Acórdão Nº 5000452-89.2020.8.24.0159 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 04-10-2022

Número do processo5000452-89.2020.8.24.0159
Data04 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5000452-89.2020.8.24.0159/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: JANETE DOS SANTOS WESSLER (AUTOR) ADVOGADO: LEANDRO SCHIEFLER BENTO APELANTE: BANCO INTER S.A. (RÉU) ADVOGADO: LUIS FELIPE PROCOPIO DE CARVALHO (OAB MG101488) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Janete dos Santos Wessler ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral (RMC) em desfavor de Banco Inter S.A., ao argumento de que sofreu descontos indevidos em sua folha de pagamento, oriundos de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual aduz ter sido firmado mediante o desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

O Togado singular deferiu os benefícios da justiça gratuita (evento 4).

Contestação (evento 15).

Réplica (evento 19).

Ato contínuo, sobreveio sentença (evento 23), da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

Ante o exposto, resolvo o mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e JULGO PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos formulados por Janete dos Santos Wessler em face de Banco Inter S/A, e, por conseguinte:

CANCELO o(s) cartão(ões) de crédito aderido(s) pelo autor [plástico(s) atrelado(s) ao contrato registrado sob o documento de nº 04 do Evento 15 ("Contrato 4")];

DETERMINO que o réu proceda à migração do "contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável", aderido pelo autor, para "empréstimo consignado", sendo deduzidos do saldo devedor os valores até então descontados do benefício previdenciário da parte autora. A fim de não comprometer a subsistência do aposentado, o valor da parcela limitar-se-á àquele que já é descontado mensalmente, a título de reserva de margem consignável, podendo, para tanto, ser efetuado em quantas parcelas forem necessárias para a satisfação integral do débito. Os juros remuneratórios deverão ser aplicados em conformidade com as disposições da Instrução Normativa do INSS, vigente à época da subscrição do contrato de empréstimo consignado;

CONDENO o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em favor do autor, a título de indenização por danos morais, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, e corrigido monetariamente pelo INPC, a contar desta data (Súmula nº 362 do STJ).

AFASTO a condenação do autor por litigância de má-fé, pois entendo que as alegações expostas pela parte são atinentes à dialética processual, além de não ter sido provada eventual conduta abusiva.

Tendo em vista que o autor sucumbiu em parte mínima dos pedidos, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, em favor do procurador da parte adversa, estes que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma do artigo 85, § 8º, do CPC.

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se.

Inconformada com o decisum de primeiro grau, a casa bancária requerida interpôs recurso de apelação (evento 28), no qual sustentou, no mérito, suscitou a legalidade da contratação do cartão de crédito e a impossibilidade da conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado simples, assim como a inexistência de dano moral. Alternativamente, pleiteia pela minoração do quantum indenizatório.

Por sua vez, a parte autora interpôs recurso adesivo de apelação (evento 35), oportunidade em que pleiteia pela majoração da indenização por danos morais e a repetição de indébito em dobro.

Contrarrazões de ambas as partes litigantes (evento 34 e 38).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que, no âmbito de presente ação, julgou procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que a autora, ora apelada, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados na sua folha de pagamento a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ainda, a inviabilidade da determinação de conversão do empréstimo por meio de cartão de crédito em empréstimo pessoal "simples".

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Intermedium e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (evento 15, CONTR4).

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da requerente, ora apelada, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelada), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora insurgente, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelada afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO.

Quando se desvirtua ou se...

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