Acórdão Nº 5000393-45.2020.8.24.0016 do Terceira Câmara de Direito Público, 14-12-2021

Número do processo5000393-45.2020.8.24.0016
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000393-45.2020.8.24.0016/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

RELATÓRIO

Na Comarca de Capinzal, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública "de imposição de obrigação de fazer com pedido de decisão em caráter liminar" contra o Estado de Santa Catarina alegando que V. P., menor, nascida em 12/08/2018, possui alergia à proteína do leite de vaca, o que a impede de consumir o respectivo leite em razão da restrição à lactose; que a paciente precisa utilizar proteína hidrolisada (suplemento alimentar Pregomin), por tempo indeterminado, porquanto corresponde ao único lácteo que a menor possui condições de utilizar; que a não utilização do suplemento alimentar poderá agravar o estado de nutrição da paciente; que o suplemento alimentar não pode ser substituído por alternativas disponibilizadas pelo Estado; que deve o ente Público fornecer o suplemento alimentar na quantidade mensal necessária à criança. Postulou, assim, em caráter liminar, a condenação do ente Público a fornecer o tratamento médico necessário à manutenção do estado de saúde da menor e, por fim, requereu confirmação definitiva da medida liminar.

O pedido liminar foi deferido.

Citado, o Estado apresentou contestação alegando que o prazo fixado pelo juízo para cumprimento da medida liminar é exíguo e, por isso, deve ser ampliado; que a responsabilidade pelo fornecimento do suplemento alimentar à paciente incumbe ao Município, porquanto responsável pelas Políticas de Assistência Social; que a medicação não está padronizada nos Programas do Ministério da Saúde e, por isso, não pode ser fornecido pelo demandado; que deve ser realizada prova pericial e fixada contracautela.

Impugnados os argumentos da contestação, em seguida, foi determinada a realização da prova pericial, assim como do estudo social.

Apresentado o laudo pericial, o Estado se manifestou requerendo a extinção do processo sem análise do mérito e, subsidiariamente, a improcedência do pedido autoral.

Após manifestação ministerial, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogou a decisão liminar.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação alegando, inicialmente, que a União não deve ser incluída no polo passivo da lide; que o suplemento alimentar requerido na vestibular é necessário à manutenção do estado de saúde da paciente e, por isso, deve ser concedido pelo ente Público à criança necessitada; que o uso do suplemento não cessa a partir do período de dois anos de idade, pois pode ser fornecido até a fase adulta; que o tratamento requerido na vestibular é adequado ao tratamento da criança; que deve o ente Público manter o fornecimento do suplemento à paciente.

Sem as contrarrazões, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Dr. Durval da Silva Amorim, opinou pela "cassação, ofício, da sentença proferida, devendo os autos retornar ao primeiro grau".

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Estadual, em favor da menor V.P., contra sentença proferida na ação civil pública para fornecimento de tratamento médico proposta contra o Estado de Santa Catarina, que julgou improcedente o pedido inicial com que pretendia que o ente Público fornecesse o suplemento alimentar Pregomin Pepti, necessário à manutenção do estado de saúde da infante.

Sustenta o recorrente que a União não deve ser incluída no polo passivo da lide, porque o Estado é parte legítima para fornecer o tratamento requerido pela paciente; que o suplemento alimentar requerido na vestibular é necessário à manutenção do estado de saúde da infante.

Pois bem!

Discute-se no presente processo o direito à saúde e a responsabilidade do ente Público em efetivá-lo, à luz dos princípios e garantias fundamentais.

Inicialmente, adianta-se que o mérito da questão posta em juízo, acerca da necessidade de fornecimento do suplemento especial à criança não será analisada na presente decisão, em razão do ponto de que a sentença deve ser anulada, de ofício, porque, a União deve ser incluída no polo passivo da lide e, consequentemente, os autos remetidos à Justiça Federal, embora alegue o apelante em sentido adverso.

Explica-se.

O art. 23, inciso II, da CF/88, estabelece a competência concorrente da União, Estados e Municípios no que tange a saúde e assistência pública, razão pela qual a responsabilidade, entre os integrantes do sistema, é solidária.

Além disso, a Lei Federal n. 8.080/90, estabelece serem solidárias todas as esferas do Poder Público para o cumprimento das obrigações relativas à saúde. Ainda, o art. 15, da referida lei, dispõe que o Sistema Único de Saúde delegou aos Estados da Federação a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à saúde. Por sua vez, o art. 17, inciso VIII, atribui competência "à direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS)" para "em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde" (inciso VIII), sem afastar a legitimidade passiva do Município, dado que, consoante o art. 18, compete "à direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) .... V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde" do que se pode concluir, mais uma vez, que a responsabilidade relativa aos cuidados com a saúde da população é solidária, incluindo também a União.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal adotou posicionamento de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, é de responsabilidade solidária dos entes Federados, conforme denota-se do entendimento firmado com repercussão geral no Recurso Extraordinário n. 855.178 (Tema 793). Veja-se:

"Tema 793 - Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro" (tese firmada em 23.05.2019).

Não obstante, ao julgar e rejeitar os embargos declaratórios opostos contra o acórdão relativo ao mencionado Tema, o Excelso Pretório redefiniu os termos da tese acerca da responsabilidade solidária dos entes federativos no dever de prestar saúde aos necessitados, especialmente quanto à obrigação da União.

No acórdão relatado pelo Min. Edson Fachin, que proferiu o voto vencedor, já que o Relator originário, Min. Luiz Fux, foi vencido, datado de 16.04.2020, manteve-se o entendimento de solidariedade referente à obrigação do fornecimento de medicamentos pelos entes públicos, porém se determinou o direcionamento, pela autoridade judicial, do cumprimento ao ente responsável conforme as regras de repartição de competência para fornecimento de medicamento ou tratamento:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. "1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. "2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. "3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos.

No resumo do referido acórdão, apresentado pelo próprio Ministro redator, foram definidas as premissas que envolvem a questão:

"1. O presente voto, ao dispor dos eminentes pares e das partes na íntegra, expressa fundamentação nos termos do inciso IX do art. 93 da Constituição da República Federativa do Brasil, e se contém em aproximadamente 44 páginas."A síntese e a conclusão podem ser apresentadas, sem prejuízo da...

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