Acórdão Nº 5000469-78.2020.8.24.0013 do Quinta Câmara de Direito Público, 13-04-2021

Número do processo5000469-78.2020.8.24.0013
Data13 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualRemessa Necessária Cível
Tipo de documentoAcórdão
Remessa Necessária Cível Nº 5000469-78.2020.8.24.0013/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

PARTE AUTORA: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) PARTE RÉ: MUNICÍPIO DE CAMPO ERÊ/SC (RÉU) E OUTRO

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou esta ação civil pública em relação ao Município de Campo Erê e ao Consórcio da Região do Rio Sargento de Integração Municipal - CRESIM.

Relatava que em vistoria às instituições de abrigamento de crianças e adolescentes realizada em julho de 2017 apurou uma série de irregularidades na Casa Lar do Município, as quais comprometiam a segurança e o desenvolvimento sadio dos abrigados, listando uma série de problemas de infraestrutura do imóvel e outros ligados à equipe profissional.

Pedia, assim, (a) a construção de muro ao redor da casa e a instalação de grades ou redes de proteção nas janelas, (b) a compra de ar-condicionado, móveis, fogão à gás, forno elétrico e micro-ondas, louças, entre outros, (c) a formação de equipe profissional em número suficiente, evitando-se que a carga horária semanal dos atendentes e educadores seja superada, (d) a promoção de medidas quanto à notícia de ausência de cuidado adequado com os abrigados, (e) a instalação de boxes e espelhos nos banheiros, (f) introdução de luzes de emergências e extintores, (g) a aquisição de um automóvel para uso exclusivo da entidade e (h) a aquisição de telefone de acesso a todos os funcionários.

Apresentada contestação apenas pelo Município - o consórcio, em que pese citado, não se manifestou -, o pedido foi julgado improcedente por sentença da Vara Única da Comarca de Campo Erê.

Os autos vieram a este Tribunal de Justiça apenas por conta da remessa necessária.

A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo provimento da remessa ao argumento de que não foi oportunizada réplica ao Ministério Público, reputando necessária a dilação probatória.

VOTO

1. O eminente Procurador de Justiça traz tese até então não apresentada. Diz que havia a necessidade de se permitir a réplica ao Ministério Público, depois se migrando para a imprescindível fase instrutória.

Não vejo da mesma forma.

Na praxe forense, abre-se prazo para réplica como ato ordinatório, nem sequer indo os autos ao juiz para avaliar se é realmente o caso de permitir o ato processual. Em termos pragmáticos a medida se justifica porque na maior parte dos casos é mesmo hipótese para réplica: há algum fato ou aspecto jurídico trazido, que exigirá na mesma medida o respeito ao contraditório. O autor e réu, respectivamente na petição inicial e contestação, delimitam a lide. A réplica encerra o ciclo (quando necessária): propicia, como dito, que o acionante traga a sua versão a propósito de evento original apresentado pelo réu.

Em outros termos, se o demandado não apresentar circunstância original, não existe espaço para réplica.

A contestação aqui trazida se baseou essencialmente na versão que já estava no processo, apanhando a própria narrativa da exordial ou mesmo os documentos que lhe acompanhavam (como será transcrito adiante). Ainda que tenha apresentado algumas evidências que estavam na defesa, não eram aspectos alheios ao Ministério Público, muito menos se pode dizer que houve prejuízo (e se está falando de anulabilidade: vício processual que depende de arguição da parte e demonstração de dano). Tanto não houve (por exemplo, não consta asserção de que o posto na sentença em termos fáticos tenha alguma inverdade) que nem sequer houve recurso do Ministério Público.

É claro, tratando-se de reexame necessário, o objetivo é justamente impedir que a inércia do autor prejudique o interesse coletivo. Mas não consigo ver que, retornando os autos ao primeiro grau, a solução não devesse ser a mesma porque surgiria uma versão distinta para o posto na decisão de mérito.

2. De forma equivalente, não observo muito menos razão para que fossem produzidas outras provas.

A sentença, insisto, está muito bem fundamentada. Traz um pensamento que antes é jurídico, centrado na excepcionalidade da intervenção jurisdicional quanto a políticas públicas. Ilustra com as melhorias havidas no estabelecimento litigioso, ressaltando que se o quadro não é o ideal, muito menos justifica que o Judiciário desça a essas particularidades do cotidiano administrativo.

Não seria o caso de promover instrução quanto àquilo que não revelou litigiosidade.

3. A sentença do Juiz de Direito Valter Domingos de Andrade Júnior está, repito, muito bem posta.

Repito-a:

O reconhecimento de que para além dos direitos individuais comuns, aqueles do dia a dia forense, existem outros pertencentes à coletividade ou a uma classe de indivíduos, não enquanto direito de cada um de seus membros, mas do coletivo ou da classe em si mesmos, e o estabelecimento de instrumentos processuais adequados à tutela destes direitos (Leis n. 4.717/1965, 7.347/1985, 8.069/1990, 8.078/1990, 8.429/1993, dentre várias outras), é uma conquista civilizatória, com profunda influência em todo o ordenamento jurídico, especialmente no Direito Financeiro e Administrativo.

A partir do momento em que se reconhecem estes metadireitos e é atribuída sua defesa a determinados legitimados, então tornaram-se passíveis de judicialização e, assim, objeto de definição por um outro Poder do Estado situações que, pertencentes àqueles ramos do Direito Público, antes acabavam sendo discutidas exclusivamente no âmbito legislativo e administrativo, seja porque não se via nelas um direito subjetivo da coletividade seja porque não havia meios processuais que autorizassem sua tutela direta, isto é, fora de uma discussão incidental em ações individuais.

Se, de um lado, essa nova realidade ampliou o acesso à Justiça, os meios de controle da...

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