Acórdão Nº 5000387-85.2019.8.24.0044 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 25-03-2021

Número do processo5000387-85.2019.8.24.0044
Data25 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000387-85.2019.8.24.0044/SC

RELATOR: Desembargador TULIO PINHEIRO

APELANTE: BANCO BMG SA (RÉU) APELADO: ESTER SCHMOLLER SEIFER (AUTOR)

RELATÓRIO

Perante o Juízo da 1ª Vara da Comarca de Orleans, ESTER SCHMOLLER SEIFER promoveu "ação declaratória de inexistência de relação jurídica, repetição de indébito c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" contra BANCO BMG S.A., autuada sob o n. 5000387-85.2019.8.24.0044.

Na inicial, alegou a parte autora, em síntese, ter sido induzida em erro pela casa bancária, ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável, operação bancária diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado que acreditou ter celebrado. Sustentou, a respeito, que não teve a intenção de celebrar contrato de cartão de crédito e não foi comunicada a respeito dos débitos referentes à reserva da margem consignável. Quanto ao pacto de "cartão de crédito consignado", aduziu que esta modalidade é ilegal, por ensejar onerosidade excessiva ao consumidor, ao restringir a sua liberdade em efetuar outros negócios jurídicos, bem como ao tornar o empréstimo impagável, em razão de o valor descontado corresponder apenas ao pagamento mínimo do cartão, contexto que enseja a prorrogação e o reajuste do restante do débito no mês subsequente. Defendeu, ainda, a ilegalidade na contratação, por não ter autorizado expressamente a cobrança da RMC e por ter sido induzida em erro pelo fornecedor, quando celebrou avença diversa e mais onerosa, havendo violação ao seu direito à informação. Pelo exposto, pleiteou, em sede de tutela provisória de urgência antecipada, a abstenção do banco em efetuar os descontos referentes a "RMC" e a "Empréstimo sobre a RMC". No mérito, requereu a declaração de inexistência de contratação, a repetição do indébito em dobro e a condenação da demandada no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Subsidiariamente, almejou a conversão da avença formalizada para empréstimo consignado, com a amortização do saldo devedor com as quantias já pagas a título de RMC. Pediu, por fim, a concessão da gratuidade judiciária (petição inicial, evento 1).

Sua Excelência concedeu a gratuidade da justiça, decretou a invesão do ônus da prova e deferiu a tutela antecipada (evento 3).

Citada, a instituição financeira ré apresentou contestação, bem como acostou documentos (evento 11).

Houve réplica (evento 16).

Após manifestações das partes (eventos 21 23), a MM.ª Juíza RACHEL BRESSAN GARCIA MATEUS exarou sentença (evento 27), o que fez nos seguintes termos, consoante se extrai de sua porção dispositiva:

(...) Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, com resolução de mérito, julgo procedentes os pedidos iniciais formulados por ESTER SCHMOLLER SEIFER contra BANCO BMG SA, para o fim de:

a) declarar inexistente a relação jurídica exclusivamente com relação ao cartão de crédito com RMC, com o consequente cancelamento do referido cartão;

b) determinar que a parte requerida proceda com a conversão do contrato "cartão de crédito consignado" para "empréstimo consignado", tendo como valor atual do financiamento o decorrente do montante originalmente repassado à parte autora, subtraída a quantia total dos descontos já efetivadas de RMC, sem qualquer acréscimo de encargo moratório, ressaltando-se que as condições desse novo contrato, notadamente o número de prestações, deverão ser recalculadas, levando-se em conta o percentual máximo consignável;

c) condenar o BANCO BMG SA. a restituir em dobro os valores indevidamente descontados da aposentadoria da parte autora em relação ao contrato, corrigidos monetariamente pelo INPC e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados desde o desconto de cada parcela, permitida a compensação com eventual saldo devedor;

d) condenar o BANCO BMG SA. ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a titulo de indenização por danos morais, incidindo juros moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso (17.01.2018) e correção monetária pelo INPC a partir desta data.

Confirmo a tutela concedida.

Ainda que o valor da condenação não tenha sido fixado no valor postulado pela parte, mas em observância à jurisprudência majoritária atual sobre o tema, não haverá sucumbência recíproca, nos termos da Súmula 326 do STJ, razão pela qual condeno a parte ré integralmente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. (...).

Irresignada, apelou a parte acionada. Em suas razões, defendeu a legalidade da contratação de cartão de crédito, com reserva de margem consignável. Argumentou, para tanto, que a parte recorrida, por vontade própria, contratou cartão de crédito consignado, conforme termo de adesão anexado ao processado, tendo recebido e usufruído do valor que lhe foi disponibilizado, mediante saque. Após fazer alusão às normas que amparam a modalidade de contratação defendida, bem como as características desta, pugnou pelo julgamento de improcedência da demanda. Sucessivamente, requereu que seja permitida a cobrança de correção monetária e de juros de acordo com a média de mercado ou legais sobre os valores sacados pela parte recorrida. Outrossim, além de insurgir-se em face do comando de repetição dobrada de valores, suplicou pela declaração de inexistência de danos morais ou pela mitigação do importe arbitrado a tal título. Por fim, pleiteou "o ressarcimento ao banco do valor disponibilizado à apelante, ou pelo menos deferimento da compensação dos valores indenizatórios devidos a ela - provenientes de eventual condenação do Banco - com o montante devido por ele em razão dos valores tomados quando da contratação sub judice" (evento 31).

Por fim, restou contra-arrazoada a insurgência (evento 39).

VOTO

Ab initio, antes de se passar à apreciação do mérito dos reclamos, esclarece-se que a análise sob enfoque é realizada em consonância com o posicionamento mais atual que vem sendo aplicado neste Órgão Colegiado acerca do tema.

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S.A. contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de inexistência de débito, com pedidos de repetição do indébito e indenização por danos morais (Autos n. 5000387-85.2019.8.24.0044), promovida por ESTER SCHMOLLER SEIFER.

Na petição inicial, a parte autora defende, em síntese, a nulidade da avença celebrada, por vício de consentimento, sustentando ter sido induzida em erro pela casa bancária, ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável, operação bancária diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado que acreditou ter celebrado.

A instituição financeira ré, por sua vez, sustenta a validade do contrato de cartão de crédito entabulado entre as partes e, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no benefício previdenciário da parte autora.

Infere-se dos autos que os litigantes formalizaram "Termo de adesão cartão de crédito consignado Banco BMG S.A. e autorização para desconto em folha de pagamento", "Proposta de contratação de saque mediante a utilização do cartão de crédito consignado emitido pelo BMG" e "Cédula de crédito bancário ('CCB') - Contratação de saque mediante a utilização do cartão de crédito consignado emitido pelo BMG", ocasião em que foi solicitado saque de valor, bem como autorizada a reserva de margem consignável (RMC) no benefício previdenciário da parte demandante, para o pagamento do valor mínimo da fatura mensal do cartão (vide documento 2 do evento 11).

Em que pese tal documentação conferir substrato à celebração de negócio jurídico entre as partes, as circunstâncias do caso evidenciam a existência de vício de consentimento do consumidor, decorrente da ausência de informação clara e adequada, e a ocorrência de prática abusiva perpetrada pela casa bancária, contexto que enseja a nulidade contratual.

Isso porque, muito embora as avenças de cartão de crédito e de empréstimo consignado sejam modalidades contratuais distintas, a forma como a instituição financeira realizou a contratação de cartão de crédito consignado na presente hipótese acabou por levar o consumidor a erro, de tal maneira que se mostra razoável que pessoas habituadas a contratar empréstimo consignado acreditassem estar celebrando pacto desta natureza.

De fato, além de a forma de pagamento em ambas as avenças ser semelhante (desconto direto em benefício previdenciário), observa-se que, no ajuste debatido nos autos, em vez de haver a indicação do limite de crédito para utilização - informação essencial nos contratos de cartão de...

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