Acórdão Nº 5000396-42.2019.8.24.0175 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 30-03-2021

Número do processo5000396-42.2019.8.24.0175
Data30 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000396-42.2019.8.24.0175/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: ODANIR MARIA SORATO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: Stephany Sagaz Pereira (OAB SC035218) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Tratam-se de recursos de apelação cível interpostos por ODANIR MARIA SORATO e BANCO BMG SA contra sentença de parcial procedência (evento 20) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, cuja parte dispositiva a seguir se transcreve:
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por ODANIR MARIA SORATO em desfavor de BANCO BMG SA, para, acolhendo o pedido subsidiário e com amparo no artigo 6º, incisos III e V do Código de Defesa do Consumidor, determinar que a instituição financeira requerida proceda, no prazo de 30 (trinta) dias, a readequação dos termos do contrato de "Cartão de Crédito Consignado" conforme parâmetros acima elencados.
Ainda, JULGO EXTINTO o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Frente a sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a serem partilhados no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada uma, à luz do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil - sobretudo por se tratar de demanda de pouca complexidade, com reduzido número atos processuais e sem instrução do processo -, corrigidos monetariamente a partir da publicação desta sentença e acrescidos de juros de mora após o trânsito em julgado.
Por ser beneficiária da gratuidade da justiça (evento 3), fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte requerente.
Nas razões recursais (evento 32), a autora requer a reforma do "decisum", asseverando a ocorrência de prática abusiva efetuada pela parte ré, sob argumento de que nunca pretendeu a contratação de serviços de cartão de crédito, por meio de reserva de margem consignada (RMC), a significar a possibilidade da declaração de nulidade/inexistência de contratação do empréstimo via cartão de crédito. Ainda, pretende a condenação do banco à repetição em dobro dos valores descontados indevidamente, o pagamento de indenização por danos morais e dos ônus sucumbenciais.
Por sua vez, o banco réu (evento 28) sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores e ser indevida a restituição dos valores debitados.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 37 e 39).
É o relato do essencial

VOTO


Insurgem-se os contendores contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, determinando-se a readequação da avença para "empréstimo consignado".
Os pontos atacados serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Ofensa ao princípio da dialeticidade - preliminar formulada em contrarrazões
Em sede de resposta, a parte recorrida afirma a ausência de dialeticidade entre o comando sentencial e as razões recursais, argumentando que não impugna especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
Entretanto, não há motivo para o não conhecimento do recurso por ofensa ao art. 1.010 do Código de Processo Civil.
De acordo com referido dispositivo, "a apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: os nomes e a qualificação das partes; a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; o pedido de nova decisão" (incisos I a IV).
A esse respeito, leciona Daniel Amorim Assumpção Neve:
Em decorrência do principio da dialeticidade, todo o recurso deverá ser devidamente fundamentando, expondo o recorrente os motivos pelos quais ataca a decisão impugnada e justificando seu pedido de anulação, reforma, esclarecimento ou integração. Trata-se, na realidade, da causa de pedir recursal. A amplitude das matérias dessa fundamentação divide os recursos entre aqueles que tem fundamentação vinculada e os que tem fundamentação livre. [...]
Costuma-se afirmar que o recurso e composto por dois elementos: o volitivo (referente a vontade da parte em recorrer) e o descritivo (consubstanciado nos fundamentos e pedido constantes do recurso). O principio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir; error in judicando e error in procedendo) e do pedido (que podera ser de anulação, reforma, esclarecimento ou integração).
Tal necessidade se ampara em duas motivações: permitir ao recorrido a elaboração das contrarrazões e fixar os limites de atuação do Tribunal no julgamento do recurso. [...]
Por outro lado, o pedido se mostra indispensável na formulação de qualquer recurso porque, ao lado da fundamentação, limita a atuação e decisão do Tribunal, considerando-se a regra do tantum devolutum quantum appelatum (art. 515, caput, do CPC), Em decorrência do principio dispositivo, que norteia a existência e os limites - ao menos em regra - do recurso, a atuação jurisdicional do Tribunal estará vinculada a pretensão do recorrente, exposta em sua fundamentação e em seu pedido, o que demonstra claramente a importância do principio da dialeticidade. (Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 570 e 599/560)
No caso em análise, verifica-se a pertinência dos fundamentos constantes nas razões recursais - nas quais fora pleiteada a declaração de inexistência de contratação e condenação da adversa à restituição dos valores e a título de danos morais -, havendo conexão entre os argumentos deduzidos e os fundamentos do "decisum" que julgou procedentes os pedidos iniciais.
Assim sendo, evidencia-se que as razões recursais não estão dissociadas do fundamento utilizado na sentença impugnada, restando cumprido o requisito previsto no art. 1.010, II, da Lei Adjetiva Civil.
Portanto, a tese sustentada deve ser rejeitada, de modo que se avança à análise do apelo interposto pela parte acionante.
Falta de interesse recursal aventada em contrarrazões
Alega a casa bancária a ausência de interesse em recorrer da acionante no tocante ao pedido de nulidade do pacto, haja vista a procedência de seu pedido sucessivo, qual seja, de readequação da pactuação.
Razão lhe assiste.
Isso porque observa-se da exordial que a parte demandante postulou, em primeiro lugar, a nulidade do contrato de empréstimo consignado via cartão de crédito.
Alternativamente, e conforme expressamente destacado, "na remota hipótese de comprovação do cartão de crédito consignado (RMC) via apresentação de contrato devidamente assinada pela parte autora" (evento 1), demandou a conversão da pactuação para empréstimo consignado puro e simples.
Nesse sentido, fez uso do autorizativo do art. 326, parágrafo único, da Lei Adjetiva Civil, segundo o qual "É lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz acolha um deles".
Observa-se, outrossim, que na hipótese versada formularam-se pedidos alternativos, sem ordem de preferência. É patente, assim, a relação de alternatividade entre as postulações.
Colhe-se deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. [...] DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PEDIDO ALTERNATIVO DE CONVERSÃO DO CONTRATO QUE FOI ACOLHIDO EM SENTENÇA. [...] RECURSO DO BANCO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 0307292-70.2018.8.24.0039, Rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. em 26/11/2019) (sem grifos no original)
Sob esse prisma, carece de interesse em recorrer a parte autora no tocante ao pedido de nulidade da contratação, motivo pelo qual o reclamo não merece ser conhecido no ponto.
Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela readequação do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que "a instituição financeira requerida proceda, no prazo de 30 (trinta) dias, a readequação dos termos do contrato de "Cartão de Crédito Consignado" conforme parâmetros acima elencados" (evento 20).
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em...

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