Diante do exposto, JULGO EXTINTO o feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. IV, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 85, § 8º do CPC, ficando suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência conforme o artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil, em razão da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.
1.5) Do recurso
Inconformada, a parte autora ofertou recurso de Apelação Cível (evento 24), alegando cerceamento de defesa, porquanto não foi previamente intimada para especificação das cláusulas contratuais, mas "a apelante foi apenas intimada para que se manifestasse acerca da defesa apresentada, sem que houvesse a determinação de que deveria especificar os lançamentos que considerava indevidos de forma pormenorizada, até mesmo porque tal fato incumbia ao apelado, ante a inversão deferida". Assim, requereu a reforma do julgado.
1.6) Das contrarrazões
Presente (evento 31).
Após, ascenderam os autos a este Colegiado.
Este é o relatório

VOTO


2.1) Do objeto recursal
A discussão é sobre a ocorrência do cerceamento de defesa.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
2.3) Da preliminar de cerceamento de defesa
Sustenta a ocorrência de cerceamento de defesa porque "a apelante foi apenas intimada para que se manifestasse acerca da defesa apresentada, sem que houvesse a determinação de que deveria especificar os lançamentos que considerava indevidos de forma pormenorizada, até mesmo porque tal fato incumbia ao apelado, ante a inversão deferida"
Conforme consta dos autos, o Juízo a quo extinguiu o processo nos seguintes termos (evento 19):
[...] O que se verifica neste caso, é que a parte autora se limita a arrolar em tópicos supostas abusividades de forma genérica sem nenhuma associação com os termos do negócio firmado.
Na verdade, é importante registrar que a mesma inicial genérica é apresentada em todos os processos em que atua o patrono da parte autora, enumerando os mesmos encargos -- independentemente da natureza jurídica do negócio --, mesmo em se tratando de contratações diversas de financiamento de veículos, o que reforça mais ainda a generalidade dos pedidos.
Todavia, repita-se, não compete ao Juízo fazer análise de ofício dos termos contratuais em busca de supostas ilegalidades capazes de encaixe dentre aquelas listadas nos tópicos genéricos apresentados na inicial, sob pena de configurar evidente atuação oficiosa do julgador, expressamente vedada pela Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, o exercício da função jurisdicional é destinado à solução de casos concretos e "não se destina a resolver questões fundadas sobre hipóteses teóricas ou sobre preceitos normativos em tese" (STJ, REsp 1111164-BA, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 13-5-2009).
E tendo em vista que é o pedido inicial que delimita a lide (art. 141 do CPC) -- por aplicação dos princípios dispositivo e da adstrição --, a não individualização da demanda com a expressa e objetiva indicação do objeto do litígio impede a entrega da solução jurisdicional de forma específica, e configura, caso efetivada a revisão dos encargos abusivos, evidente atuação oficiosa do julgador, repita-se, expressamente vedada pela Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça.
Ocorre que, quando da análise da tutela de urgência antecipada, a mesma Magistrada que sentenciou o processo disse:
[...] A parte autora manifesta insurgência quanto à: juros remuneratórios; capitalização de juros; índice de correção monetária; encargos de mora (comissão de permanência, multa e juros).
Na hipótese, embora não apresentado o contrato com a inicial, houve a juntada na ação de busca e apreensão apensa, o que possibilita a análise das alegações. [...] (evento 9).
Ora, das palavras da própria Magistrada que extinguiu o processo fica claro que a parte autora, ora apelante, especificou os encargos que busca revisar.
Causa estranheza a todos os sujeitos do processo, inclusive ao Juízo ad quem, que após consignar em decisão interlocutória quais as pretensões contstantes da peça portal o feito venha ser extinto, pela mesma Magistrada, sob o argumento de que não houve especificação das cláusulas a serem revisadas e que os pedidos são genéricos.
O artigo 10 do Código de Processo Civil determina que "O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício".
Desta forma, além da insegurança jurídica gerada pela própria Magistrada que em fases distintas do processos agiu de forma contraditória, sem ao menos justificar tal conduta, a sentença ofende o art. 10 do CPC, sendo nula.
Portanto, deve ser declarada nula a sentença.
2.4) Da possibilidade de análise do mérito
Conforme supra consignado, o ato compositivo da lide extinguiu o processo sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, da Lei Processual.
Contudo, a peça portal traz os encargos que a parte busca revisar, o que é corroborado pela decisão interlocutória do evento 9, o que torna viável a análise do mérito pretendido pelo autor.
Ademais, não há necessidade de a parte autora enumerar todas as cláusulas contratuais que pretende revisar, vez que os encargos pretendidos estão expressos na exordial, constatando-se que o objeto jurisdicional está pronto e apto para julgamento de mérito.
Já decidi:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CONTA CORRENTE. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA. EMPRÉSTIMO. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.
DECISÃO CASSADA. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 515, § 3º, DO CPC/1973 E 1.013, §3º, DO CPC/2015. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0001281-53.2009.8.24.0059, de São Carlos, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Enfrentamento de Acervos, j. 05-09-2018).
Ainda, o Código de Processo Civil, em seu artigo 1.013, trouxe a possibildade de que, estando o processo em condições de imediato julgamento, pode o Juízo ad quem proferir o ato compositivo da lide.
É da Lei Processual:
Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos...

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