Acórdão Nº 5000416-57.2019.8.24.0167 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 24-08-2021

Número do processo5000416-57.2019.8.24.0167
Data24 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000416-57.2019.8.24.0167/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: VALDEMAR DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: MAURICIO ALVES JUNIOR (OAB SC043189) APELADO: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU) ADVOGADO: RONALDO GOIS ALMEIDA (OAB RS056646)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por VALDEMAR DE SOUZA contra sentença de improcedência (evento 31) prolatada na denominada "ação declaratória de ilegalidade contratual c/c restituição de valores e indenização por dano moral", ajuizada em desfavor de BANCO DAYCOVAL S.A.

Em suas razões recursais (evento 34), requer a reforma do "decisum", com a procedência dos pleitos formulados na exordial, reafirmando a ocorrência de prática abusiva efetuada pela parte ré. Diante disto, postula a declaração de nulidade/inexistência da contratação, com a devolução em dobro dos valores descontados do benefício do recorrente. Ainda, pretende a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais e dos ônus sucumbenciais.

Com as contrarrazões (evento 42), a casa bancária sustenta preliminarmente a ofensa ao princípio da dialeticidade.

Após, os autos ascenderam a esta Instância.

É o relato do essencial.

VOTO

Insurge-se a parte autora contra sentença de improcedência, objetivando a declaração de inexistência de contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), com a condenação da casa bancária à reparação por dano moral e à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente.

Preliminar formulada em contarrazões - Ofensa ao princípio da dialeticidade

Primeiramente, em sede de resposta, a cas abancária afirma a ausência de dialeticidade entre o comando sentencial e as razões recursais, argumentando que não impugna especificamente os fundamentos da decisão recorrida.

Entretanto, não há motivo para o não conhecimento do recurso por ofensa ao art. 1.010 do Código de Processo Civil.

De acordo com referido dispositivo, "a apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: os nomes e a qualificação das partes; a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; o pedido de nova decisão" (incisos I a IV).

No caso em análise, verifica-se a pertinência dos fundamentos constantes nas razões recursais - nas quais fora pleiteada a declaração de inexistência de contratação e condenação da adversa à restituição dos valores e a título de danos morais -, havendo conexão entre os argumentos deduzidos e os fundamentos do "decisum" que julgou procedentes os pedidos iniciais.

Assim sendo, evidencia-se que as razões recursais não estão dissociadas do fundamento utilizado na sentença impugnada, restando cumprido o requisito previsto no art. 1.010, II, da Lei Adjetiva Civil.

Portanto, a tese sustentada deve ser rejeitada, de modo que se avança à análise do apelo interposto pela parte acionante.

Inexistência de contratação via cartão de crédito consignado

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, o autor defende a nulidade da contratação celebrada com a instituição financeira ré, por fraude contratual, sustentando ter sido induzido a erro por esta ao adquirir Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o Contrato de Empréstimo Consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado (evento 1, PET1).

No pronunciamento judicial atacado (evento 18), o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela validade da relação jurídica decorrente do instrumento contratual via cartão de crédito com reserva de margem consignável, sob fundamento de que "o requerido comprovou, por intermédio dos documentos acostados nos autos, que a parte autora não apenas aderiu a contrato de cartão de crédito - redigido em linguagem clara e inteligível - como também autorizou o desconto no seu benefício previdenciário da quantia mínima indicada na fatura mensal do plástico". Por consectário, julgou improcedente os pedidos exordiais.

Pois bem. Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.

Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.

Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal. (http://condege.org.br/publicacoes/noticias/ma-defensoria-promove-a%C3%A7%C3%A3o-civil-p%C3%BAblica-contra-bancos-por-ilegalidades-em-consignados)

Extrai-se da narrativa ser esse o caso em questão. Isso porque, da análise das circunstâncias em que a contratação foi efetivada, é possível verificar que o acionante pretendia firmar o denominado "empréstimo consignado" puro e simples, com parcelas fixas e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber, que contraíra outra modalidade contratual, via reserva de margem consignável, culminando na incidência de juros extorsivos a ponto de impossibilitar o pagamento do débito.

De fato, a efetiva existência dos descontos impugnados é incontroversa nos autos, tendo sido admitida pela parte ré em sua defesa.

Entretanto, a análise dos documentos trazidos pela acionada não conferem veracidade a sua alegação de que foi contratado pelo acionante cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha.

Evidencia-se dos autos a juntada de "Termo de adesão as condições gerais e emissão e utilização do cartão de crédito consignado do Banco Daycoval" n. 52.0177444/16-01, firmado em 05-05-2016, no qual se encontram os dados do demandante e a sua assinatura (evento 21, OUT4, p. 1/9).

Também constam duas solicitações de "autorização de saque via cartão de crédito consignado", nos valores de R$ 1.320,60 (um mil trezentos e vinte reais e sessenta centavos) e R$ 306,00 (trezentos e seis reais), datadas de 05-05-2016 e 07-08-2017 (evento 21, OUT4, p. 10 e 19).

Contudo, a casa bancária, a quem competia demonstrar a regularidade da utilização do cartão de crédito consignado, assegurando, assim, ter informado adequadamente e de maneira clara o consumidor, não foi eficaz nesse sentido, sendo que a documentação por si juntada, ao revés, corroborara com a tese inicial de não ter o agora apelante tido a intenção de contratar referido produto/serviço.

Com efeito, dos comprovativos de despesas colacionados no evento 21 (OUT5), nota-se que o contratante não fez uso do cartão de crédito, sendo debitado apenas encargos e juros mensais nas faturas.

Ainda, percebe-se dos referidos extratos que o pagamento da margem consignável, juntamente com os juros, não amortiza em nada, ou quase nada, o montante do mútuo disponibilizado pela instituição financeira.

Para mais, a gravação telefônica apresentada com a peça de defesa (evebnto 21, áudio 2) não comprova a ciência prévia e plena acerca das características da operação contratada, valendo destacar que é possível perceber se tratar o autor de pessoa menos esclarecida e que sequer desconhecia o procedimento de descontos do empréstimo firmado com a ré mediante cartão de crédito, além de ter afirmado não ter desbloqueado a tarjeta magnética.

Não bastasse, cabe...

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